A tristeza está completada ...
"- Pourquoi t’as l’air triste?"
"- Parce que tu me parles avec des mots, et moi je te regarde avec des sentiments."
Aos leitores menos dados ao francês (eu incluído, só que a bela fonética trazida por este diálogo o tornou memorável) a tradução fica-se pelo: “Porque estás triste? Porque falas-me para mim através de palavras enquanto eu te olho com sentimentos.” Cena icónica do igualmente “Pierrot le Fou” (Jean-Luc Godard, 1965), o “Pedro, O Louco” em bom português, onde Jean-Paul Belmondo perante a inquietude de Anna Karina lhe questiona sobre o seu estado. O resultado é um apontamento do quão verborreico é o anterior “À Bout de Souffle” / “O Acossado” (Godard, 1960), o homem eternamente cansado, que passou de embrião policial a clown de prestígio no cinema francês.
Havia qualquer coisa nele, um misto de brilho popular e em parte vulgar com um certo classicismo de mancha. Belmondo, em todo o caso, não pertencia à França, nem mesmo à vaga que se tornou símbolo prematuro, era uma figura desajeitada e totalmente inspirada nos galãs hollywoodescos. Godard reconheceu e muito esse seu jeito, tornando-o num “fura-vidas” com ambições de vidas maiores que a sua e gesto a mimetizar os seus heróis feitos, como Humphrey Bogart, por exemplo. Mas cedo ele soube separar-se … quer dizer tentar … da Nouvelle que o envolveu, e apostando numa aproximação ao grande e diversificado público francês, foi investigador, malandro a incurável romântico, de velho ressabiado a doido varrido, homem-criança ou mulherengo tardio, tudo isto num só corpo, num só gesto, num só paleio.
E é com tristeza que chegamos a este ponto de consolidada derrota: se há uns anos os sentimentos desvaneceram (nunca esquecerei aquela face triste de uma envelhecida Anna Karina perante as mesmas imagens que vos falo, exibidas no Grand Lumiêre Theater, em Cannes de 2018), desta feita foram as palavras que emudeceram. Belmondo já não mora mais aqui, entre os comuns dos mortais, mas continua a abundar numa tradição, a do cinema francês, e para todas as classes. No final, imaginando aquele plano derradeiro de “O Acossado”, com o ator estendido no asfalto, observado como um raro espécimen se tratasse. Na altura, a queda de um homem que tatuava em si um legado cinematográfico faz-de-conta, simbolizando com isto o fim de uma era, ora dourada, ora acorrentada ao seu próprio fascínio industrial, para dar início a uma fase de desconstrução e de um novo cinema a surgir hiperativamente entre pulsações.
Neste momento, aquele mesmo corpo caído, derrotado e traído, é uma metáfora distante que adquire um novo significado, menos tido a manifestos estéticos ou formais, e mais próximo ao seu velcro – o Magnífico Jean-Paul Belmondo.
Esta é a minha homenagem.
Jean-Paul Belmondo (1933 - 2021)