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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O virar de mais uma página nos Cadernos de Cinema ...

Hugo Gomes, 03.03.20

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O Cahiers du Cinéma não inventou a crítica de cinema, mas reinventou a nossa ideia de crítica em cinema, colocando essa manifestação no patamar intelectualizado, pessoal e transgressor dos fixos métodos de mercado e que, por sua vez, rebelava contra os ensinamentos de uma vaga anterior (Marcel Martin, Georges Sadoul e Jean Mitry que esculpiam as terminologias da estética). 

Durante anos, os ditos “cadernos amarelos” tornaram-se gurus do próprio ato de pensar em cinema, enquanto fomentam um novo leque de cineastas-escrivães que iriam lançar-se na indústria e perpetuar novos “movimentos” cinematográfico – A Nova Vaga, o Cinema Novo ou Vanguarda – que teria epicentro em território francês, nos anos ‘60, e como pássaros estivais “migrariam” para outras regiões do mundo (Portugal foi um deles). Os EUA embarcou na aventura na década seguinte, após as constantes resistências ao “cinema estrangeiro”, criando assim a Nova Hollywood. Foi essa publicação que acolheu alguns dos maiores pensadores cinematográficos de que há memória, desde o “pai” André Bazin, até aos seus mais fiéis “filhos” Jean-Luc Godard e François Truffaut, até ao marginal que encontrou palco para a sua voz Serge Daney, que viria experimentar em 1991 o slow-critic da revista Trafic.

Obviamente que mais se seguiram, os “filhos”, os “usurpadores”, os “anarcas” e os “fieis”. A crítica ramificou-se para vários estilos, formatos e correntes ideológicas muito graças à Cahiers, pela sua representação de crítica livre e pensada. E com isso, é triste depararmos-nos com o seu presente. Com as notícias de uma demissão em bloco devido a novos acionistas e a iminente intervenção de produtores que anseiam uma revista “chique”. Os jornalistas e críticos da Cahiers du Cinéma temeram pela sua liberdade, e devido a esse ato de bravura e de ética, que vai para além do código deontológico, mereceram fortes aplausos de coragem, o de “heróis” num tempo em que a comunicação social, seja de que plataforma seja, tem estado constantemente diluída nas grandes corporações e à mercê do constrangimento político-social pelo qual se regem.

Cahiers du Cinéma é por si uma marca histórica associada a essa mesma história, e devido a isso muitos cinéfilos têm sido solidários a esta luta, a esta prova de risco que colocará a crítica de cinema numa posição (ainda) mais fragilizada. Mas recordo que não há muito tempo, esta publicação revelava um top de década que fora repudiado por muitos dos que hoje abraçam a sua causa. E essa renegação foi acompanhada por um constante invocar da história, de Bazin a Truffaut, Godard a Rivette, Rohmer a Daney, e também a memória de Douchet. Porquê?

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Jean-Luc Godard e François Truffaut

A grande lição da Cahiers esteve sempre na grande emancipação e com isso a própria responsabilidade dos seus escritos em relação ao cinema contemporâneo. Os ditos ‘Cadernos Amarelos‘ são prova disso, do cinema pensante que não necessitava do academismo, nem das leis de mercado, mas hoje, com a difusão das redes sociais e a inabalável legitimidade da opinião (cada vez mais confundida com a arte da crítica de cinema) torna-se difícil separar a cinefilia da própria presunção snob (ou vaidade, esse tal pecado fatal e fatalista), ou do vampirismo dos ‘filosofares’ de outros. Tornou-se mais fácil apontar o dedo à Cahiers e não apenas questionar as suas ideias, mas desprezá-las à luz de outras, muitas delas vencidas pelo tempo e pela sua cadência. A crítica tornou-se irrelevante. É triste pensar e sublinhar isto, mas é bem verdade que essa arte, que muitos tentavam erguer como tal, encontra-se ameaçada pelos mais diferentes inimigos.

O mar de opiniões, a indústria predominante e interveniente (tido como subsistência), o consenso que muitos desejam construir como instituição e até mesmo a “necrofagia”, némesis que vêm contaminar a auto-estima da dita crítica de cinema, tornando-a uma peça sobresselente de qualquer publicação ou meio. Perde-se a agressividade, perde-se a noção, o bom-senso e acima de tudo, a honestidade intelectual.

Os jornalistas que abandonaram a Cahiers por princípios éticos, certamente serão visto como guerreiros da última estância da crítica cinematográfica, porém, todos nós devíamos fazer “mea culpa” neste cenário, pois desprezamos toda essa jornada ao encontro de novas formas de pensar no cinema, modernamente falando, para alimentar o respetivo ego. Sim, hipocrisia, e nisso não devemos esquecer.

Enquanto isso, a crítica de cinema não morreu … continua a resistir em algumas “habitações”, só que não anda bem de saúde. 

Raridades do cinema da R.F.A. na Cinemateca Portuguesa

Hugo Gomes, 30.10.16

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Ludwig Ii – Glanz Und End Eines Königs (Helmut Käutner, 1954)

Em julho do ano passado, o crítico alemão Olaf Möller esteve presente na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, onde apresentou um ciclo de filmes “desconhecidos” do cineasta conterrâneo G.W. Pabst. Numa das sessões, mais concretamente a de “Das Bekenntnis Der Ina Kahr” (“As Confissões de Ina Kahr”, 1954), Möller exibiu a sua indignação sobre o desprezo que o cinema produzido em tempos da R.F.A. obtém nos dias de hoje, inclusive na própria AlemanhaSegundo as suas palavras, era como se esse período fosse “apagado” da História do Cinema, e como grande culpado apontou para o Manifesto de Oberhausen, que viria a gerar o chamado movimento moderno, a partir de 1970, em que se destacaram nomes como Werner R. Fassbinder, Wim Wenders e Werner Herzog e que redefiniram a cinematografia alemã até aos tempos atuais.

Desde então, determinado em fazer redescobrir tais obras para o público e para a comunidade cinéfila, regressa à Cinemateca com uma extensa mostra de “filmes rejeitados“, um pouco como havia feito no anterior Festival de Locarno, mas destas vez sob versão alargada. O programa inclui mais de trinta e uma sessões de produções raras e de tamanho valor histórico, assim como artístico. Desde policiais, thrillers, melodramas, comédias, entre outros, passando pela velha guarda como Fritz Lang, de autores que se impuseram nos anos 50 junto à crítica como Wolfgang Staudt e Helmut Käutner, e ainda revelações surgidas como Jean-Marie Straub. Olaf Möller estará em Lisboa, a partir do dia 15, para apresentar regularmente os filmes e o crítico francês Jean Douchet fará uma conferência, ilustrada com excertos de filmes, sobre “The Indian Tomb” (1959), de Fritz Lang, provavelmente o mais conhecido filme desta extensa selecção.

O ciclo arrancará no próximo dia 2 de novembro, com “O Rei Louco” (“Ludwig Ii – Glanz Und End Eines Königs”, 1954), de Helmut Käutner, com Klaus Kinski no principal papel.

Ver programação completa aqui.