Cate Blanchett e o "buraco em que se meteu"
Quero começar com uma pequena história, que, reconheço, tem a sua própria moral, se virmos bem, e não é nenhum segredo guardado a sete-chaves, mas algo público, simples e de domínio comum. Cá vai: Michael Caine participou em “Jaws IV: The Revenge”, um facto inegável e, possivelmente, uma das maiores nódoas na sua longa carreira enquanto ator, no entanto, o britânico tem sempre uma resposta pronta quando é confrontado com a perplexidade da sua presença nessa sequela desnecessária ("Mas chegaste a vê-lo?") - "Não o vi, mas vi a casa que comprou para a minha mãe, e é maravilhosa!".
A moral, meus amigos, é que nem tudo se resume a prestígio, e numa sociedade ultra-capitalista como a nossa, e considerando que a indústria, antes de mais, uma indústria, ganhar dinheiro não deve ser visto como a mais pejorativa das ambições artísticas. Caine participou naquele “execrável” filme, mas não o condenamos por isso. Portanto, e seguindo o mesmo parâmetro, devemos respeitar Cate Blanchett no meio desta “palhaçada”? Tendo em conta o seu sorriso algo ácido, indicando a probabilidade de se ter divertido com tudo isto, a resposta é … sim!
“Borderlands” é a adaptação de um videojogo com o mesmo título [lançado em 2009], e paralelamente um filme de Eli Roth. Dependendo da perspetiva, o filme parece fracassar em ambos os lados, disto não vos posso mentir. Em primeiro lugar, e não querendo demonizar o ato de conversão do universo de videojogos para o aparato cinematográfico, é a persistência da Sétima Arte enquanto acessório, o filme não tem vida própria, emancipação como podemos salivar, para se erguer como uma produção fechada. Há nela uma fidelidade estética (as cores contrastadas com ambiências apocalípticas), preenchida com easter eggs para adeptos favorecerem a sua experiência. Logo, se não vive enquanto cinema … vocês já sabem o resto da ‘cantiga’.
Quanto a Eli Roth, como muitos outros artesãos desta indústria têm demonstrado (sim, estou a olhar para ti, Guy Ritchie...), orçamentos amplamente expandidos são um verdadeiro cancro, estrangulam a criatividade e mergulham o filme numa lista de encargos. “Borderlands” demonstra isso em todo o seu percurso: um entretenimento automatizado, sem personalidade, um produto gerado por via algorítmica. Não vale a pena aclamar o artigo da “Série B” como forma de redenção; com os montantes investidos, é tudo menos uma produção secundária, sem capacidade de se assumir no desenrasque lúdico.
Dadas estas inclinações, não podemos condenar Cate Blanchett se a sua participação num projeto como este for puramente financeira. Afinal, ninguém é de ferro.