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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Cate Blanchett e o "buraco em que se meteu"

Hugo Gomes, 09.08.24

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Quero começar com uma pequena história, que, reconheço, tem a sua própria moral, se virmos bem, e não é nenhum segredo guardado a sete-chaves, mas algo público, simples e de domínio comum. Cá vai: Michael Caine participou em “Jaws IV: The Revenge”, um facto inegável e, possivelmente, uma das maiores nódoas na sua longa carreira enquanto ator, no entanto, o britânico tem sempre uma resposta pronta quando é confrontado com a perplexidade da sua presença nessa sequela desnecessária ("Mas chegaste a vê-lo?") - "Não o vi, mas vi a casa que comprou para a minha mãe, e é maravilhosa!".

A moral, meus amigos, é que nem tudo se resume a prestígio, e numa sociedade ultra-capitalista como a nossa, e considerando que a indústria, antes de mais, uma indústria, ganhar dinheiro não deve ser visto como a mais pejorativa das ambições artísticas. Caine participou naquele “execrável” filme, mas não o condenamos por isso. Portanto, e seguindo o mesmo parâmetro, devemos respeitar Cate Blanchett no meio desta “palhaçada”? Tendo em conta o seu sorriso algo ácido, indicando a probabilidade de se ter divertido com tudo isto, a resposta é … sim!

Borderlands” é a adaptação de um videojogo com o mesmo título [lançado em 2009], e paralelamente um filme de Eli Roth. Dependendo da perspetiva, o filme parece fracassar em ambos os lados, disto não vos posso mentir. Em primeiro lugar, e não querendo demonizar o ato de conversão do universo de videojogos para o aparato cinematográfico, é a persistência da Sétima Arte enquanto acessório, o filme não tem vida própria, emancipação como podemos salivar, para se erguer como uma produção fechada. Há nela uma fidelidade estética (as cores contrastadas com ambiências apocalípticas), preenchida com easter eggs para adeptos favorecerem a sua experiência. Logo, se não vive enquanto cinema … vocês já sabem o resto da ‘cantiga’.

Quanto a Eli Roth, como muitos outros artesãos desta indústria têm demonstrado (sim, estou a olhar para ti, Guy Ritchie...), orçamentos amplamente expandidos são um verdadeiro cancro, estrangulam a criatividade e mergulham o filme numa lista de encargos. “Borderlands” demonstra isso em todo o seu percurso: um entretenimento automatizado, sem personalidade, um produto gerado por via algorítmica. Não vale a pena aclamar o artigo da “Série B” como forma de redenção; com os montantes investidos, é tudo menos uma produção secundária, sem capacidade de se assumir no desenrasque lúdico. 

Dadas estas inclinações, não podemos condenar Cate Blanchett se a sua participação num projeto como este for puramente financeira. Afinal, ninguém é de ferro.

Óscares para tudo e para todos, em todos os lugares, menos para Portugal

Hugo Gomes, 13.03.23

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Everything Everywhere All at Once” saiu-se, de alguma forma previsível, como o grande triunfante na noite de entrega dos Óscares. O estranho e filme de culto da A24 assinado pela dupla Daniels levou para casa 7 prémios incluindo os de Melhor Filme, Realizador, Atriz Principal, Atriz Secundária e Ator Secundário. É a possível abertura da Academia a estes filmes tresloucados que apenas viriam os prémios por “canudo”, contudo, mudanças feitas e tendo em conta o vencedor do ano passado (que já ninguém se lembra, e que na pior das hipóteses escancarou ‘portas’ para o streaming) é uma melhoria, venceu o Cinema, mesmo que não seja o “nosso” ou o “vosso” Cinema, porque de resto, bem, Óscares são Óscares, valem o que valem. Nessas narrativas são ‘sonhos’ a serem concretizados, bastou ouvir Ke Huy Quan no seu discurso oscarizado [um dos mais emocionados na história dos prémios] para perceber que aquele momento era o momento em que se atinge o conceito “sonho americano”, até Jamie Lee Curtis o chegou, de estatueta na mão. Uma imagem improvável para quem sempre fora entendida como a atriz do “Halloween” e outros slashers

Só que não foi desta que o “sonho americano” chegou a Portugal. “Ice Merchants” ficou pelo caminho, vencido pela produção de J.J. Abrams - “The Boy, the Mole, the Fox and the Horse”, de Peter Baynton e Charlie Mackesy - adaptação de um popular livro de Charlie Mackesy, com o selo BBC e Apple, cujos seus fragmentos tornaram-se virais no Tik Tok, um conjunto de elementos que reforçam esse néctar premiável, o lobby. Todavia, a animação de João Gonzalez é já um vencedor por direito, abriu uma “porta” que Portugal nunca estendeu a mão à sua maçaneta, e levou portugueses a falar e a interessarem-se por este sector (prestigiado em todo o Mundo com excepção … como é “óbvio" … no nosso país), e da imprensa, que durante anos se “borrifaram” para ela, puseram-se a dedicar dossiês especiais sobre a nossa produção de animação e dos seus ‘protagonistas’. A Animação tornou-se na ala maior do Cinema em Portugal, não só pela indicação, mas como esta serviu de tocha para que muitos se aventurassem na escura gruta da sua ignorância. Voltando aos prémios de “last night”, Brendan Fraser com o “boneco de ouro” empunhando deixou-me satisfeito, mais uma vez, constatando o “sonho americano” e as suas narrativas de superação e “comeback” a vingarem numa entrega que tanto poderia ser contada em forma de filme oscarizado, e que o diga Michelle Yeoh!

Mas do outro lado da premiação, a derrota figurada na decepção, Angela Bassett não se controlou, demonstrando esse ar infeliz (foi a melhor de “Wakanda Forever”, mas um prémio num filme dessa instância seria ingrato para a carreira de uma atriz que, certo dia, se “vestiu” a Tina Turner), ou “Tar” de Todd Field, obra sobre a nossa modernidade e contra o seu simplismo, de mãos vazias e sobretudo com Cate Blanchett, injustamente, fora da glória da noite. Não há Óscares para todos, muitos menos ‘sonhos’.