Uma outra América na pele de Jamie Bell
Poderíamos falar de movimentos de extrema-direita, do ódio irracional que parece traduzir os nossos dias ou até as comparações (injustamente) incontornáveis com a «America History X», sobre outro skinhead racista que vira as costas ao ódio e à violência. Podíamos, mas não seria a mesma coisa, porque no coração deste “conto de violência embalado em humanismo” deparamos com um dos atores mais subvalorizados da atualidade: Jamie Bell.
Tendo conquistado corações no seu primeiro papel - quem se lembra do eterno Billy, o rapazinho que escapava das aulas de pugilismo para o ballet em “Billy Elliot” - Bell não seguiu de todo um caminho fácil pela indústria cinematográfica, arriscando e com isso fugindo da maldição de “jovem estrela”. Escapando ao esquecimento, tornou-se emancipado a partir do bélico de Michael J. Basset (“Deathwatch”), recuperando o fôlego com as incursões de Thomas Vinterberg (“Dear Wendy”), David Gordon Green (“Undertow”) e no desprezado “The Chumscrubber” de Arie Posin, e por fim quase se restringindo a secundário de sustento nos mais diferentes géneros: fantástico ("Fantastic Four”, “King Kong”), guerra (“Flags of our Fathers”), épico (“The Eagle”) ou ficção científica (“Snowpiercer”). Mais recentemente, reconquistou o protagonismo no curioso “Film Stars Don’t Die in Liverpool”, ao lado de Annette Bening, mas o filme não chegou aos laureados cantos da temporada de prémios e o mesmo se pode dizer do seu empenho neste “Skin”, validando uma certa ideia de ignorância (para não apontar o lobby) das academias.
Ao chegar a esta longa-metragem de Guy Nattiv (vencedor de um Óscar com a curta de mesmo nome) compreendemos que, enquanto ator, Bell é dotado em construir conflitos num registo silencioso, personagens conturbadas aprisionadas ao seu inerente. Em “Skin”, ele vive a pele (melhor palavra para referir esta personagem) de Byron Bab’ Widner, um membro de uma comunidade enraizada nos ensinamentos vikings, obviamente fermentada por ideologias de supremacia branca e de masculinidade tóxica. Jamie Bell apropria-se então dessa pele para costurar a sua própria camada epidérmica, resultando num homem encaminhado para becos sem saída, cercado por um ódio implementado. Mas ao contrário do portento Derek Vinyard, o neonazi arrependido encarnado por Edward Norton em “America History X”, Byron sempre se sentiu desencaixado no ecossistema de ódio diluído que é a sua família e convertidos. Para a personagem, toda esta violência é normalizada e, como consequência, para além da pregada ideologia, a sua expressividade é descompensada por um instinto quase animalesco.
Não se trata de encontrar em “Skin” um reflexão para este fenómeno de doutrinação, e novamente (pedimos desculpas ao leitor pela constante recorrência) comparando com “America History X” (filme que o próprio realizador, Tony Kaye, renega), não pretende solucionar com respostas simples um retrato absolutamente maniqueísta (há que encarar a extrema-direita e incentivos de ódio como algo mais complexo). Guy Nattiv aposta na individualidade da sua proposta: Byron é um objeto de estudo, não no sentido sociológico, mas emocional, a superação como virtude de um humanismo hoje desvalorizado.
“Pegar em farrapos humanos e devolvê-los à sua humanidade”, o objetivo proferido pela personagem de Daryle Jenkins (Mike Colter) é também o objetivo do filme, e o faz com a cumplicidade de Jamie Bell, menino-prodígio de ontem, o homem do presente que procura o seu merecido holofote. Está aqui, sem dúvida, um dos melhores desempenhos da sua carreira.