Ewa (Marion Cotillard) é uma "alienígena", não no sentido literal, mas figurativo. É uma estranha no Novo Mundo, atraída por promessas de prosperidade e de novas oportunidades. Contudo, a terra dessas promessas revela-se, desde o primeiro momento, num poço de enganos, um inferno comparável iludido pelo vislumbre da imponente Dama da Ferro erguendo a sua tocha, iluminando a vinda de cada indivíduo e o convite a que se tornem, cada um, no próprio Diabo, entregando-se a falsas juras e envolvendo-se em viciosos jogos crucificadores a vidas de um limbo labiríntico. A experiência vivida pela personagem de Cotillard é um reflexo “vivo” dos milhões de "cegos" que, desesperados, partiram dos seus lares nessa busca pelo intitulado Sonho Americano, muitos deles sucumbindo aos recantos mais sombrios do oportunismo humano. Só que em James Gray, o enfoque é outro, assim como o tom com que este explora a miséria social, inserindo-se numa estética profundamente barroca.
“The Immigrant” é, até à data, a obra mais ambiciosa de um realizador estimado por muitos (vendido à ideia “do melhor americano da sua geração” … e pegou, eu sei), e tido com indiferença por outros (nunca ostentando violentas legiões de ódio). No entanto, esta é uma falsa epopeia, decepada por moldes narrativamente classicistas, sobre a qual se desenrola um enredo tecnicamente sedutor, com prestações cuidadosas do elenco. O resultado, contudo, é isento de impacto e, pior, de frontalidade.
Gray, em conjunto com Ric Menello (o qual colaboraram em “Two Lovers”, em 2008), escreveu uma história dependente a um "míope" cénico, como arranjo desenrascado e opositor das reconstituições pretensiosas da velha Hollywood (na verdade, não podemos voltar atrás com as grandiloquência), e a recheou-a de personagens ambíguas, condenadas a justificarem os seus atos como gestos apaziguadores. Em consequência, sente-se uma ausência de antagonismo. O maniqueismo é abandonado, substituído astutamente pelo enredo, deixando a descoberto uma outra necessidade: a de um conflito interno, talvez uma evocação existencialista por parte da personagem de Cotillard e dos seus trilhos duvidosos, que mesmo perdida na miséria, mantém uma dignidade inquebrável, e por isso falseada como uma beatificação forçada. Mas nem isso chegamos a saborear.
A prova dessas "ausências" reside naquele final abruptamente feliz, que faz parecer que todo o percurso da protagonista até ao desfecho decorreu até aquele ato (conscientizando que “The Immigrant” é um filme “certinho” nesse moldes narrativos) sem grandes preocupações, sem esforço ou veracidade que o interliga. O caso desta Cotillard entregue ao “conto americano” origina uma obra novelesca que inicialmente recusa ser o que verdadeiramente é: uma performance tecnicamente irrepreensível e saudosista, daí o lado barroco com que encena Nova Iorque a tiritar por entre o seu lado fabulista e a da crueldade social (a fotografia sépia evoca uma fotogenia antiga e obsoleta de uma Nova Hollywood, a mesa que Gray sonha sentar-se numa reunião de “chá imaginário”), mas dramaticamente desgastado e narrativamente formatado.
Entretanto, as prestações são de uma inegavelmente qualidade. Joaquin Phoenix afirma-se mais uma vez como um dos mais exímios da sua geração, interpretando Bruno, a suposta encarnação da amoralidade necessária à sobrevivência na América (temporário devido à indução de uma desculpa ao seu carácter de resiliente oportunista), e Marion Cotillard transmite uma credibilidade que, em erradas mãos, soaria a falso. Jeremy Renner, por sua vez, completa o trio mesmo com competência numa figura apressada e dispensável (Gray e Menello disparam para o neorrealismo italiano, reproduzindo o “mágico louco” comumente dessas demandas, como a de “La Strada” de Fellini, por exemplo), quase-inútil para a narrativa. Se existisse uma ambiguidade nesta personagem (e é que sinais são nos demonstrado como prova da nossa desconfiança enquanto espectadores pós-inocência), tal é abandonado pela falta de interesse dos argumentistas.
“The Immigrant” é o espectro de um grande filme, valorizado pela ideia e pelos riscos de produção, mas "desmembrado" por um pretensiosismo anoréxico, uma característica cada vez mais presente na carreira de James Gray, o qual não esconde um certo aprumo técnico e um virtuosismo de ”aluno aplicado” que por vezes capta maravilhas. Aqui, a "maravilha saída da cartola", concentrada num plano final que rima com a abertura, a Estátua da Liberdade enquanto miragem, conforme ditado pelo ângulo, seja de saída ou de entrada. Enfim, mais uma oportunidade desperdiçada.