"Adieu Philippine": O meu lugar é o Verão!
Um simples cartão introdutório informa-nos: a Guerra da Argélia decorre no seu sexto ano. A partir desse momento, o conflito permanece como um fantasma silencioso, pairando sobre a leveza ilusória de um ménage à trois jovial.
Após duas curtas-metragens, em particular "Blue Jeans" (1958), onde dois jovens percorrem a Riviera Francesa movidos pelo impulso do desejo e da descoberta... e graças à sua vespa, Jacques Rozier aventura-se na condição de longa (ou melhor, de cineasta feito) com "Adieu Philippine" (1962). Perpetua o tom de um cinema "a nadar" entre o naturalismo e a ruptura formal, herdeiro e participante da vaga que, inflando o peito, se autoproclamaria Nouvelle Vague. A origem deste movimento tem sido, por outro lado, objeto de debate incessante: onde começou verdadeiramente? Com os cineastas da chamada Left Bank, como Alain Resnais ("Hiroshima mon amour", 1959)? Com Claude Chabrol ("Le Beau Serge", 1958)? Ou com a dupla Truffaut-Godard ("Les Quatre Cents Coups", "À bout de souffle"), companheiros de estrada e, mais tarde, protagonistas de uma dolorosa separação ideológica?
Nesse mapa, Jacques Rozier permanece nas margens: ignorado pelos grandes holofotes e do Sol grandioso, mesmo quando o seu cinema, e "Adieu Philippine", especialmente, ilumina com nitidez os traços essenciais da nova vaga. Mas quem reconhece os seus pares nota-o a léguas, e a tal dupla que vos mencionei (mesmo distanciando-se artisticamente, eram ainda tidos como um só) exaltou-se perante a projecção da longa-metragem na Semana da Crítica de Cannes. Cada um, munido da sua pena de escriba, destinou-lhe elogios eufóricos, mais tarde, em Dezembro de 1962, o filme figuraria na capa da Cahiers du Cinéma, como estandarte das novas margens cinematográficas que então começavam a delinear-se.
Em "Adieu Philippine", tudo ressoa o espírito do movimento: os jump cuts coreografados como dança; o faux travelling das “musas de verão” a descer ruas banhadas de sol e capitalismo em todas as formas (a era do consumismo, a era das futilidades); a fluidez do tempo, imposta pelo andar errante de um transeunte; e, sobretudo, a juventude: viva, pulsante, desorientada. Uma geração que, como denunciava Truffaut no seu célebre artigo da Cahiers du Cinéma, "Uma Certa Tendência do Cinema Francês", rejeitava o conformismo burguês de um cinema de requinte, oriundo de uma indústria bafienta e “traidora” das causas correntes. Mas essa juventude, em Rozier, surge também desenraizada, frustrada por um presente que a empurra para a guerra, mesmo quando tudo nela clama por evasão.
Numa das muitas cenas marcantes, e talvez das menos referenciadas, na noite que antecede o alistamento militar de Michel (Jean-Claude Aimini), ouvimo-lo num lamento solitário, frustrado, a conduzir pelas ruas com as suas companheiras (Yveline Cery, Stefania Sabatini) no banco de trás: “‘O Meu Lugar’, ‘O Nosso Lugar’... e o que aconteceu ao Meu?” A banalidade das conversas amorosas esbarra na iminência da separação, e essa falha de comunicação torna-se ferida aberta, nunca sarada, perante a imperatividade da contemporaneidade. Até porque o verão em "Adieu Philippine" é uma armadilha: um espaço de escapismo que se desfaz abruptamente, a leveza do início vai sendo corroída pela consciência da inevitabilidade histórica. O filme torna-se político, não por via de proclamações em palanques de última hora, mas pela sua matéria invisível, pelas entrelinhas da juventude sacrificada em nome do Estado.
Jacques Rozier é, aqui, um autor inaugural. Pouco celebrado, raramente lembrado, mas reconhecido — como certa vez afirmou Godard — como aquele que melhor concentrou a alma do seu tempo. É claro. É indiscutível.
Texto publicado no âmbito da retrospectiva "Jacques Rozier", organizada pela Leopardo Filmes