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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Ico Costa foge, mas não vai longe

Hugo Gomes, 27.01.19

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Tudo estava indicado para que “Alva” fosse a emancipação de Ico Costa, realizador que tem captado algum interesse no circuito de festivais nacionais, demonstrando os valores da elite cinematográfica do nosso panorama e reforçando a existência do docudrama, mas ao invés disso somos presenteados com mais um impasse.

Nesta primeira longa-metragem deparamos novamente com esse gosto em recriar a realidade com uma ficção complementar que se confunde com toda esta encenação-captação. A obra, que segue um homem, Henrique, em fuga nas montanhas após ter cometido um duplo homicídio, era caminho e tanto para servir de mostra aos temores psicológicos e a regressão quase animalesca da sua personagem, ou por outros caminhos já percorridos (por exemplo com “Nana” de Valérie Massadian), um retrato naturalista da cedência da civilização ao selvagem como subsistência. Ao invés disso, passando por um primeiro ato morno que encaminha enganosamente o espectador pelo primeiro trilho aqui sugerido, o filme tende em ceder à derivação do registo de câmara invisível, sorrateira e sem noção alguma de interferência para com a ação (com tal matéria, Miguel Gomes concretizou com melhor afinco a jornada de Chico “Chapas” num dos episódios de “Mil e uma Noites”).

Como tal, o espectador é absorvido ao estado passivo, enquanto as imagens correm sem o auxílio psicológico por trás ou do simbolismo, aqui desfeito por dois fatores: o primeiro ponto, a crueza e frieza dos planos (corridos de desleixo formal que sabe tão bem aos paladares de um certo academismo português); e segundo, a sequência final que deixa a perder a hipótese de testemunhar o potencial de um realizador calculista (algo que faz falta no nosso Cinema).

Até porque o nosso fugitivo é encaminhado / auxiliado por uma câmara cúmplice que suavemente indica-lhe a direção a seguir (literalmente), quase obtendo uma interatividade de imagem com a personagem ao nível de Michelangelo Antonioni (a câmara que foge do seu próprio filme e adquire a vida pretendida). O plano dessa estrada a fora, a fuga possível de Henrique e o estabelecido momento meta-fílmico em que o real converte-se no simbólico, é laminado com um exibicionismo evidente. A câmara procura o protagonista e é nessa procura que indiciamos essa dita e falta de calculismo. Não com isto insinuar que um plano-sequência ditaria um filme, mas era de facto crucial para entendermos que tipo de realizador Ico Costa se tornará. Pelo que vemos, não será promissor, mas também espero estar enganado quanto a isso. Por enquanto, o resultado é a passividade do costume.