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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Caraças para o filme ...

Hugo Gomes, 18.08.23

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Diz a lenda que Hugo Diogo desprendeu-se das suas ambições iniciais para, à sua maneira, tentar ganhar alguns “trocos” neste mundo fantástico que carinhosamente chamamos de "indústria cinematográfica portuguesa". No entanto, recorre a um velho truque, ou "tuguice", nestas demandas - "cuspir televisão" num ecrã enquanto rótula de Cinema. Repescando uma citação de Vicente Alves do Ó - "o Cinema continua a ser um parente pobre da televisão em Portugal" - acreditando agora, piamente, que se referia a projetos como este "Um Filme do Caraças".

Uma comédia de gags intrusivos sobre uma produção "prestigiosa" à portuguesa, onde o realizador entra em coma após um acidente com um projetor e o seu produtor, Pedro Rosa (clara alusão a Paulo Branco, mas sem bigode), não tem mãos a medir (nem orçamento para tal) e “contrata” um realizador de filmes porno (Pedro Alves) a assumir a rodagem e salvar o investimento. A partir daqui, desenrola-se o choque entre dois mundos, uma caricatura do cinema português (sempre o mesmo alvo) com toques de auto-ajuda “lamechas” motivados numa quebra da quarta parede. Contudo, as infelicidades neste trambolho cinematográfico encontram-se sobretudo na falta de ambição do projeto, que se limita a uma estética sub-televisiva (num momento de "Rabo de Peixe" e telenovelas mais sofisticadas, esperava-se mais respeito pelo público) para toda aquela comédia histérica.

Herman José, por sua vez, o genial humorista e também (“j'accuse!”) responsável por difundir o preconceito contra Manoel de Oliveira através de um dos seus arqueológicos sketches, revela-se rédea solta e desorientado numa caricatura agreste quanto à sua natureza (torna-se penoso vê-lo transformar nisto). Além disso, os maiores "fracassos" de "Um Filme do Caraças" estão presentes na inclassificável estrutura narrativa (até temos direito a um absurdo Deus Ex Machina no seu clímax) e personagens inadequadamente delineadas (o que Clara Gondim está a fazer ali é um mistério) e assume-se demasiado ingénuo para com a sua brejeirice (será difícil fazer sátira “da boa” neste país?). 

Ou seja, as dificuldades criativas habituais, tentando vender "gato por lebre" no mercado do "cinema comercial português", e tentar auto-legitimar-se na sua própria “trincheira”  - a de que o cinema deve reconciliar para com o grande público, porém, limitadamente ao território português, assumindo que é com isto o qual sonhamos ver expresso no grande ecrã. Será difícil compreender que não é com OVNIs embaraçosamente preguiçosos como estes que a nossa cinematografia irá “erguer-se” (ou lá o que é) perante o divórcio com os espectadores? Continuamos a alimentar com “lixo” e chamá-lo popular como defesa, mas perdemos assim tanta dignidade desde os intitulados “clássicos da comédia à portuguesa”? 

Palmadinhas na costas e pronto, “cinema” contra o Cinema que ainda se faz no nosso país. Mais um para juntar-se à galeria.

Lisboa fora de horas!

Hugo Gomes, 04.03.19

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Imagens Proibidas” é um daqueles filmes de várias ideias, mas nenhuma delas concreta. Um veículo para “problemas de primeiro Mundo”, de crises existenciais numa busca interminável pela noção de amor platónico. Convém salientar que, apesar de ser um projeto de baixo-orçamento e isento de estrelas do nosso panorama audiovisual (talvez João Lagarto seja o nome mais sonante deste elenco), o realizador Hugo Diogo aprimora a sua dedicação por detrás da câmara após o terrível “Os Marginais”, onde tentaria, sem êxito, orquestrar um conto criminal citadino sem nó nem costura.

Aqui, filma Lisboa como Nova Iorque se tratasse, uma agradável brisa cosmopolita que interage com um senso artisticamente eclético e inspiração do livro de Pedro Paixão. E é uma pena que os olhares aqui reunidos (o magnetismo em Diana Costa e Silva em consolidação com os movimentos de Rita Redshoes) se concentrem num enredo deambulante, que tenta encontrar a sua catarse intrínseca e a profundidade das palavras que nunca ousa proferir. É um filme falhado, diremos assim num tom quase condescendente; porém, é um dos “falhanços” felizes, uma obra que demonstra um esforço por parte de Diogo em atribuir um ritmo onde não existe.

O artificialismo de uma trama que se afasta do miserabilismo identificável de outras obras, ou das tendências de configuração de uma “portugalidade” enquanto identidade coletiva, “Imagens Proibidas” é somente o Cinema fora do seu habitat, assim como fizera no ano passado “Leviano” (um fracasso curioso que merece mais a nossa atenção do que o nosso profundo desprezo). Por vias de tentar ser um Brisseau alfacinha, mais académico e pouco dado aos explícitos corporais e emocionais, cabe a nós explicar a Hugo Diogo que, por mais alma deposite a este projeto, este não vinga para além de um exemplar egocêntrico.

Tudo, porque o realizador não possui ainda uma voz, um gesto autoral em toda esta caça ao vazio. “Imagens Proibidas” não é um objeto interdito que se prometia, é um rastilho de pouco pavio, onde, novamente repescando a estaca inicial, carece de solidez nas suas ideias, principalmente as de Cinema.