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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Táxi!!

Hugo Gomes, 25.11.23

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Like Someone in Love (Abbas Kiarostami, 2012)

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Total Recall (Paul Verhoeven, 1990)

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Night on Earth (Jim Jarmusch, 1991)

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The Fifth Element (Luc Besson, 1997)

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Colateral (Michael Mann, 2004)

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They All Laughed (Peter Bogdanovich, 1981)

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Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976)

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Taxi (Gérard Pirés, 1998)

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Taxi (Jafar Panahi, 2017)

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No Táxi do Jack (Susana Nobre, 2021)

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Scrooged (Richard Donner, 1988)

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A Taxi Driver (Jang Hoon, 2017)

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The Day After (Hong Sang-soo, 2017)

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It Must be Heaven (Elia Suleiman, 2019)

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The Bone Collector (Phillip Noyce, 1999)

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2046 (Wong Kar-Wai, 2004)

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Happy Together (Wong Kar-Wai, 1997)

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In the Mood for Love (Wong Kar-Wai, 2000)

Os Melhores Filmes de 2022, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 28.12.22

Em 2022 pude constatar a queda anunciada do cinema norte-americano, por mais que se tente rechear as nossas salas comerciais com produções à lá Hollywood, pouco ou nada saem deles para além de fórmulas, refilmagens sob selos de novidades, produtos direcionados ao streaming e super-heróis com fartura (demonstrando a sua regra equacional a servirem para universos partilhados).

Num ano em que “Avatar” chega com a soberba atitude de experiência de sala, um “Top Gun”, outra aguardada sequela, abre caminho por via do físico a possibilidade sensorial em sala, isto num ano em que a Academia decidiu promover um filme de streaming (“CODA”, que num estalar de dedos caiu no esquecimento). Se existe filme de Hollywood a merecer destaque neste ano, então Maverick e Tom Cruise (de difícil desassociação) levam a medalha. Porém, também foi o ano em que Michelle Yeoh pode finalmente brilhar nas terra-yankee graças ao frenesim entre o parvo e de genial que fora “Everything Everywhere All at Once” de Dan Kwan e Daniel Scheinert, ou das memórias cinéfilas de Spielberg em “The Fabelmans”, ou do terror de mãos dadas para com o seu legado cinematográfico - “Nope”, de Jordan Peele e “X” de Ti West

Mas este 2022 a congregação de 10 filmes foram para mim difíceis, o que automaticamente me deixa agradado com o turbilhão de novas vozes e novos movimentos que florescem por este Mundo fora, do Japão ao Irão, da França à Suíça, da Noruega ao México, da Coreia do Sul a Portugal. E falando em território nacional, destaco 12 meses recheadas em variadas e diversificadas produções; o rural novamente motor de inspiração ("Alma Viva”, “Restos do Vento), um João Botelho livre e fluido (“Um Filme em Forma de Assim”) e uma surpresa na realização (“Revolta”), já em temática de festivais [ainda sem estreia comercial], as questões identitárias e geracionais com deslumbre encanto ("Périphérique Nord”, “Super Natural”, "Frágil", “A Visita e um Jardim Secreto”, “O Que Podem as Palavras"), mas apesar desse leque de possibilidades, a minha escolha nacional cedeu à melancolia, à incerteza, ao fim da juventude retratado no misterioso “28 ½” de Adriano Mendes

Segue os dez filmes do ano, segundo o Cinematograficamente Falando e respeitando o calendário de estreias nacionais (sala ou plataforma de streaming):

 

#10) 28 ½

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“Doloroso, é verdade, de igual forma que deparamos com a nossa impotência perante o “mundo em cacos” o qual tentamos ignorar - a sequência do comboio, o momento mais hitchcockiano que o nosso cinema português já produziu (e não por decorrer no interior de uma carruagem, mas pelo trabalhado “suspense” oferecido a um espectador com conhecimento suficiente, por exemplo, de que a personagem de Anabela Caetano tem destreza física e experiência para lidar com tão incomoda situação). E são estas constatações, este peso concentrado que nos faz duvidar de tudo e de todos. Perdemos a inocência, fiquemos só a aguardar pelo inesperado, com a fé de este “incógnito” resgate-nos deste estado de existencialismo passivo.” Ler crítica

 

#09) La Civil

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“Por entre guerras de cartéis, Mihai espelha uma descida infernal de uma “inocente”, um mero dano colateral, que cuja contaminação com este ambiente a transforma numa espécie de impiedoso anjo da vingança. Tudo isto lido entrelinhas, de câmara à mão, orbitando de volta à ação e sugerindo mais do que expondo. “La Civil” escapa dos lugares-comuns pela sua imposição de poder, descortinando as vozes silenciadas de uma disputa moral.” Ler crítica

 

#08) A Hero

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“Através deste “regalo”, somos induzidos a um confronto entre razões e uma proposta de desconstrução arquitetónica (cada com a sua perspetiva) à definição de “herói”, o indivíduo máximo da moralidade na sociedade. O retorno ao Irão é propício a esses dilemas, uma sociedade “estranha” aos olhos ocidentais opera como uma distopia possível sobre as mais variadas questões morais e éticas. Como tal, “A Hero” é uma “caixinha” de tópicos para um debate pós-sessão, e Farhadi feliz para que isso aconteça.” Ler crítica

 

#07) In Front of your Face

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“E aí está o trunfo deste enésimo filme, um Hong Sang-soo amadurecido, elegante e delicado na sua estética (sem com isso ceder a “makeovers” radicais), que nos fala sobre vida, morte e promessas vencidas e embebidas em álcool, por sua vez de “pinga envelhecida", sem nunca descrer da sensibilidade desses mesmos temas, com quem encara o encerramento já visível do outro lado da esquina. Deste lado o cético que testemunhou um milagre, pequeno mas que basta, num cinema que sempre fora mais preocupado em alimentar o seu culto do que verdadeiramente interrogar as suas próprias emoções.” Ler crítica

 

#06) Onoda, 10 000 nuits dans la jungle

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O Cinema é também memória, não em jeito memorialista e intimista, mas antes de uma lembrança do que esta arte foi e do percurso percorrido até à sua presente forma. Embora “Onoda” seja uma produção atual, é um filme hoje impraticável pelas mais diferentes razões. Não se trata de resumir ou mencionar gestos de outros e de distantes tempos, Arthur Harari persiste numa vinheta histórica para aludir ao “coração das trevas”, abraçando a selva como a mais eterna inimiga dos Homens. Tropicalismo? Exotismo? Nada disso, esta floresta que albergará os últimos resíduo de uma Guerra desvanecida assume-se como uma armadilha, um labiríntico cativeiro, onde o tempo estagnou num cruel sigilo e a carne está predestinada à sua regressão natural. Harari cumpriu, onde muitos falharam, o de trazer de volta um Cinema físico, protetor da sua herança e com ela a possibilidade de avançar “mato a dentro”. 

 

#05) Azor 

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““Azor”, primeira longa-metragem do suíço Andreas Fontana, marcou presença na edição de 2021 da Berlinale na secção Encounters, um thriller assombroso que tece um universo que bem poderia ser extraído dos enésimos “filmes sobre Máfia” ou dos gestos calculados e maturados de Costa-Gavras. Aqui, nesta Argentina dos anos 80, sem nunca condicionar a um evento histórico preciso, o silêncio é de ouro e a meticulosidade poderá garantir a nossa sobrevivência nesta descida ao inferno capital.” Ler entrevista ao realizador

 

#04) Un Monde

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“Não olhemos para as crianças como um poço de inocência, mas antes como “peregrinos” que desbravam “novos mundo”, claramente “novos” diante dos seus respectivos olhos, e é esse “mundo, a palavra transportada do título original (“Un Monde”) que Laura Wandel concretiza um tratado experiencial num biótopo a nós familiar, e igualmente distante.” Ler entrevista com a realizadora

 

#03) Vortex

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O tempo destrói tudo”. Gaspar Noé "pavoneou" esse lema ao longo da sua filmografia, todas elas indiciadas no ato de provocar. Enfim, o tempo ameaçou destruir, até porque Noé, perante uma  hemorragia cerebral que o quase levou às “portas da morte”, desliga-se dos aspectos xamânicos e místicos, ou da crueldade exaltante em ira, que testemunhamos nos seus filme para se partir numa claustrofobia formal e existencial. Protagonizado por Dario Argento, demonstrando-se decadência física (ontem, um “maestro” do terror, hoje, uma vítima do terror pendular da sua expirável “carcaça”), “Vortex” veste-se de negrume desumano, discreto, e acutilante a um quotidiano vencido, corpos arrastam-se e mentes dilaceram perante o voraz apetite do tempo. Em jeito de “split-screen”, amantes que depois do seu coro distanciam, mais e mais, até que os vestígios do seu último sopro temporariamente instalam-se nos lençóis usados. Morte, fim, nada de digno, nada de romântico, Gaspar Noé parece saber do que fala.

 

#02) The Worst Person in the World

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The Worst Person in the World” é de uma manobra arriscada em pleno século XXI que é o de dar uma oportunidade a estas mesmas personagens de recontar as suas vivências, e demonstrar que ainda há espaço para elas, sem as glorificar ou as vitimar. No fundo, aquela pessoa “horrível”, a “culpa europeia branca sentada no sofá”, é um fruto social que revolta-se silenciosamente contra esses parâmetros. Ler crítica

 

#01) Drive My Car

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“Poderíamos dizer tanta “coisa” sobre “Drive My Car”, poderia e posso, mas é ao terceiro visionamento que percebo, emocionalmente, a cerne de toda aquela palavra (Hamaguchi contou-me o quanto a palavra se tornou no motor do seu Cinema) não está na conquista dos sentimentos, mas as tréguas para com as nossas mágoas, aquilo que nos endurece perante um “mundo em chamas”. Talvez o meu "refúgio de cartão” esteja no Cinema, como disse em tempos, este parece comunicar comigo, ou é somente a manifestação do seu lado zeitgeist, e nós não somos tão “especiais” assim. Conforme seja a verdade absolutista, um facto é que “Drive My Car” vive entre nós, é um filme do nosso tempo projetado para quem olha para ele com desconfiança.” Ler Texto

 

Outras menções: Everything Everywhere All at Once, Nope, Top Gun: Maverick, Memory Box, Flee, The Girl and the Spider

A um palmo da testa de Hong Sang-soo ...

Hugo Gomes, 24.05.22

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A universalidade é a palavra-chave para que o cinema de Hong Sang-soo possa prevalecer fora do cerco que ele próprio criou, forrado pelas fantasias mirabolantes diversas vezes discursadas nos arredores do seu culto. É essa linguagem comum, o do “Foda-se, a vida é fodida”, sem tradução nem contexto cultural, debitada naturalmente num meio de um convívio movido a álcool, desta feita o licor chinês a substituir o soju, para de uma vez por todas acabar com a artificial apropriação detida pelo adepto ocidental. 

De Hong Sang-soo nunca aderi, confesso, demasiado “europeu” na sua possível vanguarda sul-coreana, engodo rohmeriano para festivais e críticos de pensamento francófono, sem referir a sua desengonçada estética, conferindo-lhe a impunidade crítica num círculo iludido da sua própria poesia, porém, é na escrita que o coreano sempre se primou, na invenção, na hipótese, na intervenção algo divina nas relações submetidas, na metafísica embrulhada no monótono quotidiano, repetidamente encenado filme após filme. E é com o argumento que este “In Front of your Face” (o segundo Hong’ de 2021 e o estreado timidamente no Festival de Cannes) sobressai, o segredo de uma mulher retornada, magnetizada pelo vazio espaçado entre arranha-céus coreanos (entre os quais da sua irmã que nunca partiu), e pelo passado sem volta que mutuamente a persegue, quase de um jeito sexual e persistente. Essa mulher, que não fugiu, apenas evadiu do seu conforto em busca de algo maior que ela, e sobretudo fora dela, é Lee Hye-yeong na sua triunfal entrada neste universo que muitos crêem “honguiano”, um reflexo da encontrada maturidade do seu autor.

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E aí está o trunfo deste enésimo filme, um Hong Sang-soo amadurecido, elegante e delicado na sua estética (sem com isso ceder a “makeovers” radicais), que nos fala sobre vida, morte e promessas vencidas e embebidas em álcool, por sua vez de “pinga envelhecida", sem nunca descrer da sensibilidade desses mesmos temas, com quem encara o encerramento já visível do outro lado da esquina. Deste lado o cético que testemunhou um milagre, pequeno mas que basta, num cinema que sempre fora mais preocupado em alimentar o seu culto do que verdadeiramente interrogar as suas próprias emoções. 

In Front of your Face” anuncia uma segunda vida, gestos articuladamente automatizados que reencontram um fôlego emancipador no vazio, esse fascínio mórbido da protagonista, alimentada pelos pactos de serões boémios que possivelmente nunca se cumprirão. No final, gargalha-se, porque o ontem tornou-se nisso mesmo, num passado sem intuito de repetir.

Na 6ª edição do Close-Up, a Comunidade é o que mais importa!

Hugo Gomes, 14.10.21

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As Tears Go By (Wong Kar-Wai, 1988)

Aquilo que poderia soar a um clube de cinéfilos depressa se transformou num dos mais ascendentes eventos culturais e cinematográficos do país: Close-Up: Observatório de Cinema, uma iniciativa da Casa de Artes de Famalicão, chega à sexta edição, com uma programação fiel à sua génese e igualmente com mais vitalidade.

São filmes, convidados, conversas e eventuais tertúlias pós-projeções: o programador Vítor Ribeiro convidou-me a conhecer as surpresas e ambições de mais uma colheita cinematográfica, com destaque para o cinema de Basil da Cunha (O Fim do Mundo”, “Até Ver a Luz”) e em dois pólos do cinema asiático, Wong Kar Wai (Hong Kong) e Hong Sang Soo (Coreia do Sul).

O Close-Up arranca a 16 de outubro (sábado) com um filme-concerto dos Sensible Soccers através de dois filmes de Manoel de Oliveira (“Douro Faina Fluvial” e “O Pintor e a Cidade”), e o adeus será com “Metropolis”, o grande clássico de Fritz Lang, acompanhado pelo pianista Filipe Raposo e a Orquestra Sinfónica Portuguesa.

Chegamos a uma 6ª edição de Close-Up, aquilo que poderíamos definir como um espaço cinematográfico e cultural. A primeira questão prende-se na própria formalização e idealização do Close-Up, o que o separa de um festival de cinema, por exemplo?

O Close-up é uma programação da Casa das Artes, o Teatro Municipal de Famalicão. É um Observatório de Cinema instalado no Teatro, que apesar de apresentar um momento intenso de propostas [em Outubro], permanece na agenda da Casa das Artes durante todo o ano, o que fortalece a sua ligação à comunidade, com os vários públicos. Por exemplo, com a comunidade escolar, com quem estabelece um diálogo estreito e permanente. Organizado em panoramas, que articula produção do presente e história do cinema, também privilegia um programa orientado por um mote, com várias paisagens, o dar a ver.

A primeira sessão deste Close-Up é o filme de Philipp Hartmann – “66 Cinemas” – que se centra na viagem de um cineasta por 66 cinemas por toda a Alemanha para mostrar e debater sobre o seu mais recente filme. Pondo as coisas desta maneira e seguindo a trajetória imaginária do filme, como vê a importância de uma iniciativa do Close-Up ou do Cineclube de Joane [um dos apoios] para existência do espaço cinematográfico fora das grandes metrópoles?

O "66 Cinemas" é um ótimo filme para discutir as comunidades e os fluxos de memórias que as salas de cinema podem gerar: encontramos salas que preservam uma solenidade, em extensas plateias sob balcões, com poltronas de veludo, candeeiros de lustre e cortinas que ocultam o ecrã, ou régies, já com projetores de digital instalados, pois as cópias em película desapareceram do circuito de distribuição. Em que se acumula "memorabilia", matéria em tempo de digital, como projetores de película, bobines, cartazes, livros, catálogos de festivais, cassetes VHS. O que procuramos em Famalicão, a partir da Casa das Artes, é constituir um conjunto de propostas ecléticas, que tratam o cinema com a mesma elevação das outras artes, em que a proposta pode ser erudita, com marca autoral, mas também lúdica ou popular – algo intrínseco ao cinema e à sua história, com a condição de que o centro da proposta seja o cinema e não o seu inverso. O espectador de Famalicão, no que depender do nosso trabalho, tem acesso às mais diversas propostas, como uma boa dieta do que poderia encontrar nos centros urbanos de Lisboa e Porto. Esta pandemia agravou um panorama já deficitário de distribuição de salas de exibição em espaço público de cinema, algo que as políticas públicas devem contrariar, na participação do cinema como uma arte transversal, com capacidade para dialogar com plateias muito distintas.

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Cristina Coelho e Hugo Gomes, na apresentação de "Les Miserables" de Ladj Ly, na ediçaõ de 2020 do Close-Up

No Close-Up, a maior parte das sessões são pontuadas por intervenções e apresentações de variados convidados (cineastas, críticos, jornalistas, artistas, investigadores, etc.). Com que parâmetros seleciona essas importantes partes do programa? O que define um “convidado Close-Up”?

O que se procurou com o destaque atribuído aos filmes comentados é a possibilidade de singularizar as sessões, de acrescentar algo ao visionamento, de intensificar relações com outros filmes do programa e com a memória do comentador e do espectador. Na escolha dos convidados-comentadores valorizamos a relação dessa pessoa com a obra, começando pela relação mais óbvia - do realizador com o seu filme -, em que se privilegiam convidados que escreveram sobre o filme e a obra do realizador, mas também procurando trazer para a apresentação das sessões artistas e investigadores de outras áreas artísticas e do conhecimento que desenham tangentes ao cinema.

Algo que se vem percebendo no Close-Up é que poderá servir como barómetro do melhor que é produzido, distribuído e visualizado num ano cinematográfico no nosso país. Como funciona essa seleção?

Desde a primeira edição que definimos um mote que percorre o programa. Mas não é esse mote que define a seleção e os panoramas, é mais o seu inverso. É como quem coleciona filmes e autores que quer mostrar e, a partir de determinada altura, esboça-se algo que agrega aquela seleção e que, queremos acreditar, valoriza os filmes e o seu visionamento naquele espaço de tempo. Nesta edição, o mote Comunidade surge reforçado pelo contexto da pandemia que afastou o público das salas de cinema. Sendo que os filmes que aqui juntamos procuram estabelecer esse diálogo a partir da comunidade de espectadores, num vaivém com um ecrã povoado pelas mais diversas comunidades, que são histórias do cinema, do nosso presente, mas também do movimento das coisas, outros tempos que o cinema permite imprimir num imaginário coletivo.

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66 Cinemas (Philipp Hartmann, 2016)

Um dos destaques deste ano é a dualidade de um conjunto de obras de Hong Sang-soo e Wong Kar Wai. No programa impresso encontramos um propósito, mas gostaria de saber pelas palavras do programador o que o levou a juntar dois artesãos das relações afetivas no grande ecrã de estirpes e nacionalidades diferentes.

Na secção Histórias do Cinema procuramos não só mostrar um conjunto de filmes de um autor, mas também colocar em diálogo dois ou mais cineastas, sendo que, curiosamente, a primeira edição também veio de terras asiáticas, com a partilha de mundos, de temas, das famílias e dos lugares de Yasujiro Ozu e Isao Takahata. Nesta edição, ao longo do processo de inventariar possibilidades, apareceram muitas vezes os nomes de Wong Kar Wai e Hong Sang-soo. Se Kar Wai, através da reposição de cópias novas, intensificou a memória dos espectadores que fomos há mais de 20 anos, Sang-soo é um realizador prolífico que nos chegou tardiamente, mas que ocupou o seu lugar na comunidade cinéfila. E se muitas vezes as propostas de um e de outro parecem funcionar por oposição, a velocidade das imagens em movimento de Kar Wai versus um caráter mais contemplativo, também aos pares, de Sang-soo, talvez o coreano seja um autor do nosso tempo, com o cinema, a criação e as suas frustrações, como assunto, enquanto lá atrás Kar Wai usava a cultura popular para nos apontar a vertigem da viragem do milénio.

Como poderá crescer ainda mais o Close-Up? Que outros desafios terão num futuro próximo?

Para lá da exibição, dos encontros entre documentário e ficção, entre produção do presente e história do cinema, na procura de fazer emergir as potencialidades humanistas do cinema, há uma vertente que também pontuou as seis primeiras edições e que é inerente à condição de integrarmos um Teatro Municipal: o apoio à criação. Apresentámos filmes-concerto em estreia, respostas de encomendas da Casa das Artes, cruzamentos artísticos, a que responderam Sensible Soccers, Dead Combo, The Legendary Tigerman, Os Mão Morta, Orquestra Jazz de Matosinhos, Black Bombaim e Luís Fernandes. Paralelamente, promovemos o apoio à produção de filmes de Mário Macedo, Tânia Dinis, Eduardo Brito ou Luís Azevedo, em formato de curta-metragem e associados a ciclos e cartas brancas com esses realizadores. 

Um desafio para edições futuras será intensificar esse apoio à criação, fazendo-a ter ainda mais peso no programa. Se os filmes-concerto relacionam história do cinema com novas criações, obras importantes que chegam a outros espectadores transportados por outras bandas sonoras, há outra ambição, também relacionada com o património do cinema, que é a de proporcionar panoramas de obras de realizadores importantes, mas que não obtiveram distribuição, que foram pouco mostrados em Portugal, para lá de exibições na Cinemateca Portuguesa e que passará, também, por concertar parcerias com outras estruturas de programação.

"A Mulher Que Fugiu", mas que continua no mesmo sítio ...

Hugo Gomes, 16.12.20

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Ouve-se a certa altura, a passos do seu final, uma mulher referindo à popularidade do seu ex-marido [romancista] desta forma – “A maneira como ele se repete é absurda”. A frase parece cair nas minhas mãos como uma nota de suicídio, um “mata-me por favor” vindo do realizador “mais consensual do momento”.

É que filme após filme e quase sem descanso, o sul-coreano Hong Sang-soo tem mimetizando um estilo, uma estética despida e intencionalmente amadora, e retalhos de um quotidiano entediado (“A vida é aborrecida”, outra tirada ouvida por estas bandas) até à sua exaustão. É um efeito-estufa, o de criar um universo reconhecido até à última gota para que a viagem na corrente da sua filmografia seja percorrida em trilhos seguros e sem qualquer imprevisto. Mas será essa própria fidelidade autoral num sinónimo de genuinidade autoral? Será que poderemos considerar o constante gesto repetitivo como a cerne de um artista?

Possivelmente, como o leitor já deve ter percebido, sou uma voz rara na atual cinéfila, um cético na autenticidade e dos critérios que fazem qualificar este cineasta como um apogeu da sua arte, mas mais que isso, acredito que a repetição é diversas vezes usada como um escudo, uma impunidade crítica a favor da empatia. Primeiro, Hong Sang-soo não ‘nasceu’ detendo aqueles característicos zooms (como é óbvio!), privilegiando-o dessa inexperiência com a câmara para muitos (só de pensar na tamanha indignação causada por um travelling em “Kapò”, de Gillo Pontecorvo), e segundo, o tom que cada vez mais se aproxima às aventuras e desventuras emocionais e “filosóficas” do francês proverbial Eric Rohmer. Ou seja, há uma importação colonizada em Sang-soo, um cinema sul-coreano com alma europeia, com facilidades de agradar os grandes pólos de crítica internacional.

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Não me interpretem mal, não considero Hong Sang-soo um zero redondo e a negrito, é na sua criatividade como argumentista o qual esforço em acompanhar (recordo da agradável barafunda narrativa de “Hill for Freedom”, uma construção-puzzle num dispositivo credível), porque a sua formalidade fixou-se numa homogeneidade cansável (basta verificar a sua estreia em 1996 – “The Day a Pig Fell Into the Well” – uma relação desencantada para com o quotidiano mas encantada na sua estetização) como a própria rotina quotidiana (como muitos defenderão).

Porém, em “A Mulher que Fugiu” (“The Woman who Ran”), filme inacreditavelmente premiado como Melhor Realização no Festival de Berlim, é somente o bloco de carvão extraído do lápis, não há réstias de evolução nem preocupação formal (há um gato que aparece sem aviso e que tem contraído orgasmos e histerias por essa cinefilia fora, sem contar com os tais “zooms” aleatórios) ou de guião (a visita de uma mulher às suas diferentes amigas, orbitadas por prejudiciais presenças masculinas, é um punhado de rotinas esvaziadas). O que pairamos nestes 70 minutos é a derivação de um estilo e a prevalência de costumes brandos (a atriz e musa Kim Min-hee repete-se novamente como espectadora dos seus próprios filmes e dos criados para encher telas de “faz-de-conta”).

No entanto, repesco a minha anterior pergunta para a deixá-la no ar: será que poderemos considerar o constante gesto repetitivo como a cerne de um artista?

Fenómenos ... da repetição

Hugo Gomes, 26.02.20

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A maneira como ele se repete é absurda”. Não sou eu que o afirmo, quem proclama é umas das personagens, numa espécie de desdém à “popularidade” de um autor, neste “The Woman who Ran” (“A Mulher que Foge”, inexplicável vencedor de um Prémio de Melhor Realização no último Festival de Berlim). Aproprio-me das suas palavras e as posiciono de frente a esta 24ª longa-metragem do sul-coreano e “falso-marginal” Hong Sang-soo, de forma a não empregar sentimentos muitos profundos do meu “ser”. Começo a desconfiar deste “fenómeno”, há aqui um radicalismo que já não se aguenta.

Hong Sang-soo prova que tem algumas veias de cineasta escondidas …

Hugo Gomes, 30.11.17

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“O Woody Allen coreano“! De vez em quando é assim referido Hong Sang-Soo, um dos mais prolíferos cineastas do nosso tempo, que este ano [2017] leva com um recorde de três filmes concebidos, entre eles, “The Day After”, o seu regresso à imagem monocromática desde The Day He Arrives (2011), mais uma confirmação das suas descendências rohmerianas.

Trata-se de uma história de arrependimentos, um colapso entre realidades diferentes, que nos remetem à fragilidade dessas mesmas. E à sua maneira um trabalho metafísico, uma ficção científica que tem como vetor a criatividade narrativa do coreano, exercendo assim um filme pessoal e requintado. A história de uma editora de livros e dos seus affairs, é trabalhada como um comédia de maus-entendidos, ao bom jeito francês, conservando a personalidade de Sang-Soo. Porém, essa personalidade é imutável, e após as melhorias narrativas e técnicas em “Right Now, Wrong Then”, visto como o seu melhor trabalho desde então, o coreano conforma-se novamente com um estilo desinteressado e preguiçoso.

Onde “The Day After” vinga é no gosto insatisfeito do realizador em reinventar a narrativa, deformando o linear e, neste caso, incentivar um verdadeiro caos temporal. As personagens também questionam essa realidade, e questionam ainda mais a resposta de Kwon Hae-hyo, “a realidade existe porque é sentida”. Hong Sang-Soo sente o filme que está a fazer, é-lhe querido, e como tal grande parte da sua filmografia, invoca a mulher como um súbito interesse na libertação (novamente a actriz Kim Min-hee). Mas o espectador, será que sente esta jornada? Ou apenas se rirá das running gags que o nosso coreano parece cometer de forma deliciosa?

A verdade é que Hong Sang-Soo, por mais interessado que esteja na criação e recriação narrativa, é um conformista a um estilo sem estilo, o que facilita a sua prolificidade, mas nunca a sua “genialidade”. Fiquemos então com o plano em que Kim Min-hee assiste de tal forma reconfortante a neve que porventura começa a cair. Um plano que nos mostra o quão bom seria se Hong Sang-Soo tivesse esse amor à técnica. Por isso, esta não existe. Porque ele, simplesmente, não sente.

"Right Now, Wrong Then": será Hong Sang-soo o realizador acertado?

Hugo Gomes, 24.08.15

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Em “Right Now, Wrong Then” existe uma sequência em que o protagonista, Ham Chun-su (Jae-Young Jung), refere as chamadas quebras de rotina como uma essência viável para o percurso do artista. Mais tarde, revela que a ousadia é também um aditivo para esse mesmo estatuto, um estatuto que o cineasta coreano Hong Sang Soo deseja redefinir, mas que se perde no seu conformismo. Curiosamente, estes diálogos impostos pela sua personagem alusiva (visto o protagonista ser também um realizador de cinema a relembrar as suas fragilidades emocionais e matrimoniais) poderiam tão bem soar como auto-conselhos para a sua celebrada carreira, cada vez mais ascendente. Prova disso é o Leopardo de Ouro recebido na última edição do Festival de Locarno.

O filme, artisticamente falando, é tudo aquilo que esperávamos de Sang Soo, ou seja, mais do mesmo, sendo que neste caso a "pintura" denuncia uma certa renúncia dos seus tiques autorais. Provavelmente esta sua posição poderá ser encarada como um cansaço estilístico ou uma vontade em debater os trilhos percorridos até à sua consagração como cineasta. A "maldita" câmara sem objetividade, arquitetada por close-ups desleixados e de variados planos desenquadrados, é em múltiplas vezes deixada para segundo plano, revelando um interesse particular na própria história de “Right Now, Wrong Then”, que se assume de certa forma numa invocação de memórias intimistas e de desabafos emocionais. Hong Sang Soo instala-se em mais uma enésima revisão das gestações de relações afetivas, proclamando-as num mundo onírico de possibilidades, onde os gestos chegam a adquirir uma relevância descartável perante um destino escrito a tinta permanente.

Como cúmplice nesta demanda ao arrependimento e às essências gastas, mas recordadas do autor, temos o ator Jae-Young Jung a compor uma das personagens mais interessantes (se não a mais) deste seu universo, que chega a preencher a intriga com uma humanidade longe da habitual caricatura. Um fator benéfico para aquela que é uma das melhores obras do realizador. Nota-se sobretudo uma evolução em aproximar a obra ao espectador, sem que isso indique qualquer cedência ao mainstream.