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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Decretada Nova Ordem Mundial na Marvel! Será que mudou o registo?

Hugo Gomes, 12.02.25

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O mundo como o conhecíamos torna-se, cada vez mais, uma memória algo proustiana e longínqua, e 2025 tem provado essa miragem, esse embate para com uma nova realidade, acelerada a olhos vistos pela reeleição de Donald Trump. No outro dia, no seu primeiro programa de comentário em horário nobre, o jornalista Nuno Rogeiro mencionava que o que estamos a testemunhar não se via desde 1945: a quebra de uma artificial garantia das fronteiras. Hoje, perante a ameaça de uma guerra comercial e anexações cada vez mais na calha, sentimo-nos na presença de um mundo em plena reconfiguração.

Captain America: Brave New World”, coincidência ou vidência, surge como um produto amenizado do seu próprio zeitgeist, com os EUA na iminência de uma Guerra Mundial induzida por acordos comerciais e disputa de território, nesta realidade fictícia, uma recém-surgida ilha (no seguimento dos eventos ocorridos em “Eternals”) e um mineral raro e valioso a ser explorado. Familiar? Talvez. Mas sigamos.

Harrison Ford interpreta o presidente dos EUA (ecos de Wolfgang Petersen, que o colocou e popularizou-o em tal posição), com “esqueletos no armário” e jogos políticos de bastidores, é um vilão não-intencional que acaba por revelar-se — sem spoilers, pois os trailers já o denunciavam — como o grande antagonista deste novo episódio do MCU/Disney. Mais uma vez, a saga brinca às geopolíticas, desta feita com maior contenção e, por isso, mais maturidade do que o incoerente e despersonalizado “Civil War, aliás, se há um antecessor direto deste filme integrado numa franquia que insiste em não morrer, é Winter Soldier, igualmente mais terra-a-terra, evocando o thriller dos anos 70 e, desta vez, recolhendo dos escombros os restos de “The Manchurian Candidate” (John Frankenheimer, 1962) para preencher o quadro da automatização narrativa, tudo nos encaixes certos sem grande mossas aos espectador confortável.

O ponto fulcral desta intriga global, porém, é Anthony Mackie, sucedendo a Chris Evans no papel de vingador de escudo, e convém afirmá-lo (leram aqui primeiro): resulta num Capitão América melhor que o “original”. Mais humano, mais nuances, mais frágil, mais próximo da nossa mortalidade e moralidade — por vezes dúbia, pois ninguém, nem nós, é perfeito - Ao contrário do anterior Capitão, uma espécie de Deus grego e “moral high ground male pin-up”, Mackie entrega um herói mais complexo. É um papel ingrato, é certo, visto ser um dos críticos insiders da indústria atual, do star system e da sua decadência e do cinema super-herois e o seu público: “Já não existem mais ‘movie stars’. Anthony Mackie não é uma estrela de cinema, mas o Falcon é.”, dito pelo próprio na Comic Con de Londres, em 2017.

Voltando à moralidade e às supostas hipocrisias — mais nossas do que deles —, é verdade que os cheques e contratos falam mais alto em culturas capitalistas, e Hollywood não é exceção; é uma indústria no seu perfeito senso. Mackie é promovido, recebe o tal escudo ‘frisbee’, salva o dia e tenta reerguer uma franquia aos ziguezagues desde que a Marvel esgotou a carga épica com Avengers: Endgame, e talvez contrariando a manobra de opressão que “Deadpool & Wolverine concretizou com êxito na rentabilidade.

Quanto ao filme? Não dói. A sua pertinência discreta coloca-o metros à frente dos seus antecessores, mas nunca fora da esquadria banalizada deste tipo de cinema. Alan Moore provavelmente deve olhar para isto e reforçar o seu discurso de infantilização das massas e a ascensão do radicalismo político como resposta desesperada para afunilar um mundo numa só visão. O tal Admirável Mundo Novo, sem Aldous Huxley para nos enriquecer.

Três pontos de alma em Indiana Jones

Hugo Gomes, 28.06.23

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De fedora e chicote em punho, acompanhado pelo célebre tralálá sonoro, o single de muitas infâncias e aventuras imaginárias, Harrison Ford assumidamente envelhecido leva-nos ao choque das nossas memórias, é nostalgia em bruto que reina aqui. Bom pacote para as audiências, e igualmente uma incerteza do que poderemos esperar das nossas recentes produções … 

Com “Dial of Destiny”, o quinto feito do popularizado arqueólogo / mercenário (há tanta veia nele), três questões me perseguiram ao longo das duas horas e meia de jornadas pelo “macguffin da semana”. A primeira, como havia beliscado, é esta lógica de nostalgia mercantil (um sintoma da escassa criatividade in local). Ora, revisitar passados não é um ato altamente condenável e, como aconteceu em alguns casos, poderia servir como atualização ou upgrade desse mesmo legado. Trago à memória “Top Gun: Maverick”, que para além da sua gulosice saudosista é uma aprimorado técnico, altamente físico do episódio pop de 1986. No caso de “Indiana Jones”, a sua persistência leva-nos defronte a uma construída fórmula, consciente ou acidentada (tal propósito entra na moral do seu realizador). 

Segundo ponto, é a deserdação do material. A Lucasfilm parece ter vendido a alma ao Diabo (neste caso Disney, sem sentido pejorativo, somente figurado), depois de “Star Wars”, o mais importante franchise da produtora, ter sido arrancado das unhas de George Lucas e transformado num universo (ainda mais) expansivo, emancipado do seu próprio criador, e aí sim, deparamos com uma formalização do formato (no caso interestelar, um formato sobretudo anónimo). Já “Indiana Jones”, agora órfão de Spielberg, que depois do amontoar de críticas ao quarto e infame filme (subvalorizado nesse registo de entertainment), segue para a batuta do muito competente James Mangold (nisso não há que negar ). O resultado é uma espécie de copycat às façanhas spielbergianas das aventuras anteriores, sem com isto criar algo personalizado ou distinguível dos restantes (aliás, a mando dos responsáveis da 'herança', não sairemos dos trilhos familiares). Realização competente para efeitos de “blockbuster”, coloquemos a ‘coisa’ neste prisma, porém, a competência por competência resultará num prolongado vazio (mas o que se há de fazer?). 

Terceiro ponto, talvez o mais pertinente, é o esmiuçar na tendência secular de Hollywood em não perdoar o envelhecimento, ou como neste caso ostentando jigajogas para retardar essa mesma inevitabilidade, seja por vias do facilitismo do CGI sob o código de-aging (medonho e artificial Harrison Ford rejuvenescido naquele prólogo), ou na reforma cada vez mais interdita, como esperado, o filme acena a futuras continuações (aquele plano final, o melhor de toda a obra salienta-se), e como temos visto no primeiro ponto, com ou sem Ford a “vaca voltará a ser ordenhada”. Em Hollywood não há exclusividades, tudo e todos tem um preço!

Mas a questão de interesse ao leitor é se vale ou não a pena ver o “novo” Indy, como se a resposta desta parte condicionasse a ida a um cinema ou contrariasse os milhões de marketing investido até então. “Indiana Jones and the Dial of Destiny” é um modelo arqueológico de aventura cinematográfica, fascinado pelo exotismo à lá americana, restaurada e remodelada à vontade destes novos tempos. Temos Harrison Ford, temos Mads Mikkelsen e temos a Phoebe Waller-Bridge, sem dúvida alguma não sairemos defraudados nesse aspecto. Agora, esperar pela evolução do espectáculo, isso sim, é outra conversa …