"Just Mercy": pedindo misericórdia à cotovia
You just hold your head high and keep those fists down. No matter what anybody says to you, don’t you let ‘em get your goat. Try fighting with your head for a change.” Atticus Finch, "To Kill a Mocking Bird" (Harper Lee)
Visto em tempos como uma das promessas de Sundance, Destin Daniel Cretton demarcou-se dos pequenos “darlings” como “I Am Not a Hipster” (2012) ou “Short Term 12” (2013) para desembarcar entre projetos de maior escala confinados a uma certa tradição hollywoodesca. Começou essa jornada através da Lionsgate, numa adaptação ao livro biográfico de Jeannette Walls, “The Glass Castle” (2017), provando que desde “Lost Weekend” (Billy Wilder, 1945), filmes sobre os tormentos do álcool dificilmente encontraram credibilidade na indústria norte-americana. Seguiu-se a Warner Bros antes de passar pela Disney, na qual prepara mais um projeto do Universo Cinematográfico da Marvel.
Portanto, restringindo-se à Warner e a este seu “Just Mercy” (“Tudo Pela Justiça”), no alinhamento astral com o cinema humanitário, reconhecemos os gestos ocasionais de Cretton em romper as vestes contidas numa obra “corretíssima” e esperançosa, desde o simbolismo trazido da primeira cena (onde a personagem de Jamie Foxx reflete para além da copa das árvores que o rodeiam), até ao “secundarissímo” guarda prisional que se assumirá como o zeitgeist da consciencialização. Mas tudo em vão, “Just Mercy” engendra-se em perfilhar a mensagem, um episódio do passado que encontra diálogo recorrente na nossa atualidade.
Aqui, o defensor dos direitos civis Bryan Stevenson (Michael B. Jordan), jovem advogado recém formado por Harvard, decide instalar-se em Alabama para defender aqueles que foram condenados à morte por crimes que não cometeram, entre eles está Walter McMillian (Foxx), no qual esta história prioritariamente se foca. Grande parte dos seus clientes são afro-americanos “condenados” desde o início das suas vidas à desigualdade social e a constantes negligências judiciais, e “Just Mercy” não esconde para o que veio: lançar uma espécie de sermão acerca desta temática e reforçar a emergência no combate ao racismo estruturado num país que se autoproclama: “terra de oportunidades iguais”. Há uma convencionalidade na forma como deposita o seu statment, de como esclarece o seu lado de “filme de tribunal” sem um esforço necessário para abordar a falsa-burocracia, recorrendo sem resistência à emoção lacrimante com o apoio incondicional da música fácil e manipuladora.
Destin Daniel Cretton na rodagem com Michael B. Jordan e Jamie Foxx
Sim, até aqui perceberam, “Just Mercy” é um filme calculado e executado para brilhar no paladar das massas e, como acréscimo, triunfar na temporada de prémios utilizado as suas questões sociais e políticas em doses sentimentais. Contudo, há que salientar uma oportunidade perdida do guião em explorar o paralelismo com best-seller “To Kill a Mockingbird” (“Mataram a Cotovia”) de Harper Lee, o qual o filme localiza a sua ação na terra natal da escritora mundialmente eternizada por esse clássico de literatura norte-americana.
Porque mesmo passados 60 anos desde a sua publicação, a personagem de Atticus Finch (curiosamente, também um advogado na defesa de um afro-americano condenado por um crime que não cometera) mantêm-se na ficção como o mais icónico ato de heroísmo racial. Em "Just Mercy”, a certo momento, questionam ao protagonista se ele já visitara o museu em homenagem à escritora conterrânea. A resposta foi negativa, porém, neste caso, era o filme que teria a obrigação de visitar, assim como revisitar vezes sem conta, para demonstrar que mesmo com o “livro modelo“, a América continua com os seus “podres” nos lugares cativo.