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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

ChatGPT, faz-me um filme!

Hugo Gomes, 20.03.25

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Impossível! Talvez nesta atualidade em que hoje respiramos, analisar um filme como "Cartas Telepáticas" sob a comum luz da crítica mercantilista — dessas que integram os consensos do Rotten Tomatoes e que muita escola crítica americana propaga, sobretudo entre os mais jovens (argumento + realização + elenco + banda sonora). Essa equação torna-se praticamente inviável com Edgar Pêra a proclamar a tecnologia IA para montar esta sua maneirista e hipnótica mistela compulsivo-obsessiva. Como uma brincadeira de crianças, pega em dois autores queridos da sua área, Fernando Pessoa e H. P. Lovecraft, e traça-lhes um ponto em comum: os heterónimos, os pseudónimos, as mil e uma faces e personalidades com que se espelham na escrita. Entrelaça, por estilos ou narrativas, uma estética que, por outro lado, vislumbra uma certeza — imagina uma correspondência, uma ligação contestadora da realidade, do socialmente aceite, fazendo da estranheza um temor ou um abrigo no conforto.

Pêra transforma essa alternativa numa iniciativa IA (daí questionamos filosoficamente se este produto é da sua real autoria, ou contaremos com um novo realizador, a inexistência), e a partir daí cria um falso documentário, uma experimentação que, mesmo sem sair da sua órbita artística, remete-nos à ética da tecnologia — será de facto um motor para o Cinema? O tão esperado passo em frente, fugindo das referências carregadas enquanto legados sem inovação. O que fazer com este cinema? Colocá-lo à borda do prato ou abraçá-lo passivamente? Ou, como os autores em fuga deste hipnótico brilharete, fingir como poeta e devanear pelos nossos medos como escritores?

Indiscutivelmente, um dos filmes mais pertinentes da nossa contemporaneidade. O que fazer desta espada? Fica a questão...  enquanto o realizador, mais uma vez, desmonta o espectador e da sua contentada natureza passiva. Vale a pena rebelar?