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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Sem Lei nem Ordem, apenas Sacanas ...

Hugo Gomes, 31.07.24

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Até à data, com apenas uma exceção (“The Man from U.N.C.L.E” merecia um pouco mais de carinho), orçamentos com manobra são prejudiciais a Guy Ritchie. Isto não implica que ele seja um realizador versátil e moldável, até porque o seu estilo, bem vincado nas suas primeiras obras, parece-nos hoje repetitivo e cansativo, no entanto, seguimos em frente com esta sua nova produção - “The Ministry of Ungentlemanly Warfare”.

É o seu “Inglourious Basterds”, uma missão secreta em plena Segunda Grande Guerra, com um bando de arruaceiros ao serviço da “nobre” Coroa inglesa, para pôr fim ao domínio nazi em um ou outro momento crucial (dispositivo reciclado que garanta ênfase a estes spin-offs do tão badalado Conflito Mundial). Com base numa operação real - secretamente ocultada até há pouco tempo (estejam descansados, o filme faz questão de nos situar com as habituais vinhetas) e que, reza a “história”, serviu de inspiração para Ian Fleming e o seu 007 - somos apresentados, desde o primeiro momento, à irrequietação de militares indisciplinados, outros ilícitos, mas todos eles (supra)dotados nos seus próprios ofícios. Não existe muita personalidade por estas bandas, disso é garantido, apenas gallows humours a rodo nos seus métodos pouco ortodoxos, e ainda assim agem para o bem da Nação. 

A desviar a atenção de um caricato bigode de Henry Cavill, há no tal cardápio uma versão de Mata-Hari na pele de Eiza González (tal como os restantes do elenco, mera ‘boneca’ sem qualidades personificadas), como já é tradição, um nazi pior que os prŕoprios nazis, aqui, rimando com o mencionado filme de Tarantino, em que o seu dissidente alemão, Til Schweiger, é uma espécie de Amon Goeth higienizado, e a “cereja no topo do bolo”, um Churchill preso a uma caricatura imperceptível (Rory Kinnear). São estes os elementos que, juntamente com pirotecnia e disparos ritmados, formam esta boys band especial sem especialidades. 

É dos filmes mais anónimos da carreira de Ritchie, que nem o seu característico frenesim sobressai com o devido direito. Acredito que se trata de outra “encomenda”…

Só o decote fica ...

Hugo Gomes, 05.10.22

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Joana Metrass em “A Fada do Lar” (João Maia, 2022)

Para os mais "calejados" do panorama audiovisual português (palavra “feia”, eu sei, mas foi a única forma encontrada para conjugar a produção televisiva e a produção cinematográfica), a merecida pergunta será - quem é Joana Metrass?

Pois bem, a verdade é que a atriz, e protagonista da segunda longa-metragem de João Maia [já lá vamos] anda neste meio há muito ano, inclusive em indústrias do outro lado do Oceano. Só para enumerar, trabalhou com Guy Ritchie no subvalorizado “The Man from U.N.C.L.E.” (em 2015, como assistente da personagem de Elizabeth Debicki), fez uma “perninha” no fracassado reboot de “Dracula Untold”, porém, o seu considerado ponto mais alto de carreira talvez tenha sido a série “Once Upon a Time” na pele de Rainha Guinevere. Isto tudo para afirmar que, de facto, Metrass é o melhor que este “A Fada do Lar” tem para nos oferecer, e opondo ao marketing, assume-se mais do uma “pin-up” de esfregona.

Expressiva, carismática e com o seu quê de doçura (contrariando, e muito, o estereótipo que a sua personagem poderia atingir e os “decotes” que tal imagem acarreta), ela é a “rainha” de um exercício de boas intenções, territórios familiares e um argumento impreciso quanto à direção a tomar (culpa do guionista André Guerra dos Santos). João Maia, que assinou a hercúlea produção de “Variações” (2019) - transformando Sérgio Praia no cantautor de “Canção de Engate” por excelência (nele vimos um tipo raro de desempenho no nosso país, assim como o formato biopic, que mesmo sob as suas limitações, resultou em algo devidamente hábil em grande ecrã) - é demasiado anónimo para com este objeto à imagem de António-Pedro Vasconcelos (segundo consta, o projeto seria inicialmente assinado por ele).

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Joana Metrass em “The Man from U.N.C.L.E.” (Guy Ritchie, 2015)

Nessa feita, o realizador posicionou-se num meio de uma produção “a meio caminho andado” sobre uma mãe solteira (de duas crianças, uma informação que nada incentiva a narrativa) atolada de dívidas, que trabalha como caixa de supermercado durante o dia e stripper durante a noite. Contudo, devido a um incidente com um cliente [na boîte de striptease, pois claro], se vê obrigada a cumprir trabalho comunitário num lar. Como é habitual, seguindo as leis do “crowd pleaser", a sua presença alterará o sistema evidenciado naquele espaço, pelo seu percurso aprendendo algumas "lições" de vida como também a alegria dos residentes seniores (um conjunto luxuoso que vai desde Márcia Breia a Manuel Cavaco, de Cármen Santos ao músico Sérgio Godinho). Ou seja, como se pode verificar na premissa, nada de novo irá acontecer por estas "bandas". Aliás, coincidentemente, não foi há muito tempo que estreava entre nós, uma comédia francesa - “Maison de retraite” (Thomas Gilou, 2022) - que por si tocava em variados pontos-comuns para esta intriga de reabilitação.

Quanto à “manha” de APV, ainda hasteada nesta comédia dramática, é possível deparar a leveza quase cómico-trágica que o 25 de Abril e os respetivos símbolos revolucionários são encarados (de lembrar aquele ridículo diálogo, em que Maria do Céu Guerra explica a um João Jesus, incrédulo, sobre a existência de um Salazar em nosso país, em “Os Gatos Não Têm Vertigem”). Mas fugindo do mal-feito e voltando a ressaltar: “A Fada do Lar” é um show limitado onde Joana Metrass brilha.

Quanto aos “decotes” (que poderiam resumir uma transição ao puritanismo) permanecem em todo o desenvolvimento da sua personagem. Trata-se da única manga arregaçada ao conservadorismo que este tipo de produções parecem debitar sem dó, nem piedade. Valha-nos isso!

Santo e Pecador

Hugo Gomes, 24.05.21

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Há muito que se tenta colar Jason Statham à memória de Charles Bronson, seja pelas reinvenções de velhos cultos do ator norte-americano (como “The Mechanic”, obra de 1972 que originou uma versão de tuta e meia em 2011) ou pela performance fragilizada no centro da ação, uma opção do britânico que, pouco a pouco, vem abandonando a onipresença frenética a que tem sido submetido em vários dos seus filmes.

Nesta visita ao velho amigo “bastardo”, com quem deu os primeiros passos no cinema há mais de 20 anos com “Lock, Stock and Two Smoking Barrels” (1998) e “Snatch – Porcos e Diamantes” (2000), o ator aproxima-se ainda mais da vingança de proporções bíblicas tão próxima de Bronson: “Wrath of Man” é esse ensaio de ação. E ainda que nada de frontalmente criativo pudesse nascer disto pois a história é “mais antiga do que o tempo”, nem por isso é obsoleta.

Além de Statham, com a sua rudeza familiarizada, a empenhar-se com o necessário rigor à sua personagem acinzentada (não precisamos de sentir empatia pela sua figura, mas pela sua causa), encontramos aqui um Guy Ritchie, “videoclippeiro” de base e propício ao subgénero que reúne comédia e violência num só “copo” conhecido por "gallows humours" britânico, que após anos e anos refém das produções "hollywoodescas" que o padronizaram e banalizaram a sua estética (“Sherlock Holmes”, “Rei Arthur: Legend of the Sword”, “Aladdin”), dedica-se aqui a um exibicionismo técnico e simultaneamente maduro e capaz.

Wrath of Man” tem tendência para ser demasiado embelezado e tático em comparação com o seu enredo, e sobretudo, a tentação obtusa de complicar o que não necessita ser complicado ("flashbacks" atrás de "flashbacks" em cima de uma narrativa com queda para "twists" atrás de "twists"). Mas fora essas essas intenções de exploração de filão, dedica-se de corpo e alma à sua "vendetta", zeloso quanto aos sentimentos de “justiça”. E perante essa ambição de tornar este ator “vulgar” numa hagiografia, Ritchie consegue, por momentos, atingir uma crença invulgar na sua personagem e no seu "pathos".

De certa forma, foram estas as pisadas de Charles Bronson durante o seu reinado cinematográfico, acreditar no seu próprio ativismo. Não só "de coração"... "fígado, pulmões, baço e coração"!

Wrath of Man: a vingança requer paciência ... e estimulo

Hugo Gomes, 14.05.21

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Jason Statham, action man como bem conhecemos revisita o velho “bastard” Guy Ritchie, supostamente amadurecido, resultando num típico filme de vingança de proporções desejosamente bíblicos. Estilizado e virtuoso tecnicamente, eis o conto de violência citadina, continuamente rude e másculo, que se disfarça de mero ensaio de ação para ambicionar os “céus”. Pena, que por dentro dessa sua modesta proposta exista uma intenção de confundir o espectador, e inconsequentemente, tornando-se quase condescendente para com este. Fora isso, é capaz de ser a melhor ‘coisa’ que Ritchie tocou em valentes anos.   

"King Arthur: Legend of the Sword": Camelot, esse lugar "parvo"!

Hugo Gomes, 12.05.17

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A Espada era a Lei, mas nas mãos de Guy Ritchie só vemos a desordem. Eis um tratamento puramente estilístico da velha história de espadas cravadas em rochas, senhoras do lago e magos repletos de profecias que esbarram com o tom caótico do realizador britânico. Nesse sentido, é difícil não assumir que estamos perante um filme da sua autoria: os slows vaivéns, as lutas corpo-a-corpo e os voluntariamente atrapalhados planos de golpes sob a consciência do humor negro, tendem em marcar posição na enésima narrativa de A a B com “escolhidos” pelo caminho e uma narrativa despedaçada pelo constante “fast forward”.

O que funcionou em “Sherlock Holmes” (mais no capítulo inaugural que na sequela, sejamos sinceros) falha redondamente nesta jornada a Camelot, uma obra aplicadíssima às temáticas e linguagem dos modelos de entretenimento atual, contraindo uma estrutura endereçada aos videojogos (depois deles invejarem o Cinema, é a vez deste último cobiçar a plataforma do primeiro). Convém dizer que Charlie Hunnam (que encontrou melhor sorte em “The Lost City of Z”, de James Gray) não é certamente o nosso tão procurado monarca, nem sequer um herói com que devidamente nos preocuparíamos, onde é evidente a sua falta de carisma. O resto da equipa, estes cavaleiros da távola redonda, é pura e dispensável palha para contribuir para duas horas de vazio; histórias mais antigas que o tempo e que mesmo assim, não se assumem expiradas. Guy Ritchie fracassa e com essa sua incapacidade desperdiça uma aventura que salienta uma preocupante falta de ideias.

Quando é que Hollywood vai aprender a lição? Ou melhor, quando é que vão terminar estas ditas produções suicidas? Não estará o espectador cansado destas sofisticações que não são mais do que mofo cinematográfico? Sendo assim, mais vale seguir os conselhos dos Monty Python na busca pelo Cálice Sagrado: “On second thought, let’s not go to Camelot, ‘tis a silly place” (“Pensando melhor, não vamos para Camelot, é um sítio parvo”).

Armados em espiões

Hugo Gomes, 05.09.15

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Após a sofisticada reinvenção da mais célebre criação de Arthur Conan Doyle - “Sherlock Holmes” - e a sua subsequente sequela pouco bem-sucedida, Guy Ritchie apresenta um thriller "retro-tech" baseado na famosa série televisiva “The Man From U.N.C.L.E.”, transmitida entre 1964 e 1968. Neste projecto, Ritchie afasta-se momentaneamente do seu inconfundível toque estético, que havia sido exageradamente caricaturado em “Game of Shadows" (a mencionada sequela de “Sherlock Holmes”), mas preserva o seu apurado gosto musical.

“The Man From U.N.C.L.E.”, em sintonia com o recente “Kingsman” (Matthew Vaughn), extrai a sua aparentemente inesgotável energia de uma colecção musical eclética, que está sempre em perfeita harmonia com a ação. Esta seleção, em conjunto com o habitual e engenhoso humor britânico de Ritchie, proporciona várias sequências lúdicas de comédia física e sugestiva. Naturalmente, nada de completamente absurdo como em “Snatch: Porcos e Diamantes” (2000), uma vez que o contexto é diferente, e Ritchie foca-se em criar um filme de estúdio destinado às audiências estivais.

The Man From U.N.C.L.E.” exala nostalgia nos seus poros, com um tratamento mais "retro" que o habitual. Uma colaboração entre CIA e KGB, recheada de sátiras e contrastes culturais da época, com Armie Hammer a representar o lado sovietico e Henry Cavill na mimetização de um 007 yankee, o buddy cop movie com ambições de cinema de espionagem, envolvidas em dinâmica jigajoga. Depois há Alicia Vikander, atriz sueca, recentemente “pirilampo” em “A Royal Affair” (Nikolaj Arcel, 2012) e no tratado à lá Philip K. Dick “Ex Machina (Alex Garland, 2015), irradia uma luz capaz de contagiar os seus co-intérpretes masculinos. O restante é vintage, agradável e estiloso, um filme de estúdio com personalidade.

For a special agent, you're not having a very special day, are you?"