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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Great Scarano: "Roma é um lugar onde o Poder corrompe, e onde existe Poder, existe sobretudo interesse."

Hugo Gomes, 22.04.16

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Greta Scarano

Greta Scarano faz parte de um mosaico, uma teia de crime e de influências que no todo constituem “Suburra”, a obra de Stefano Sollima que funciona como o novo sucessor do fenómeno “Gomorra”. Por ocasião da estreia nacional deste novo "fôlego" do filme de crime, falei com a bela atriz sobre a sua inesperada personagem, os seus sonhos enquanto intérprete e o seu desejo de trabalhar com Jacques Audiard.

O que pode dizer sobre a sua personagem?

Primeiro de tudo, ela é uma toxicodependente, o que aufere certos contornos à personagem. A maneira como ela usa [esse vício] afeta completamente a sua vida, ainda por cima ela é apaixonada pelo Número 8, o seu namorado, que é praticamente tudo o que possui. Ele mantém-na viva, e sem ele, ela é incapaz de viver.

Então, está a dizer-me que ela é uma mulher dependente?

Sim.

Mas pela droga? Pelo amor? Ou pelo mundo do crime em que está inserida?

Diria que é pela droga e também pelo amor. Aliás, a personagem encontra um certo alívio com o amor deste, porque ela está constantemente em tormento, e possui um “vazio no peito”, o qual tenta preencher com drogas, certas vezes, mas sobretudo com este amor.

E como desenvolveu a personagem? Teve sempre conhecimento quanto ao seu desenvolvimento, ou foi aprendendo sobre ela durante a rodagem?

Eu sempre sabia como a personagem se iria desenvolver, no que iria tornar-se. E não, não filmamos de forma cronológica, como é demonstrado no filme. Para ter perceção da sua metamorfose, eu teria que ter conhecimento de todo o seu desenvolvimento e natureza. Mas eu fiquei tão fascinada com o facto da minha personagem ser tão insignificante de início, e que no fim converte-se numa chave crucial à estrutura do enredo. Penso que o Stefano estava realmente interessado como um grande poder sucumbe face a algo tão, mas tão pequeno. E tal é movido pelo amor, e no sentimento da vingança, não que ela fosse interessada no poder, mas sim por amor.

Gosta deste tipo de filmes? Os filmes de crime?

Sim, eu gosto bastante de histórias de crimes (“crime stories“), os chamados filmes de género e “Suburra” foi, como diria, uma nova “onda“, porque fizemos uma história com bastante humor e sob um jeito autoral. “Suburra” é um filme de entretenimento que combina um enredo de crime com romance, e julgo que tem uma estética bastante europeia. Sim, foi um passo em frente neste género de filmes.

Como se sente sabendo que o filme foi comprado para o catálogo americano da Netflix e que de momento será produzido uma série televisiva?

Não sei como o filme está a correr no Netflix, o que eu sei é que existe muita gente no Facebook ou Instagram, dos EUA, França, Inglaterra, que me escreveram. E isso foi óptimo! Saber que muitas pessoas viram e gostaram do filme, gostaram do meu papel, do meu trabalho. Julgo que esta é uma hipótese da Itália ser exposta no resto do Mundo.

Quantos às suas ambições como atriz. Sempre sonhou ser atriz ou foi algo que apareceu num determinado momento?

Não, eu sempre quis ser atriz desde os meus 5 anos. Fiz imenso teatro enquanto criança, estudei música durante 3 a 4 anos, comecei a cantar e a tocar guitarra. Mas, na verdade, sempre quis ser atriz, porque acreditava que não conseguiria fazer mais nada fora disso. Em tempos, pensei até mesmo ser … sei lá, uma psiquiatra ou advogada. Mas quando cheguei aos EUA, quando tinha 16 anos, passei lá um ano, em Alabama, e fiz imensa interpretação, então regressei [à Itália], continuei com as peças de teatro e comecei a trabalhar quando fiz os 19. Por isso, foi há dez anos atrás que comecei realmente a trabalhar e saí do meu emprego. Portanto, sempre me considerei uma atriz.

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Suburra (Stefano Sollima, 2015)

Se tivesse uma proposta para trabalhar em Hollywood aceitaria?

Sim, aceitaria sem hesitação. Porque existem imensos realizadores que eu gostaria de trabalhar.

Como quais?

Exemplos? Tenho tantos (risos). Pensando bem agora, não são puros americanos: Aronofsky, Iñarritu, Terrence Malick, os irmãos Coen. Este não é de Hollywood, mas gostaria de trabalhar também com Jacques Audiard. Ou seja, eu adoraria ir para Hollywood. Obviamente!

O que pode dizer sobre o seu novo projeto, “La Verità Sta in cielo”?

É um filme de um autor italiano, Roberto Faenza, bastante intelectual. É sobre um caso de um rapto de uma rapariga que ocorreu entre a década de 70 e 80, e eu faço de uma mulher, uma prostituta, com bastante influência, conhecimentos e que possui informação essencial quanto ao caso. Graças a ela, o caso é reaberto.

Então é um thriller?

Sim, é um thriller, e mais, é uma história verídica, sobre algo que aconteceu em Roma.

Falando em veracidade. Acredita que todo aquele ambiente de “Suburra” corresponde à realidade político-social de Roma?

Antes de ser um filme, “Suburra” era um livro e como livro inspirou-se na realidade de Roma. É uma obra ficcional com bastante romance, intriga, violência, crime. Sim, foi inspirada em Roma e, aliás, pode ser encarado como um estudo à cidade e à Máfia. Eles [os autores] estudam e investigam sobre o assunto. Mas uma coisa é certa. Enquanto filmávamos o filme, a máfia da capital apareceu. Sim, isso aconteceu, estávamos a filmar aquilo, e aquilo estava a acontecer. Mas não estávamos surpresos, até porque Roma é um lugar onde o Poder corrompe, e onde existe Poder, existe sobretudo interesse.

Depois da Gomorra, há um "Suburra"

Hugo Gomes, 20.04.16

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Suburra” corresponde a uma nova tendência do chamado “cinema de máfia” (mob cinema), onde o romantismo das tão celebradas obras de Coppola e de Scorsese são substituídos por uma crescente crítica social e pela alarmante divulgação de um cenário vivido nos tempos atuais. É uma teia de influências e de desconfiança que preenche o universo do último êxito de Stefano Sollima, um dos “cabecilhas” da versão televisiva de “Gomorra”, que requisita esses ares orgásticos de um tentador crime, ao mesmo tempo que nos enche com a culpa da manhã seguinte, como uma “ressaca” depois de um festeira noite de excessos.

Tal como o filme a certa altura específica, existe um apocalipse iminente que joga com os destinos das suas variadas personagens, que a certa altura fundem dando o seu contributo a um inteiro quadro. Quadro, esse, que seria um cliché pegado se a cidade-cenário fosse a tão infame Nápoles, ao invés disso é Roma a orquestrar uma Gomorra silenciosa, onde a política é corrompida pelos interesses maiores de “famílias”. E voltando a referir a ideia de quadro, “Suburra” é pintado sob pequenas pinceladas, quase ocasionais e instintivas, e cuja perpendicularidade vai-se revelando à medida que a narrativa adquire o seu ponto clímax.

Sollima inicia com as leis básicas deste já formado cinema de crime, mas aos poucos a distorce transformando os respectivos lugares-comuns em inesperadas saídas que desafiam os conceitos de “neo-noir“. No seio dessas “reinvenções”, temos, por exemplo, uma personagem de encher cenário (Greta Scarano) que vai gradualmente convertendo-se na peça chave de toda a teia concebida, “a lâmina” que corta a principal cabeça da “hidra”. Ao mesmo tempo é essa personagem que ligará este exemplar “mob” às suas raízes mais românticas de um Mario Puzo, provavelmente induzindo o literal romance no esquema.

Assim sendo, o filme apenas perde gás com o seu modelo de episódio-piloto, onde o espectador parece cair em “pantanas” perante os imensos rascunhos. Mas a verdade é que Stefano Sollima irá ser o autor da primeira produção italiana exclusiva da Netflix. E com o quê? E perguntam muito bem vocês. Com uma versão em formato seriado deste mesmo filme. Fora isso, “Suburra” é uma obra energética e atmosférica.