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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Um Milhões em cada um de nós

Hugo Gomes, 13.04.18

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Quando era aluno de Cinema comecei, quase por gozo, por escrever um guião (salienta-se - o qual nunca terminei), de um suposto filme sobre o Soldado Milhões. Pretendia desmistificar a Lenda de Heroísmo que hoje chegue como estandarte das nossas Forças Armadas, deixando a nossa mercê o homem que realmente foi.

Ano passado quando recebi a primeira notícia de que esta personalidade iria figurar uma obra cinematográfica, receei, contava que a Lenda nunca iria descolar do tão ilustre Aníbal Augusto Milhais. Mas confesso, que o filme em si, está bastante longe de envergonhar-nos e melhor, evita recitar as "primitivas" cantigas de Deus, Pátria, Família que o Soldado foi anexado em campanha propaganda de Salazar, o próprio militar recusava esse estatuto de Herói.

Por outro lado, como ex-militar, sinto satisfeito que o verdadeiro e proclamado Herói do “meu exercito” tenha sido um soldado raso … raso, não um cabo, não um sargento, não um oficial, não um general … um raso soldado transmontano.

Bem, isto não foi uma crítica ao filme em si, guardarei isso para breve … muito breve. Só queria dizer viva os meus camaradas, amigos e irmãos de armas que conheci em 7 anos de serviço militar!

 

Apresenta-se o "Soldado Milhões": uma conversa com João Arrais

Hugo Gomes, 11.04.18

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Tu és Milhais, mas vale Milhões”, assim foi batizado Aníbal Augusto Milhais, transmontano que foi um dos combatentes portugueses na Batalha de La Lys, Flandres, durante a Primeira Guerra Mundial. Milhais poderia ser apenas mais um nome entre os incorporados desse batalhão que conheceu tão pesada derrota, mas a sua bravura colocou-o nos anais da História Militar Portuguesa.

Soldado Milhões, o cognome deste humilde militar que após a Guerra foi utilizado pelo regime como imagem de propaganda, o seu ato de bravura converteu-se num exemplo a seguir, diluindo com os próprios conceitos de Deus, Pátria, Família de Salazar.

A história deste homem que não queria ser herói consagrado é adaptada ao cinema pelas mãos de Jorge Paixão da Costa (“O Mistério da Estrada de Sintra”) e Gonçalo Galvão-Teles (“Gelo”), que prometem criar, por fim, o mais bélicos dos bélicos portugueses. Para o papel de Milhais, que no fundo é Milhões, encontramos dois atores que contracenam costa-a-costa – João Arrais e Miguel Borges (o antes e pós Guerra respetivamente).

João Arrais, o jovem ator que conhece por fim o protagonismo neste filme de Guerra à portuguesa, fala-nos sobre a sua preparação e como o Cinema Nacional é desvalorizado face ao talento que contém.

É sabido que foi Miguel Borges que integrou primeiro esta produção. Sendo assim, teve que ser o João a trabalhar na personagem já estabelecida. Como funcionou esse trabalho conjunto na composição da personagem?

Exatamente. Para além de ter entrado primeiro, ele gravou primeiro. Em certa parte tive que me adaptar a ele. Mas por outras palavras, o Miguel Borges é inacreditável e por isso não me importo nada de ter sido guiado ao invés de ser o guia. Tivemos que trabalhar mais num processo de dramaturgia do que somente regermos a uma questão de tiques. Houve uma evolução de energia, tentar traçar os eventos da Primeira Guerra, e que essa energia obtida justificasse a outra face da personagem [Miguel Borges]. Portanto, foi por isso que falamos, mais a questão de energia e de interpretação, do que somente uma mimetização de tiques.

Antes do filme conhecia a História do Soldado Milhões?

Zero! Conhecia a História da Primeira Guerra na perspetiva portuguesa, mas em relação ao Soldado Milhões … nada.

Então como correu o seu trabalho de pesquisa?

Quando soube que ia fazer o casting a primeira coisa que fiz foi telefonar ao meu pai e ao meu avô a perguntar sobre a figura. Como ambos são dois amantes de História fizeram-me uma palestra sobre o Milhões, como estivessem a dirigir a um Grande Auditório numa faculdade [risos]. Sim, explicaram-me alguns factos, mas penso que este desconhecimento quanto à figura em si é uma questão mais geracional, visto que o Soldado Milhões foi utilizado por Salazar como uma propaganda humana. Portanto, era normal que eles conhecessem exatamente quem era e a minha geração nem por isso.

E tiveram preparação militar?

Nós tivemos duas recrutas, sendo que uma delas considerei dura. Uma foi em Alcochete e a outra em Mafra, essa última é que foi dura. Sim, eles olharam para nós do estilo: “olha carne fresca!”. Foi dura mas por um lado agradeço, porque aprendemos o quanto custa e dessa maneira preparamo-nos para a adversidade do campo de batalha. No fundo foi uma experiência divertida, mesmo acordado no dia seguinte com bolhas nos pés.

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O João integrou ainda ao elenco das “As Linhas de Wellington”, de Valeria Sarmiento, e mais recentemente “Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira. De certa forma tem grande parte da História Bélica Portuguesa no seu currículo.

Em relação às “Linhas de Wellington”, não é bem um bélico no sentido mais puro, e sim um filme de invasão. Mas poderemos considerar que sim, esse historial das Forças Armadas portuguesas. Com isto adquiri um certo “know how”, por exemplo, como segurar em armas, etc. O que me ajudou bastante a preparar-me para este papel, sem ter que perder tempo a preocupar-me com como comportar como um militar, visto que já tinha essa experiência comigo.

Para além do físico, como preparou a psicologia e emotividade do Soldado?

Tentei trabalhar o cansaço. Por exemplo, dormia bastante pouco nesses dias para chegar ao set cansado e completamente irritado. Queria mimetizar o stress que aqueles soldados encontravam-se constantemente naquele cenário de Guerra, e para isso o sono era o melhor remédio, sendo que fazia essa preparação em casa, dormindo mal, no chão, desconfortável.

Depois do filme, o que extraiu sobre esta personalidade histórica?

Era uma personalidade inacreditável. Era um herói, mas acima disso era humilde, visto que não pretendia esse estatuto heróico e que sempre fora contra esse mesmo cognome. Mas ele era realmente um herói, bem, vistas as coisas, não é qualquer um que continua a lutar perante um exército de alemães em sua direção, uma batalha perdida, mas ainda assim enfrentou-o com dignidade. O Milhões está de parabéns e merece que lhe dediquem um filme.

Expectativa para o filme?

Muita mesmo. Mas como dizia o João Pinto: “prognósticos só no final do jogo.

Novos projetos?

Neste momento estou a participar numa telenovela [“Vidas Opostas”], para além disso tenho alguns projetos na mira, mas ainda nada de certo.

Mas pretende continuar a fazer Cinema?

Pretendo sim, seja ele português ou outro qualquer. Pretendo continuar, sobretudo, a fazer bom cinema.

Então ambiciona trabalhar fora do país?

Acho que pelo menos tem que ter. Eu pelo menos eu tenho, gostaria de “navegar por outros mares nunca antes navegados”          

Em relação ao Cinema Português? Como o vê?

É um cinema que tem falta de apoio, como toda a gente sabe. Falta dinheiro, mas não vale a pena falar sobre isso. Bem poderíamos fazer uma crítica ou algum ensaio filosófico em relação a tal, porém, não estamos para isso. O Cinema Português é um cinema que eu adoro e que está rodeado de imenso talento … muito mesmo … que só é pena que as pessoas não conhecem ou nem sequer interessam-se em conhecer. Temos nomes que vale a pena espreitar, como o João Pedro Rodrigues, o Ivo M. Ferreira, o Pedro Pinho, o Carlos Conceição que tenho trabalhado diversas vezes, o Salaviza. Muitos talentos internacionais são uma questão de tempo até que as pessoas percebam que … não é só lá fora.

Entre “génios” e os “que sabem fazer”

Hugo Gomes, 05.03.16

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Joana (Ivana Baquero, a Pan do “Labirinto do Fauno”) apresenta o seu trabalho na aula de argumento sob os olhares atentos do professor e dos colegas. Entre a audiência encontram-se ainda dois “intrusos” – alunos do terceiro ano entusiasmados por ouvir a ideia da protagonista. Essa dupla é formada por Miguel (Afonso Pimentel) e o apelidado Génio (João Jesus), cuja alcunha é questionada por uma outra colega ao instrutor (Gonçalo Galvão Teles), que responde: “Só pergunta quem o não é“. A história de Joana é ouvida e, a seguir, contestada por Miguel e Génio: enquanto o primeiro fornece uma intriga refém de um eventual twist, a dita “mente brilhante” da argumentação sugere um enredo abrupto que deixa os espectadores às escuras. De seguida o professor dirige-se à colega que expôs a alcunha do rapaz e responde “vês porque é que lhe chamam génio?”.

O curioso é que das três versões ouvidas nesta sequência do filme realizado por Luís Galvão Teles ao lado do seu filho Gonçalo, a de Joana é a mais criativa, ousada e, como se costuma carinhosamente afirmar num ambiente universitário, um pensamento “out of the box“. Já na do suposto Génio, a banalidade e a superficialidade são evidentes. Esta particular sequência remete-nos a um problema vivido em grande parte das Escolas de Cinema do nosso país: o sufoco da criatividade e a formatação de mentes para as quais são criadas arquétipos cinematográficos dispostos a executar o que aprenderam no meio de ensino e nunca pondo em causa tais veias académicas. O resultado, como diria Tarkovsky, é a formação de meros ilustradores e não futuros cineastas.

Se esta determinada cena tinha como propósitos criticar a forma como as universidades combatem a criatividade pessoal, isso não fica claro, mas garante-se que em “Gelo” encontramos um modesto filme que reúne elementos de ficção científica, dirigindo-as para um território mais emocional e intimista e invocando questões sobre a imortalidade e a condição humana. A nossa história, aquela aqui contada, mostra duas jovens completamente distintas, Catarina e Joana, até certo ponto ligadas. O espectador, porém, terá que desvendar tal vínculo enquanto é atirado para uma conspiração científica, uma corporação – Vida Futura – que tem como objetivo prolongar a vida humana através do ADN de um homem congelado há mais de 20.000 anos. Em paralelo, uma rapariga parte para Lisboa para estudar cinema, pelo caminho conhece um rapaz instintivo e misterioso que lhe fala sobre o destino e vozes intransmissíveis.

Gelo” é uma obra tecnicamente capaz (basta olhar para a fotografia de João Ribeiro, que este ano ainda nos presenteia com “Cartas da Guerra”), apoiado num elenco de igual aptidão. O argumento, esse, escrito pela dupla Galvão Teles e por Luís Diogo (para que possamos perdoar-lhe do inenarrável “Pecado Fatal”), teve a proeza de evitar o explícito e o espalhafatoso que este género poderia suscitar. Todavia foi incapaz de fugir aos eventuais buracos argumentativos, e um deles é a inevitável imposição da coprodução, a protagonista espanhola que é estampada na intriga de maneira ilógica.

Mas “desligando” dessas “recaídas de joelhos”, é uma experiência cativante, a de encontrar neste “Gelo” um fresco sopro de vida no cinema português. Nunca recorrendo ao pornográfico “mainstream” nem ao protótipo televisivo que culmina êxitos de bilheteira nacionais, nem sequer afasta-se das audiências com inquisições intelectuais. É simplesmente um exercício de narrativa que se explora nos cantos e recantos obscuros da nossa cinematografia. Agora se perdurará, isso será outra questão, talvez respondida numa qualquer história elaborada por “génios”.