Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Filipe Duarte é Cinema. Cinema é Filipe Duarte.

Hugo Gomes, 17.04.20

O Cinema, televisão e teatro português acabaram de ficar repentinamente mais pobre. Muito se diz por aqui que Filipe Duarte era um dos melhores da sua geração, sem duvidas algumas, e acima disso, era um homem de uma humildade incrível e de simpatia de fazer inveja, como pude constatar diversas vezes.

E mais triste ainda era ainda a sua "tenra" idade. Too soon ...

fe206c0a-f73d-48a4-971d-d2360304b3e6.jpg

A Costa dos Murmúrios (Margarida Cardoso, 2004)

maxresdefault (1).jpg

Tejo (Henrique Pina, 2011)

download3.jpg

A Outra Margem (Luís Filipe Rocha, 2007)

mosquito-780x335.jpg

Mosquito (João Nuno Pinto, 2020)

93189146_10216450959043401_141561525075705856_n.jp

Variações (João Maia, 2019)

A Vida Invisivel1.jpg

A Vida Invisível (Vítor Gonçalves, 2013)

agenda_254@2x.jpg

Cinzento e Negro (Luís Filipe Rocha, 2015)

A dança dos "interesseiros"

Hugo Gomes, 18.05.16

Cinzento-e-Negro-2015-e1461328908218.png

Três desconhecidos cercam uma isolada casa no Pico (Açores), aguardando pela vinda do seu habitante. O objetivo da espera deste trio – que se conheceram através de casualidades – diverge; um espera somente por dinheiro, outro por vingança e o último por compaixão. Não estava predestinado este dito climax, até porque não foi o destino que juntou estas três caricatas figuras, mas sim um complexo conjunto de acasos que apenas evidenciam que a mais recente obra de Luís Filipe Rocha, “Cinzento e Negro”, foi “montado” através de ideias dispares.

A segunda colaboração do realizador de “A Outra Margem” com o ator Filipe Duarte é um misto de western com neo-noir que divaga pela mais antiga das Histórias do Cinema: o golpe e a evasão. As claras alusões às tragédias gregas, nomeadamente ao clássico de Homero, “A Odisseia”, encontram-se perceptíveis na utilização deste cenário remoto, quase chamando pelos mais longínquos marinheiros e aventureiros. Porém, este “Cinzento e Negro” ao contrário da ambiguidade que o título parece indiciar é um exemplo afável de ingenuidade no cinema português.

A moralidade, felizmente, é dissipada em qualquer ato, mas o modo como caminha para esse suposto lado negro é de uma construção narrativa débil, onde os amontoados segredos das suas personagens, as suas origens e destinos, um dos ingredientes apostados pelo realizador, estão longe de captar a curiosidade do espectador. Este é um dos exemplos que não se adequa à expressão “a curiosidade matou o gato”.

Todavia, a fotografia de André Szankowski é uma agradável surpresa, trazendo consigo, principalmente no último tomo, um Pico indomável e intocável pela “mão humana”, mesmo que a casa esteja presente no dito “quadro”. Os desempenhos são outras valias, não ousando transgredir as personagens. O indicado foi somente preencher com rigor estes peões pitorescos, que tal como no filme de Sérgio Leone - “C'era una volta il West” - posicionam-se para “dançar” com os seus íntimos conflitos.

A Sintonia da Ausência

Hugo Gomes, 05.06.14

maxresdefault.jpg

Em 1978, Chantal Akerman concretizou “Les Rendez-vous d’Anna” (“Os Encontros com Ana”), uma das notórias tentativas de ilustrar o vazio e contornar a tendência da dinâmica narrativa que soava como regulamento desde os tempos de D. W. Griffith. Neste elogiado filme mas penoso de se assistir, acompanhamos uma realizadora, Anna Silver (uma autoreferência da própria Akerman), que viaja para a Alemanha para apresentar um novo trabalho. Contudo, em “Os Encontros com Anna” a intriga revela-se rebelde, não no sentido de chocar ou causar revolta no espectador, mas por apresentar o nada, a monotonia e a rotina como um espetáculo de ciclo. Em “Os Encontros com Anna”, nada ocorre, a personagem interpretada por Aurore Clément não sai do espaço, do seu quarto de hotel, pacientemente esperando pela oportunidade e quando o filme em si solicita o dinamismo, a intriga de combustão, Akerman corta e descarta qualquer envolvimento com a ação.

Desde então existe um certo nicho a abordar a rotina e o sistemático como peças de arte. Veja-se o caso de Béla Tarr e os seus quadros arrastados. Porém, e apesar de “A Vida Invisível”, de Vítor Gonçalves, não ser propriamente um exercício radical do mesmo, é a sua evocação do vazio que o torna num objeto de cinema infelizmente acorrentado à sua melancolia e estado de espírito existencial.

Gonçalves foi em tempos apontado como uma promessa do cinema português, condutor de um estilo próprio e exclusivo no panorama da vanguarda nacional. A sua primeira obra, “Uma Rapariga no Verão”, de 1986, foi recebida com entusiasmo mas prontamente foi esquecida e o autor reduzido à produção e escrita de outros produtos. “A Vida Invisível” é o seu regresso após 28 anos de ausência e talvez por isso nada melhor que expor um retrato sobre o pesar da vida e do valor ?calculável? desta.

Na sua intriga acompanhamos Hugo (Filipe Duarte), um homem melancólico, “preso” à escuridão e à solidão, que vagueia como espectro no seu apartamento ou no edifício onde trabalha, sempre esperando pela morte, não apenas do pai putativo (João Perry) como também na desintegração da sua própria alma. Sim, Vitor Gonçalves concretiza depois destes anos todos de ausência, um filme sobre a mesma ausência, um abraço aos receios da morte e a retrospectiva da sua existência como exercício reflexivo da mesma.

Trata-se de uma obra pautada pela excelência técnica, a fotografia de Leonardo Simões ou a banda sonora quase fantasmagórica da autoria de Sinan C. Savaskan. Contudo, este é um filme enfraquecido pela sua própria aposta, a falta de dinamismo que se sente em toda a sua narrativa, que não se preocupa como nos exemplos referidos no início deste texto, a construir uma rotina analista. Ao invés disso, aposta numa panóplia da solidão, perdido pela sugestão sem que haja tal, e na ação autoral íntima que Vítor Gonçalves esboça no seu protagonista, mas nada de verdadeiramente sentido é presenciado. É um filme pessoal, isso sim, mas escravo da sua própria contemplação. Merecia um pouco mais este regresso de Gonçalves à direção, mais do que mera rotina da melancolia ou assombração das almas.