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Em 1978, Chantal Akerman concretizou “Les Rendez-vous d’Anna” (“Os Encontros com Ana”), uma das notórias tentativas de ilustrar o vazio e contornar a tendência da dinâmica narrativa que soava como regulamento desde os tempos de D. W. Griffith. Neste elogiado filme mas penoso de se assistir, acompanhamos uma realizadora, Anna Silver (uma autoreferência da própria Akerman), que viaja para a Alemanha para apresentar um novo trabalho. Contudo, em “Os Encontros com Anna” a intriga revela-se rebelde, não no sentido de chocar ou causar revolta no espectador, mas por apresentar o nada, a monotonia e a rotina como um espetáculo de ciclo. Em “Os Encontros com Anna”, nada ocorre, a personagem interpretada por Aurore Clément não sai do espaço, do seu quarto de hotel, pacientemente esperando pela oportunidade e quando o filme em si solicita o dinamismo, a intriga de combustão, Akerman corta e descarta qualquer envolvimento com a ação.
Desde então existe um certo nicho a abordar a rotina e o sistemático como peças de arte. Veja-se o caso de Béla Tarr e os seus quadros arrastados. Porém, e apesar de “A Vida Invisível”, de Vítor Gonçalves, não ser propriamente um exercício radical do mesmo, é a sua evocação do vazio que o torna num objeto de cinema infelizmente acorrentado à sua melancolia e estado de espírito existencial.
Gonçalves foi em tempos apontado como uma promessa do cinema português, condutor de um estilo próprio e exclusivo no panorama da vanguarda nacional. A sua primeira obra, “Uma Rapariga no Verão”, de 1986, foi recebida com entusiasmo mas prontamente foi esquecida e o autor reduzido à produção e escrita de outros produtos. “A Vida Invisível” é o seu regresso após 28 anos de ausência e talvez por isso nada melhor que expor um retrato sobre o pesar da vida e do valor ?calculável? desta.
Na sua intriga acompanhamos Hugo (Filipe Duarte), um homem melancólico, “preso” à escuridão e à solidão, que vagueia como espectro no seu apartamento ou no edifício onde trabalha, sempre esperando pela morte, não apenas do pai putativo (João Perry) como também na desintegração da sua própria alma. Sim, Vitor Gonçalves concretiza depois destes anos todos de ausência, um filme sobre a mesma ausência, um abraço aos receios da morte e a retrospectiva da sua existência como exercício reflexivo da mesma.
Trata-se de uma obra pautada pela excelência técnica, a fotografia de Leonardo Simões ou a banda sonora quase fantasmagórica da autoria de Sinan C. Savaskan. Contudo, este é um filme enfraquecido pela sua própria aposta, a falta de dinamismo que se sente em toda a sua narrativa, que não se preocupa como nos exemplos referidos no início deste texto, a construir uma rotina analista. Ao invés disso, aposta numa panóplia da solidão, perdido pela sugestão sem que haja tal, e na ação autoral íntima que Vítor Gonçalves esboça no seu protagonista, mas nada de verdadeiramente sentido é presenciado. É um filme pessoal, isso sim, mas escravo da sua própria contemplação. Merecia um pouco mais este regresso de Gonçalves à direção, mais do que mera rotina da melancolia ou assombração das almas.