Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Um estranho Federico entre nós

Hugo Gomes, 12.04.15

che_strano_chiamarsi_federico.jpg

Não nos ficamos por um mero documentário, aliás as pessoas envolvidas não incentivariam a tais resultados, simplesmente não poderiam, seria um ato mais que criminoso. O “produto” final (que palavra mais ordinária para o contexto) é uma viagem visceral e iconoclasta ao estúdio Cinecittà 5, em queda livre para o interior da cinematografia de um dos mais singulares, senão o mais singular, dos cineastas italianos… e não é favoritismo.

Falo obviamente de Federico Fellini, sob o curioso olhar e camarada gesto de Ettore Scola, amigo e colega, não apenas nas suas demandas cinematográficas, como também nas suas vivências enquanto cartoonistas da revista Marc’Aurelio. A criatividade já se encontrava na veia de ambos, assim como a visão ácida e crítica, e particularmente em relação a Fellini, um leve toque fabulista em relação à sociedade que os envolvia. “Che strano chiamarsi Federico” (“Que Estranho Chamar-se Federico”, título citado de um poema de García Lorca) é o tributo que tanto necessitávamos ao autor de “La Dolce Vita” e de “8 ½”, e que segundo Scola, foi o maior dos mentirosos que o século XX presenciou.

Mas vamos por partes, antes de nos centrarmos no emocional que esta obra poderá transmitir ao cinéfilo mais ferrenho, ou o mais carente da chamada projeção “felliniana” (uma ausência colossal no nosso mundo cinematográfico), deveremos encarar com uma respeitosa vénia a um dos “esquecidos”, que abdica do seu potencial holofote para esta declaração. Sim, esse mesmo, Ettore Scola. Tendo directamente trabalhado com o realizador em “C’eravamo tanto Amati” (“Tão Amigos que Nós Éramos”, 1974), Scola ambiciona um híbrido informe, um cruzamento documental com a cinebiografia, e claro, Fellini não seria Fellini, sem a essência mimetizada do seu farsista teor neorrealista particular, onde o propositado surrealismo e onírico são ferramentas constantemente recorrentes. Scola ocasionalmente veste a pele do realizador de serviço em toda a sua busca pela catarse do autor, sob alusões visuais, apresentando até nós uma múltipla realidade. Depois chega-nos o óbvio tom sarcástico, um presente da vida diversas vezes partilhado entre Scola com a figura homenageada.

Sim, homenagem é o que encontramos aqui, não só pela figura, pelo Homem, pelo mestre e artista, mas pelo seu cinema, o seu contributo e a influência que exerceu em futuros cineastas. Depois disto, apetece-nos verdadeiramente bramar aos céus as saudades que este Mundo possui de Fellini. Este é um documento para aficionados e não só … para quem ainda acredita nos mágicos e na magia invocada pela Sétima Arte.