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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Táxi!!

Hugo Gomes, 25.11.23

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Like Someone in Love (Abbas Kiarostami, 2012)

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Total Recall (Paul Verhoeven, 1990)

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Night on Earth (Jim Jarmusch, 1991)

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The Fifth Element (Luc Besson, 1997)

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Colateral (Michael Mann, 2004)

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They All Laughed (Peter Bogdanovich, 1981)

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Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976)

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Taxi (Gérard Pirés, 1998)

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Taxi (Jafar Panahi, 2017)

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No Táxi do Jack (Susana Nobre, 2021)

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Scrooged (Richard Donner, 1988)

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A Taxi Driver (Jang Hoon, 2017)

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The Day After (Hong Sang-soo, 2017)

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It Must be Heaven (Elia Suleiman, 2019)

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The Bone Collector (Phillip Noyce, 1999)

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2046 (Wong Kar-Wai, 2004)

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Happy Together (Wong Kar-Wai, 1997)

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In the Mood for Love (Wong Kar-Wai, 2000)

Os Melhores Filmes de 2020, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 31.12.20

Nem sequer vou debruçar sobre o ano 2020 (essa data em que cada um de nós possui uma história particular para contar, possivelmente com desilusões e adversidades no meio) mas, como chegou aquela altura que se torna quase imperativo nomear 10 filmes (com estreia comercial no nosso pais) para os já habituais pódios, eis que, por fim, meto as mãos à obra. E mesmo sob adiamentos, cancelamentos, migrações para streamings, eis um cinema ainda rico de emoções, temáticas e estilos que, por momentos, fizeram-nos esquecer os 'coronavírus' e o mundo de avesso. Aqui, neste leque, o conflito israelita-palestino contínua presente, o Brasil demonstra a sua resistência e urgência, as mulheres tornam-se protagonistas das mais ricas narrativas do ano e a Reboleira é palco de uma das maiores evasões do cinema português. Eis que segue os meus 10 filmes de 2020:

 

#10) The Invisible Man

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“Se haverá sequela, universo partilhado ou "spin-offs" de qualquer natureza ainda é cedo para prever, mas, por enquanto, Leigh Whannell conseguiu um filme que vive por si só e, ao contrário do seu “monstro”, não tenciona mesmo passar despercebido. E com isso temos aqui uma entusiasta surpresa do cinema de género entregue por um grande estúdio de Hollywood.” Ler aqui

 

#09) There is No Evil

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Tido como um dos ditos realizadores iranianos “proibidos”, Mohammad Rasoulof comprometeu a sua carreia a denunciar, o que o levou (e leva) a inúmeras sentenças e consequências em território nacional. Com There is No Evil, vencedor do Urso de Ouro no último Festival de Berlim, prova, além da sua habilidade de “whitlesblower”, uma capacidade narrativa e de extrema sensibilidade (sem maniqueísmos propagandistas). Através do tema da pena de morte, ainda em uso no Irão, Rasoulof expõe quatro histórias sobre contactos diretos e indiretos para com essa questão político-social. Um relato que vai desde as vítimas até carrascos, decisões a dilemas, paz e tormento, passando por um primeiro ato de pulsações arendteanas [“A Banalidade do Mal”] até a um montanhoso e intacto limbo para acarretar culpas e humanismos. Sim, é um filme de tema a demonstrar que é mais do que somente o seu mesmo, é Cinema com causas e efeitos.  

 

#08) Les Miserábles

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“Mais do que tudo, o realizador Ladj Ly prova o seu conhecimento, a sua vivência e a sua humanidade. A sua sede por um cinema de sangue na guelra, imparcial e, ao mesmo tempo, que denuncia sem ser ideologicamente agressivo ou ter alicerces nas tendências do "cinema verité" [cinema-verdade].” Ler aqui

 

#07) Corpus Christi

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““Corpus Christi” revela-se encantado com esses métodos de redenção, na farsa que impõe e prolonga, com frieza técnica e o desempenho visceral do seu protagonista, Bartosz Bielenia, o qual, como Cristo, “abraça” o seu estatuto de mártir em cada missa. Com um olhar atento à imagem do seu Salvador, segundos antes de dar início à sua leitura religiosa para com os demais, (...)  poderia ser um "running gag", mas é uma reflexão da nossa capacidade de superar adversidades, cinicamente ligada ao estatuto que ansiamos ter neste mundo.” Ler aqui

 

#06) O Fim do Mundo

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“O Fim do Mundo” “captura” um universo em extinção e o encara como a sua propriedade, preservado em âmbar, neste caso em filme com as promessas da sua “eternidade”. Uma coprodução luso-suíça que envergonha muitos da sua espécie e da sua nacionalidade pela forma como bravamente utiliza o “know-how”, pavimento de sugestões, fora-de-campos e o “desenrasque” (palavra tão portuguesa) para nunca perder a credibilidade deste quadrante de violência em cada esquina.” Ler aqui

 

#05) Portrait de la Jeune Fille en Feu

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Jean-Claude Brisseau deixou-nos somente há poucas semanas, mas é um facto que sentimos aqui uma réstia da sua vida no convívio espectral que Portrait de la jeune fille en feu estabelece entre a carnalidade dos corpos das atrizes até às premonições de um fim próximo: “Porque que é que os amantes sempre pensam que estão a inventar o romance?“. Não se fica pela coincidência o nome da realizadora com o filme Celine de Brisseau, ou do referido contrato com as entidades extranaturais, mas também a exploração do prazer feminino, embrulhado sob uma definição de romance platónico, que já por si é um dos temas cada vez mais tabus para direções masculinas.” Ler aqui [texto escrito durante a sua estreia no Festival de Cannes]. 

 

#04) It Must be Heaven

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“Portanto, em “It Must Be Heaven” somos deixados à geopolítica e com isso à globalização da sua mensagem, partindo para Paris até Nova Iorque, reconhecendo as metrópoles como um novo exotismo. Elia Suleiman filma-se a si próprio perante uma narrativa episódica, nada de igualmente novo na sua filmografia, porém, a sua costura autoral é gradualmente entorpecida perante um jogo de vontade. Saindo de Nazaré com um medo transluzente no seu olhar, deixando para trás os limoeiros que observa da sua varanda, as mulheres beduínas que carregam iogurtes pelo olival a dentro e os sacerdotes enfurecidos perante os rituais interrompidos (desta vez sem intervenção divina), e encarando um “Novo Mundo” com quem sente na pele a (desacreditada) Guerra sem fim (até mesmo o seu recorrente “I put a spell on you” entra na festa como uma recordação agridoce).” Ler aqui

 

#03) A Vida Invisível 

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“Este talvez seja, possivelmente, um dos filmes brasileiros mais belos dos últimos anos, que entra em diálogo com o mais belo produzido desta década – Elena, de Petra Costa. Ambos tornam-se cúmplices à melancólica derrota do desejo, o reencontro de um amor que só poucos perceberão a sua dimensão e que é disposto como uma busca à eternidade. A união que se desmaterializa como uma fantasia perante a ausência.” Ler aqui

 

#02) About Endlessness

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““Da Eternidade” nada restará (nem mesmo as ideologias com que abraçamos, aqui de maneira pictórica numa recriação do quadro “O Fim de Hitler”, de Kukryniksy), a futilidade da nossa sociedade que depende do transporte diário que encaminha milhões para as suas respetivas habitações como o seu mais consagrado Deus, marcando oposição a toda aquela matéria que supostamente constitui a alma. A nossa existência é ridícula, e até mesmo mesquinha, e Roy Andersson bem o sabe.” Ler aqui

 

#01) Martin Eden

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“Martin Eden” é, para todos os efeitos, um filme de coração-artista: tumultuoso e inquietante numa sufocante ânsia em criar a todo o custo. É assim a personagem (figura refém do desempenho anárquico e igualmente magistral de Luca Marinelli), é assim a obra que busca livremente os sopros do homónimo trabalho literário de Jack London (de cariz autobiográfico) para proclamarem como seus numa Itália abstrata e enevoada quanto à perceção de século XX.” Ler aqui

 

Menções honrosas - Small Axe: Lovers Rock, Mosquito, Uncut Gems, Da 5 Bloods, Soul

Elia Suleiman: Da Palestina, com amor e poesia ... mas também reivindicação

Hugo Gomes, 03.07.20

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Eu e Elia Suleiman no Festival de Cannes de 2019

O cineasta Elia Suleiman deseja encontrar o Paraíso sob a forma que seja, e proclamar a sua orgulhosa identidade: “Sou Palestiniano (ou Palestino, conforme preferirem)”. É com essa declaração que quebra a sua personagem emudecida e passiva, que reflete as suas ideias e a visão perante o Mundo o qual quer integrar.

Vencedor de uma Menção Especial no Festival de Cannes, It Must Be Heaven” (O Paraíso, Provavelmente), a sua quarta longa-metragem, é uma obra que não esquece raízes e tradições, partindo de Nazaré (Israel), passando por uma Paris povoada de beldades e até a um “angelical” EUA. Como considera o próprio Suleiman, ser palestino é ser cidadão do Mundo, é persistir numa nacionalidade que toda gente nega e negligencia.

Um dos grandes filmes do ano chega por fim a Portugal (02/07), numa altura em que os confinamentos são cada vez mais diluídos na nossa realidade. Eis um cineasta que fala-nos numa linguagem universal e burlesca (assim como este Mundo parece restringir-se).

Tive o privilégio de falar com o realizador durante a edição de 2019 do Festival de Cannes, uma conversa que levou-nos a metáforas que afinal são memórias, acenos a Eastwood e à urgência de uma identidade palestiniana.

Comparativamente aos seus filmes anteriores, mesmo que seja mais bem-humorado e esperançoso, “It Must Heaven” é um filme construído por via da sua frustração …

A minha frustração conta, mas prefiro a minha perceção. Não tenho a certeza se usei frustração para construir este filme. Mas o filme soa frustrado, é isso?

Possivelmente há um sentido de decepção, porém, como surgiu a ideia para este seu novo trabalho? Como concebe estes seus “sketches”?

Usei acontecimentos que experienciei há 20 anos, diretamente ou indiretamente, e tentei colocá-los numa narrativa. Muitas delas remetem anos antes dos meus primeiros filmes. Mas em “It Must be Heaven” tentei utilizá-los e espelhá-los na narrativa do filme, contudo, como acontece em quase todos os filmes em que trabalho, encontro sempre as ideias, as imagens, os sons, mas não consigo consolidar tudo numa história. O que faz esta personagem ir de um lado para o outro? Foi nisso que trabalhei, dar a esta personagem um motivo de existência, um conflito, uma vida dentro da narrativa que lhe propus, e o pretexto encontrado foi este produtor em Paris.

Falando em “produtor”, devo acrescentar que existem duas situações que me inspiraram alguns eventos deste filme. A primeira foi o encontro com um produtor há duas décadas com o meu primeiro filme. Ele leu o guião e perguntou quem iria carregar a estrutura dramática do filme. Depois de uma amigável discussão, até porque somos amigos desde então, ele voluntariou-se para ser esse dispositivo narrativo.

O segundo evento foi quando conheci Clint Eastwood. Apresentaram-me a ele como “um realizador palestino que faz filmes engraçados” [risos]. Lembro-me perfeitamente que na altura não consegui dizer nada, somente acenar. [risos].

Obviamente, que muitas destas sequências e ocorrências foram ficcionalizadas para o bem do filme.

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It Must Be Heaven (2019)

Comparativamente com as suas obras anteriores, “It Must Be Heaven” desloca-se pelo mundo fora (França, EUA). Acredita que é possível transcrever o seu humor às suas personagens em locais mais distintos que as da sua terra natal?

Cada país tem as suas próprias personagens. O humor de um país não é considerado humor noutro. Ao contrário do que se pensa, o humor não é universal. O mesmo se pode dizer dos maneirismos e da cultura. É como se cada país tivesse a sua própria emoção, sensibilidade e gosto. Só abordo os países onde eu estive. Por exemplo, amanhã ou depois chegarei a outra terra estrangeira. Tal já me dá legitimidade para o abordar numa narrativa. Gosto de pensar que um cineasta é um cidadão do Mundo.

Este filme, mais que tudo, precisa de saber onde ir, que sítios vai e, obviamente, conhecê-los.

Nos seus filmes encontramos uma espécie de heterónimo seu. Digo a sua participação e a transformação disso numa personagem corrente a lembrar Charlot de Chaplin ou Hulot de Jacques Tati, reproduzindo também o seu silêncio. Em “It Must Be Heaven” você quebra esse silêncio para dizer “Eu sou palestiniano”, como fosse um “statment“.

Nunca falei nos meus filmes, até então, pelo que achei que seria uma mudança interessante e inesperada aqui. Como dizes, uso a posse da palavra para mencionar “ Nazaré” e “palestino”, que em certa parte é como não dissesse rigorosamente nada.

Não gosto de trabalhar com diálogos, nem sequer monólogos, nos meus filmes. Por um lado é menos trabalho que tenho na conceção destes, mas acima de tudo é porque prefiro centrar-me nas imagens, emoções, e através disso elaboro um diálogo metodológico.

Por norma, confundimos linguagem com informação, o que não é verdade. Podemos encher-nos de palavras e dizer rigorosamente nada, e essa presunção leva-nos a minimizar o poder das imagens. Com isto, o que pretendo é construir uma narrativa fílmica com base nessas e não dependente das palavras.

Para mim, as palavras têm uma função de continuidade para com a narrativa, portanto, são economizadas e restringidas a essa necessidade. Quando escrevo guiões trabalho com diálogos, que em fases posteriores de revisão vão sendo constantemente cortados e substituídos por alternativas imagéticas. Durante a rodagem, mais diálogos são cortados, até sobrar a linguagem cinemática pretendida. Ou seja, falar nos meus filmes, somente o essencial do essencial. O aqui é resgatado. É o prazer de extrair uma experiência cinemática nas imagens.

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It Must Be Heaven (2019)

Existe uma cena no seu filme que gostaria que me falasse. A sua personagem encontra uma mulher num olival que transporta dois cestos, um de cada vez.

Aquilo é iogurte! Ela é uma beduína que vende iogurte.

Certo, mas ela pousa um desses cestos, recuando um passo para ir buscar o outro, avançando até parar e repousar o mesmo cesto. Assim, volta a recuar e transporta o que deixou atrás de si. Isto sucessivamente. É uma metáfora? “É preciso recuar um passo para avançar dois”?

Não é uma metáfora. Vocês não encontrarão muitas metáforas nos meus filmes. Esta mulher existiu na minha vida, era uma beduína que vivia a 10 / 20 km da minha casa em Nazaré, este era o seu meio de transportar aqueles recipientes de iogurte e de vendê-los na cidade. Ela fazia exatamente aquilo, pois não tinha dinheiro para ir de transportes.

A minha mãe cuidava dela, assim como também dos seus filhos. Aliás, teve uma relação de amizade muito forte com um deles. Eles praticamente tornaram-se parte da minha família. E foi através desse meu amigo, que era pastor, que captei as minhas primeiras imagens. Aliás, o meu primeiro registo foi de uma cabra em perfil, simplesmente a ruminar [risos]. Fiquei fascinado com aquilo. Dez minutos de uma cabra a ruminar, e foi com isso que me aventurei no cinema. Ainda hoje guardo aquela ruminação.

Pensa em utilizar tais imagens num futuro filme?

Talvez. [risos] Fazer uma espécie de “souvenir” da minha vida.

Outra sequência curiosa do seu filme é a estadia parisiense da sua personagem, ao som de “I put a spell on you”, bastante recorrente na sua filmografia. Aliás, ele observa uma cidade povoada por belas mulheres. Esta é a sua ideia de paraíso [risos]?

Tudo que se vê neste filme é um pretexto para que a minha personagem vá de um país para o outro. Tentando com isto, encontrar a sua própria definição de paraíso. Esta personagem tem conhecimento que o seu país está numa guerra profunda, mas acredita, através desta viagem, que a guerra, simplesmente, está em todo o lado.

Mas não [risos] … a definição de Paraíso aqui não é um local povoado de belas mulheres, tudo isso faz parte do humor.

Acerca do momento em que a sua personagem rompe um silêncio de 20 anos, seguindo por uma reação inesperada de quem se apercebe da sua nacionalidade. Como palestino, já testemunhou ou experenciou algo do género, tendo em conta que você utiliza retalhos da sua vida na ficção?

Acredite, já tive reações piores. Há uma ideia errada de que nós, palestinos, somos israelitas árabes que vivem nas bordas da fronteira do Estado. Mas ainda bem que tocas nesse assunto, porque Israel não legitima os palestinos, ou seja, a nossa nacionalidade é como se não existisse. Somos totalmente negados das nossas raízes culturais e nacionais. Os palestinos têm uma identidade própria, um passado que nem sequer é explorado pelos media. A comunicação social não quer saber de nós, tem o mínimo de interesse em dar a conhecer de onde nós viemos.

Onde estávamos antes de 1948? Para muitos, a história daquele local começou em 1948. Errado! Nós já lá estávamos antes disso. Apenas ocuparam a nossa terra, isso é mais que sabido, encostam-nos cada vez mais próximo da fronteira e chamam-nos de Hamas, como se fossemos todos terroristas. Foi e é uma Ocupação, não há que negar. Israel é fascista desde o momento em que nós, palestinos, nos lembramos. É um facto que poucos querem assumir.

Depois da Ocupação, veio a Opressão, e nisso temos que ter noção que a Europa é a causa disto tudo. O “é” esquecido por muitos órgãos. Porém, essas questões identitárias são por norma algo que não utilizo nos meus filmes, exceto em “The Time That Remains“, onde conto a história do meu pai, que foi torturado durante a ocupação de Nazaré. Com este “It Must Be Heaven”, através do seu humor e da repetição da palavra Palestina integrado na sua ação, espero que consiga com que os espectadores investiguem e se interessem na nossa jornada histórica enquanto povo. Que por fim questiona: quem são estas pessoas?

Só quero que as pessoas percebam que isto tudo não é uma causa perdida, e que após 70 anos de tormento, tortura e discriminação, isto não possa ser transformado num assunto intocável.

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Time that Remains (2009)

Causas perdidas? Refere ao tratado de “paz” assinado por Donald Trump? Acha que a situação da Palestina piorou sob a luz desse documento?

Trump não trouxe nada de novo, apenas descortinou aquilo que todos nós sabíamos, os problemas que lidamos diariamente e que têm sido cada vez mais difíceis de lidar. Este presidente perpetuou ainda mais o lobby das armas, o que é do conhecimento de muitos.

Todos veem Trump como o grande vilão, mas ele só funciona perante uma herança anos a fio de puro mal. Isto não é culpa de uma só personagem. Aliás, ele é um fantoche das multinacionais, da indústria de armamento, etc.

Não acredita na coexistência dos dois Estados?

Não. Não acredito nos dois Estados. Isso é uma presunção ridícula, principalmente nos dias de hoje, porque já não existe Palestina. Tudo foi anexado.

Simplesmente é absurdo acreditar em dois estados utopicamente coexistentes, porque isso é assumir aquilo que nos é imposto durante anos. Que “um povo cai do céu” e começa a partilhar espaço com outro povo, ambos culturalmente distintos. Viver harmoniosamente neste caso, é converter todos os povos a um só, e com isso negligenciar as suas respetivas identidades. Não é justiça alguma, porque muitos perderam as suas casas, terras, famílias, para “dar” a vez a outros.

Como é possível, geograficamente e politicamente, existirem dois Estados? Principalmente tendo Israel no Estado que é hoje. Isso nunca vai acontecer. Essa utopia não existe.
 

Acredita que o seu cinema poderá falar aos espectadores sobre a situação palestiniana? Tentar com isso “descortinar” algo que muitos desejam ocultar?

Falo por mim, não existe mais nada para dizer. Esta ocupação tem que terminar! Já não se trata de informação nem educação. Toda a gente sabe o que Israel fez e com quem colaborou nesta ocupação. Falo da Europa. Porquê falar de Trump, América ou pro-Israel, se foi a Europa que permitiu isto. Eles foram e são os culpados.

A Europa tenta mostrar uma face humanitária, mas no fundo colabora com Israel nas suas atrocidades. Mas, por momentos, vamos sair da Palestina, basta ver o que se passa no Iémen. É fácil acusar os americanos e os sauditas, mas é a Europa que vende as armas. A França vende as armas, por exemplo.

O meu filme não é exclusivamente direcionado à Palestina. No geral, é sobre as consequências do Mundo e podemos lidar com isso sem olhar unicamente para nós próprios. É uma viagem espiritual que suscita a questão do que “poderá ser feito?”. Mas, acima de tudo, “It Must Be Heaven” é um filme do momento, do prazer do momento. Eu faço filmes para que o espectador possa ter prazer ao assisti-los. Possivelmente, por trás deste prazer, divertimento, risadas, surge um senso de busca, meditação ou debate. Só que estas características não são a minha bandeira enquanto cineasta.

Para mim o Cinema não serve para resolver problemas, mas sim agarrar-se aos nossos momentos mais ternos para que não desistamos da nossa Humanidade perante um governo, ou uma multinacional. Agarrar-nos ao que resta da nossa presença humana.

Não gosto de dizer isto, mas ao olhar para a história adquirimos a certeza que a mesma é construída por muros. Nada de otimista vem dela, portanto, o que posso garantir é que o espectador obtenha algum prazer ao ver os meus filmes.

O cidadão do Mundo e o B.I. prescrito

Hugo Gomes, 27.05.19

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No caso de Elia Suleiman e a sua relação com o seu próprio cinema, é impossível não fugir às comparações (óbvias) com um certo slapstick autoral movido pela câmara e corpo de um Charlie Chaplin, Buster Keaton e até mesmo Jacques Tati, uma espécie de diluição da figura num heterónimo plausível em Virgil por entre os cantos e recantos dos seus devaneios. A esse lote, porém, mais palavroso, porque não juntar João César Monteiro nas suas comédias divinas pelo quotidiano da perversão. O palestino Elia Suleiman segue por outra via, uma colheita memorialista que se conjuga numa narrativa cinematográfica. O resto é prosa sob ares politizados, com a sátira no ponto alto do seu tom, mas nunca envergando pelo seu distinto exagero.

Com “It Must Be Heaven” (Paraíso, Provavelmente), centramo-nos, até à data, no seu filme mais frustrado, aquele que parece perder todas as esperanças por qualquer intervenção divina, até porque, segundo Suleiman, num encontro em Cannes, a possibilidade de uma utopia entre os dois estados é a mais longínqua fantasia; uma luta para sonhadores que renega o passado tumultuoso da sua coexistência. Assim, partindo no óbvio que nada pode mudar, resta reencontrar o seu espaço no Mundo. O que resta ao palestino nesta geografia? E é então, que o silêncio ativista de duas décadas rompe perante uma resposta, um “statment” que Suleiman não quer deixar emudecido. Há que dizer a tudo e a todos que é o palestiniano antes que a sua identidade se desvaneça em anexos.

Portanto, em “It Must Be Heaven” somos deixados à geopolítica e com isso à globalização da sua mensagem, partindo para Paris até Nova Iorque, reconhecendo as metrópoles como um novo exotismo. Elia Suleiman filma-se a si próprio perante uma narrativa episódica, nada de igualmente novo na sua filmografia, porém, a sua costura autoral é gradualmente entorpecida perante um jogo de vontade. Saindo de Nazaré com um medo transluzente no seu olhar, deixando para trás os limoeiros que observa da sua varanda, as mulheres beduínas que carregam iogurtes pelo olival a dentro e os sacerdotes enfurecidos perante os rituais interrompidos (desta vez sem intervenção divina), e encarando um “Novo Mundo” com quem sente na pele a (desacreditada) Guerra sem fim (até mesmo o seu recorrente “I put a spell on you” entra na festa como uma recordação agridoce).

Sim, joga-se por um cinema falso-mudo, estático e planificando, como se o biótopo deste Elia Suleiman quisesse estagnar. Todavia, é a sua constante e radical mudança, aliás, metamorfose, que preocupa o realizador-personagem. A sua existência, quer cultural ou identitária, está ameaçada pelo Futuro, por isso, só resta encontrar o Paraíso.