Adeus, minha Camareira!
Journal d'une femme de chambre (Benoit Jacquot, 2015)
Un Bar aux Folies-Bergère (Édouard Manet, 1881 / 1882)
Se em “Les adieux à la reine”, Benoît Jacquot ousou em caricaturar a aristocracia francesa sob a perspetiva de uma simples, mas devota, serva, na sua nova obra – “Journal d'une femme de chambre” (“Diário de uma Criada de Quarto”) – o realizador ostenta o mesmo fascínio na exposição, tendo como alvo principal, porém, a burguesia do início do século XX.
Inspirado na homónima obra literária de Octave Mirbeau, um livro publicado em 1900 que causou polémica por abordar a domesticidade como uma forma de escravidão em tempos modernos e por denunciar comportamentos indignos da classe burguesa, eis um filme morno que concentra-se num rigoroso trabalho de reconstituição de época e no desempenho aventureiro de Seydoux, novamente na pele de uma serviçal com aspirações para mais do que apenas assistir os seus respetivos “amos”.
Contudo, a acidez prevista por Jacquot neste retrato, onde utiliza a mesma arma da sua obra anterior, é algo dissipada, não só pela sua narrativa emaranhada por flashbacks sem intenção cronológica e pela fraqueza do seu clímax, como pelos holofotes constantemente apontados na sua protagonista, mais do que o cenário envolto. Tal condução torna a personagem de Seydoux, Celestine, numa figura omnipresente, efeito que prejudicará tudo o resto. Até mesmo Vincent Lindon, que compõe um homem ambíguo sustentado por ódios e medos irracionais, é defetivamente transladado para segundo plano.
Mas a grande fragilidade aqui é nunca conseguir constituir uma crítica em jeito cronista nem afinar as causas levadas a cabo por Mirbeau (a versão de Luis Buñuel em 1964, com Jeanne Moreau, é mais "certeira”). “Diário de uma Criada de Quarto” apenas “dispara” em disfuncionalidades ultrapassadas e nesse sentido o filme parece reconhecer sem trespassá-los para a modernidade dos nossos dias. Para todos os efeitos temos uma obra que emana um pedaço de História antiga e a velha questão da luta entre classes que o cinema francês tanto adora abordar, mas sem efeitos verdadeiramente transcendentes às nossas causas impostas.
Todavia, mesmo dissolvendo-se nos seus atributos técnicos e na prestação da sua atriz, Benoît Jacquot evidencia o seu gosto pela cultura artística, “easter eggs” que servem não como dispositivo narrativo, mas como embelezamento da mesma. Um exemplo disso, por breves momentos, temos à nossa mercê uma reconstituição fílmica do famoso quadro de Édouard Manet, “Un Bar aux Folies-Bergère”, contrariando a sua essência melancólica.