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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O poeta, assim como o thriller, é um fingidor.

Hugo Gomes, 10.06.23

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The Nothingness Club: Não Sou Nada” presta-se a ficcionalizar a própria ficção envolto de Fernando Pessoa, o escritor e poeta, que tal como é lido, no intertítulo inicial, poderia ter “abocanhado” o Nobel da Literatura, se não fosse a Guerra a dominar a sua contemporaneidade. Assim, o mito que borboleteia a figura pessoana está nos seus "e se", nas suas hipotéticas e nas suas probabilidades. Embora seja verdade que Fernando Pessoa é mais o que teria sido, a genialidade irreconhecida e desdobrável a personas por si criadas, a que se dá pelo nome de heterónimos, terra fértil para as mais variadas instrumentações da sua obra e da sua presença. Pessoa é personagem e tanto para iguais cenários. 

No novo filme de Edgar Pêra, os heterónimos desfilam em corredores fantasiados ou em salas de reuniões obscuras como identidades repartidas e “coladas” a um whodunit clássico a cheirar a Agatha Christie, só que ao invés da induzida excitação em tentar deduzir “quem será o assassino?”, até porque ele encontra-se perfeitamente declarado entre nós, se não fosse o facto de todas as consequências desse thriller fabricado operem como um devaneio, um pensamento ilustrado e personificado. Humanamente característico, Pessoa adquire forma (ou formas), retrai-se da historicidade e da eventual biopic, é um exercício, que bem poderia estar ao jeito do autor, porém “The Nothingness Club: Não Sou Nada” é uma recorrente citação e recitação de Edgar Pêra e da sua estética, os visuais que acompanham uma narrativa rodopiante e hipnótica, mesmo que mais contido do que o normal, de maneira a não contrapor a versatilidade da figura-mestra. O realizador situa a sua corrente artística como auxílio fabulista do primor da sua intriga. 

Para o bem e para o mal, eis um filme que fascina e igualmente cansa, sobretudo quem anseia por um lado terreno, ao invés de sentir-se acorrentado às alternativas históricas, nesse aspeto Saramago o faria mais dignificante em papel [“O Ano da Morte de Ricardo Reis”], ou a dupla André F. Morgado e Alexandre Leoni [“A Vida Secreta de Fernando Pessoa”] em quadradinhos. No cinema, João Botelho e Eugène Green fizeram-se convidados neste universo denso, lotado mas igualmente sós. Pêra apenas se junta ao seu clube do nada. 

20 Anos de Doclisboa: a Galeria Digital

Hugo Gomes, 08.10.22

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Para comemorar os seus 20 anos, o Doclisboa preparou-nos uma Galeria Digital de videos de 20 segundos, com contribuições de autores e artistas como Valérie Massadian, Avi Mograbi, Edgar Pêra, Teresa Villaverde, Regina Guimarães, Renata Sancho, João Pedro Rodrigues, James Benning, Pedro Florêncio, Karen Akerman, João Mário Grilo, Jorge Pelicano, entre outros.

Para visitar aqui.

Takes Roterdão 2022 (2): formas, o que fazer com elas?

Hugo Gomes, 13.02.22

Excess Will Save Us

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Não é incomum acompanharmos a extensão de uma curta para o formato de longa-metragem. Prática diversas vezes recorrente, sobretudo nos mais “verdinhos”, como um aprofundamento das suas capacidades e de uma identidade fílmica ainda por definir. “Excess Will Save Us” não foge desse modus operandis, é uma curta convertida a filme de 100 minutos, mas existe nesse processo uma consciência do mesmo que exalta as aptidões da jovem francesa Morgane Dziurla-Petit, principalmente quanto às suas manobras narrativas.

Híbrido entre documentário e ficção, claramente vincado na sua estrutura, a obra remete-nos ao percurso da jovem em aventurar-se num projeto cinematográfico, como tal filma a sua família proveniente duma pequena localização rural, uma lente detentora de um humor por vezes condescendente em cedência a um tom tragicómico e bucólico. Costurado maioritariamente por vias de planos estáticos, “Excess Will Save Us” supera a sua curta-génese através da sua inclusão no enredo - com o objeto a ser aclamado no festival Clermont-Ferrand - o filme percorre esse “aftermath” tentando refletir o seu mesmo percurso e as repercussões destas nas personagens anteriormente convertidas em “caricaturas” meio pacóvias. Esse sintoma espelha uma maturação e igualmente um distanciamento da realizadora ao seu inicial fascínio. Sentimos assim uma clara emancipação, uma reconversão das nuances anteriormente oferecidas e um olhar desencantado à sua forma.

É um coming-to-age disfarçado, um filme que regista a sua própria criação nas mais diferentes fases, seja de esfera política até à incontornável passagem pela pandemia. Dentro disso, é um objeto eclético, esteticamente desenvencilhado (sem nunca parecer desleixado) e em constante metamorfose, possivelmente o vislumbre de uma revelada realizadora. “Excess will Save Us” é sobre excessos (está visto!), mas também é sobre a perda destes para afunilarmos no indispensável.  

Secção Tiger Competition (Prémio Especial de Júri)

 

Kafka For Kids

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Eis “Metamorfose”, a obra de Franz Kafka, contada num prisma infantil em jeito de um colorido programa pedagógico e matinal, entre animações grotescas, explicações de "cacaracá", músicas interpretadas por uma “banda invisível" intitulada de “Hello Shitty”, objetos antropomórficos e uma criança que não é mais que uma travestida jovem de 17 anos.

Bizarro e excêntrico é o que se pode dizer desta mistela em todo o caso indigestível. Do israelita Roee Rosen, "Kafka for Kids” é um protótipo de uma instalação que brevemente encontrará espaço na 1646, the Hague (Países Baixos) ou Kunstmuseum Luzern (Suíça), é um objeto estranho que se pontua mesmo pela sua sensação de estranheza o qual consolida todo os signos dignos dos programas infantis, convertendo-os em algo grotesco e sinistro, até ser cortada por uma tirada de “realidade” embrulhado em ativismo político.

Uma provocação longa que reflete o estatuto da criança, e como ela é maleável perante as diferentes leis territoriais, tendo como contexto o conflito israelo-palestino. A mensagem, subtilmente implantada no choque açucarado e as anomalias fantasiosas (“trouble in the paradise”), não é de todo pertinente e perceptível, mas à medida que avançamos, a farsa é cada vez mais descoberta e o que resta é o grito de resistência num espectador cansado pelo filme-camuflado. 

Secção - Tiger Competition

 

The Plains

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Quando o interior de um automóvel assume-se como o mise-en-scene total, a limitação converte-se automaticamente num imaginário grandioso onde autores souberam, e bem, arquitetar esse mesmo espaço, essa redoma ambulante, para o seu uso dramático ou meramente performativo. Cinema e interiores automobilísticos automaticamente encaminha-nos ao iraniano Abbas Kiarostami ou até o mesmo o seu conterrâneo em jeito de homenagem, Jafar Panahi (“Taxi”). Com “The Plains” traçamos um registo documental, diarístico de um advogado australiano [o realizador David Easteal] que conduz de casa para o trabalho, do trabalho para a casa, sempre na companhia do seu rádio ou do copiloto que incentiva os mais diferentes e rotineiros diálogos.

São três horas disto, de câmara posicionada nos bancos traseiros simetricamente centrado para que o espectador obtenha a igual sensação de passageiro. Quase ininterrupto - com ocasionais, mas não dominantes, intervalos escapistas de drones e as suas captadas imagens - somos desafiados ao tempo, ao tédio como experiência social, mandamentos invioláveis de muito “slow cinema” reinam o panorama dos festivais. Ensaio espaço-temporal ou meramente desgaste criativo com o seu quê de preguiça? “The Plains” garante-nos teorias quanto às suas escolhas estéticas, filmando o mundano e apresentando como o mais sofisticado espectáculo. O que resta é então a economia, o que fazer com o tempo, com a viagem, que bem sabemos que não nos levará a lugar algum.   

Secção - Tiger Competition

 

Kim Min-Young of the Report Card

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Conjugação de duas forças criativas (duas jovens realizadoras [Jae-eun Lee e Jisun Lim] e automaticamente duas argumentistas) que resultam num filme sobre o crescimento e consequentemente a durabilidade das amizades, e como a sua desintegração incentiva a maturação. Porém, é uma obra estranha, não no sentido de bizarrias nem excentricidades, mas quanto ao seu comportamento em tela, oscilando por formas e fórmulas, entre o tédio filmado e consolidado numa narrativa retalhista, até pelas escassas críticas a uma juventude distante, tão concentrada no seu próprio umbigo e nas suas dúvidas existenciais, os quais são desprezadas por gerações anteriores.

Em certa parte, este objeto seco e secado na sua própria frustração, ostenta alguma vida dentro daquela “natureza morta”, o que não se manifesta para além do mero exercício “naive” e por vezes difuso quanto à direção a tomar. Esperamos, tal como o filme, que as realizadoras encontrem espaço de crescimento e para tal é preciso encontrar uma sintonia. Além do mais, há que saber dialogar com o próximo sem aquela sensação de estar a “conversar para as paredes”.  

Secção: Bright Future

Kinorama - Cinema Fora de Órbita

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A cosmicidade de H.P. Lovecraft torna-se no ponto de partida para Edgar Pêra persistir na sua tese / estudo sobre os limites do 3D e de como torná-lo numa arte orbital ao universo cinematográfico. Porém, o que sentimos é um filme à moda do realizador, embrulhado pelo experimentalismo visual que funciona como deleite xamânico para com a terceira dimensão, para além da reciclagem de imagens pontuadas da sua obra que nos perseguem desde então (“O Espectador Espantado”, “A Caverna”, “CineSapiens”).

Pêra conversa com especialistas, estudiosos e outros intelectuais ao serviço de uma pedra-base para com a sua contínua operação, a sua demanda em contradição aos ditos do autor Bruce Isaacs - “o 3D como sabotagem da narrativa” - e a procura do Cinema absoluto e transgressivo das velhas formas e fórmulas. O 3D é a cerne da busca, limita-o, mas simultaneamente o lança para novas fronteiras … talvez face aos paralelismos delineados, para barreiras (digamos) lovecraftianas. “Sem interesse não poderá existir arte”, Edgar Pêra exibe, acima de tudo, interesse pela sua matéria.

Secção: Harbour