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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Sequela perdida no Oceano!

Hugo Gomes, 26.11.24

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Com mais de 600 milhões de dólares mundiais no bolso, “Moana” (“Vaiana”, 2016) foi, até à data, o último grande êxito, sublinha-se, original da animação Disney, um facto que há alguns seria motivação para olear a linha de montagem e avançar com “novas” historietas. Só que a Disney de hoje não é a Disney arriscada de tempos e tempos (basta nomear a época), é uma Disney imediata, sedenta pelos números facturados e relatórios win-win esbarrados na face dos estúdios rivais, em conformidade com um outro tipo de público, mais conformista, mais apreensivo em relação a novas direções. 

Alguns originais massacrados ou decepcionantes no teste da bilheteira conduziram o estúdio aos sintomas agravantes da sequelite, tivemos um “Frozen” no vácuo da reciclagem (e já com promessas de um terceiro), e agora uma continuação de “Moana”, projeto oriundo de uma série Disney+ fracassada e condensada à ordem de longa-metragem. E nota-se essa decisão em cima do joelho, nem que seja pelo rol de personagens secundárias amorfas que acompanham a jornada heroica e um tanto emancipante da homónima protagonista. 

Enquanto o original detinha um certo A a B e consequentemente C em termos narrativos - uma epopeia dinamizada entre a princesa de uma tribo da Polinésia e um semideus de nome Maui (com voz de Dwayne Johnson) na busca de uma deusa enclausurada, tendo como mérito despachar o “animal fofinho para vender pelúcias” para terceiro plano e colocou um galináceo bobo enquanto comic relief. Contudo neste segundo filme, a ‘coisa’ complica, “mais e mais” como ordena a bitola dogmática de sequela, e uma evidente desorientação a reinar, não apenas marítima, mas para com os rumos onde o argumento deseja chegar e como tal, ressoa prejudicialmente na tal demanda heroica. 

Uma dessas personagens secundárias, bastante inútil até, funciona como uma engenheira náutica com óbvio transtorno de déficit de atenção, a sua aura parece resumir toda esta conjugação de nome filme com peças musicais pouco inspiradas (claramente a ausência do anterior compositor e letrista Lin-Manuel Miranda faz-se sentir), um extravio … E como não poderia deixar de ser, sinal dos nossos tempos, ainda nos vem com promessas para um terceiro capítulo. 

Destruir enquanto se lava a loiça

Hugo Gomes, 26.10.22

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A ação de “Black Adam” ocorre num país fictício, algures no Médio Oriente [Kahndaq]. O sítio, de História gloriosa, é hoje uma réstia decadente e ruinosa do seu espectro milenar. Uma imagem televisada da região para o Ocidente. Por breves momentos e sem profundidades sociopolíticas, é informado ao espectador de que a sua capital encontra-se tomada por forças estrangeiras, mercenários ou entidades sem jurisdição que fazem a sua vontade, a sua lei. Povo oprimido, aguarda desconsolado por uma figura sebastiana para que, por fim, possam “libertar”. A promessa acontece, esse Adão Negro é despertado após um “sono” milenar, tornando-se no defensor de Kahndaq, e igualmente numa ameaça ao seu exterior. 

O anti-herói, aqui interpretado por Dwayne Johnson igual a si mesmo, combate os seus mais diferentes inimigos (e possíveis aliados), no meio daquela cidadela antiga, superpopulada e “terceiro-mundista”, os embates são vistosos, deixando tudo ao redor em cacos, escombros e poeira. Destruição é um acréscimo a este cenário. Depois de cada luta, sequências de ação imperativamente computadorizadas e pirotecnia estrondosa (no sentido de poluição sonora e não o superlativo adjetivo entretanto associado), a população que após contemplar o espéctaculo sobrehumano regressa aos seus respectivos quotidianos como se nada tivesse extraordinariamente acontecido. 

Trata-se da banalização do armagedão (o fim do mundo já se converteu numa imagem tão recorrente, que o seu impacto bíblico foi desvanecido), da profecia, dos entes divinos ou assemelhados, é o sintoma de que muitos destes códigos, que abundam no cinema norte-americano para massas e com foco no tão formalizado subgénero "super-heróis" se tornaram. Sem consequências, sem causas, nem adesão a tratados de algum tipo - barulhos, efeitos e explosões formaram o circo do vulgar. E tal como as pessoas de Kahndaq, o espectador adquiriu esses anticorpos, já não se trata de um evento-cinematográfico, e sim, de mais um episódio a um seriado, o cepticismo rompido ao ver “um homem a voar” (essa frase-feita em tempos de “Superman” de Richard Donner), é hoje um bocejo vindo de uma audiência anestesiada. 

Black Adam”, assinado por Jaume Collet-Serra (“The Orphan”, “House of Wax”), realizador sem grandes ambições para além de se confundir com a indústria da sua contemporaneidade, é esse exemplo de desnorteada fórmula, cansada, prolixa e planeada até à exaustão dos seus clichés. Viremos a página …

 

“We're here to negotiate your peaceful surrender.”

“I'm not peaceful. Nor do I surrender.”

 

O filme "queer" do ano!

Hugo Gomes, 31.07.19

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Numa visão mais pessimista, podemos garantir que “Fast and Furious” é já uma saga longa de mais e precisa de um certo travão. Isso viu-se no cansaço (que, por sua vez, não se refletiu nas bilheteiras) do oitavo capítulo, novamente à volta da figura de Dominic Toretto (o papel que colocou Vin Diesel no estrelato da ação). Só que nesse episódio com Charlize Theron como a vilã de serviço, uma das suas outras novidades conquistou os fãs de imediato: a química explosiva entre Dwayne Johnson e Jason Statham. Ela revelava-se nos poucos momentos em que partilhavam o ecrã e os produtores perceberam logo o potencial e colocaram mãos à obra, expandindo assim o universo com um "spin-off" isento de Diesel e da "família" mais que vista e revista.

"Fast And Furious: Hobbs & Shaw” é esse filme, nascido do oportunismo. Mas curioso será dizer que, por detrás da sua esquemática intriga ou das bafientas sequências de ação (o desequilibrado ritmo ameaça-às constantemente), a proposta funciona sobre essas linhas-guias. Johnson de um lado, Statham do outro, como indicia a entrada dos créditos iniciais, um "split screen" que os coloca distantes e, ao mesmo tempo, próximos como as enésimas comédias românticas, onde personagens contrastadas são complementadas em nome do amor. A esta altura, o leitor quererá saber o porquê da referência "queer" do título numa produção direcionada a alfas, injetada de proteínas e testosteronas. Eis a resposta: em "Hobbs & Shaw” esconde-se um desejo contido que quase torna um embuste essa capa de heterossexualidade convicta e fantasiosa que nos querem vender. Não se trata apenas da química trazida por Dwayne Johnson e Jason Statham. Existe aqui uma intenção em transformar essa rivalidade e cumplicidade num romance não intencional.

Vejam-se os diálogos que Hobbs e Shaw trocam desalmadamente sob o gesto de ofensas e desdém: não serão eles mais do que um perfeito “flirt”? A sua agressividade contrai uma certa e cuidada invocação sexual, que por vezes parece terminar com um apaixonado beijo. Já vimos isso no cinema por muito menos. A juntar a estas suspeitas, existe todo um culto a um ecossistema de masculinidade e um homoerotismo em cada esquina. Há um sentimento de “não sair do armário” em todo este jogo de "bromance" enviesado no "buddy cop movie", um medo de se assumir e com isso deixar de oferecer ao espectador a ilusão de último reduto de um cinema puramente heterossexual.

Contudo, não é por estes caminhos que vamos condenar um filme. Mas é por estes mesmos trilhos que devemos quebrar o mito do “cinema para homens a sério” que uma certa cultura proclama ao tentar resistir a estes novos tempos de tolerância que se apoderam cada vez mais do nosso quotidiano. O que está em causa em "Hobbs & Shaw" é que, através dessa alusão dos conformes masculinos, nos seja entregue um produto regido por um prolongado "stand up comedy" entre dois homens de ação, esquecendo que um filme não se faz apenas de carismas e químicas. Obviamente, esquecendo as leis da física e da coerência, ficamos restringidos a um aspirante do cinema de Michael Bay. A surpresa é que, no final, o nome é outro: David Leitch, um dos mentores de “John Wick” e realizador de “Deadpool 2”, aqui sucumbindo ao anonimato. Ficou-se por Hollywood e pelos grandes orçamentos, vendendo a alma por um espectáculo de agenda.

Seja como for, "Fast And Furious: Hobbs e Shaw” é um cartucho gasto que, por sua vez, é preservado como um prémio de consolação. Além das inevitáveis promessas de sequela, é um perfeito exemplo de "silly season" para rentabilizar o que já não necessita ser rentabilizado.

Hercúleo fracasso!

Hugo Gomes, 01.08.14

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Em “Hércules”, de Brett Ratner, existem duas ‘coisas’ que temos que ter em conta. A primeira é que não é uma tarefa hercúlea superar a hedionda versão de Renny Harlin. Já a segunda é que o marketing em Portugal em torno da interpretação de Irina Shayk é somente exagero e mediatismo, estando a participação da modelo russa reduzida a um mero cameo. Portanto, e após estes dois aspetos, só resta ver o que de bom tem este Hércules.

Um bom conselho, aliás, não fosse o facto que até o menos assíduo dos espectadores irá ser “atacado” por um vasto leque de “déjà vu”, e o mais alarmante é que tudo indica que a produção não se esforça em esconder. A começar pela própria ideia generalizada do filme, o modernizar um dos mais queridos e célebres heróis da mitologia grega, o homónimo gigante munido de uma força sobre-humana que é descaradamente reduzido a uma figura hollywoodesca dependente do carisma de Dwayne Johnson, e nada mais.

Aliás, o ator que tem servido como um verdadeiro Midas de várias produções de entretenimento é o Atlas [referenciando, mais uma vez, a mitologia local] desta fita visualmente e cenicamente bem composta, mas regida por fórmulas decadentes. Brett Ratner começa por invocar as séries televisivas rotineiras e trash, da dinastia de Kevin Sorbo ou de Lucy Lawless, até se arrastar em protótipos de Conan, dos tempos áureos de Schwarzenegger, acabando por terminar em créditos finais vergonhosamente com aspiração a “300”. Ou seja, tudo em “Hércules” é cliché, tão previsível e ridicularizado por uma narrativa mal «colada».

Mas o filme é assim tão mau? Dentro dos parâmetros do entretenimento mais despreocupado, o filme de Ratner é pomposo e não “aborrece” ninguém. Porém, é banalmente irritante e tendo em conta os gastos e os talentos aqui depositados (John Hurt, Ian McShane, Rufus Sewell, por exemplo), é um verdadeiro desperdício que só Dwayne Johnson consegue salvar. Novamente referenciando a mitologia grega (prometo que é a última), o ator prova mais uma vez que é digno de um lugar nos Campos Elísios.

 

“No matter how far you go, man cannot escape his fate. Who are you? Are you a murderer? Are you a mercenary who turns his back on the innocent? We believe in you! We have faith in you! Remember the deeds you have performed, the labors you have overcome! Are you only the legend, or are you truth behind the legend? Now, tell me, WHO ARE YOU?”

“I AM HERCULES!”