Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Norman Jewison (1926 - 2024) e os seus atores

Hugo Gomes, 24.01.24

2782.webp

Doris Day em "The Thrill of It All" (1963)

justice.jpg

Al Pacino em "...And Justice for All" (1979)

rollerball.jpg

James Caan em "Rollerball" (1975)

OCA2KOTNNBEU3MLT7CMCQQS2J4.webp

Ted Neeley em "Jesus Christ Superstar" (1973)

jewison-hurricane_custom-a501ee2e76bf550814a3cec19

Denzel Washington em "Hurricane" (1999)

c71f2f0e787dcf7040e4b1917447a02e.jpg

Michael Caine em "The Statement" (2003)

mcqueen-and-jewison.webp

Steve McQueen em "The Thomas Crown Affair" (1968)

419387606_1504788756759383_8068408244070827368_n.j

Sidney Poiter em "In the Heat of the Night" (1967)

420029151_7027463657361731_4340359307628720145_n.j

Cher em "Moonstruck" (1987)

415810852_295410463515058_1555168145705014510_n.jp

Topol em "Fiddler on the Roof" (1971)

O medo é um fantasma mais “penado” que Rebecca.

Hugo Gomes, 29.10.23

rebbeca.jpeg

Joan Fontaine em "Rebecca" (Alfred Hitchcock, 1940)

Sentir medo será à partida um lugar comum no dia a dia dos humanos, na verdade, senti-lo pode muito bem ser um dos clichês mais evocados na vida, não só naquilo a que chamamos de quotidiano, mas também na “vida do cinema”. A nossa existência está cheia de clichês que a sétima arte adotou, e viceversa, sim, porque, se por vezes eu tenho medo de tomar duche de cortina fechada, não foi porque o aprendi na serenidade da minha rotina, mas porque em algum momento, o cinema me mostrou que cenas em chuveiros, podem ser efetivamente dramáticas, e como já devem ter reparado, estou de forma muito clichê a referir-me ao plano do filme “Psycho”, em que a personagem de Janet Leigh é surpreendida por um assassino durante o banho. 

Os clichês foram roubados de um lado para o outro, e sinto que muitas vezes já não sei distinguir o que é que vem da realidade, ou o que é apenas ênfase da ficção. Por exemplo, nunca caminharam à noite e pensaram que a qualquer momento ia aparecer o Michael Myers? Já estiveram sozinhos num sótão e sentiram que a probabilidade do Ghostface surgir era altíssima? Ou ainda, numa sala de uma avó junto a um relógio daqueles que fazem muito barulho, nunca se perguntaram o que é que o Padre do “Exorcista”, diria naquela circunstância? O medo está em todo o lado, e acho que muitas vezes, ampliado por aquilo que o cinema nos deu. 

Por falar em atrizes nos filmes de Alfred Hitchcock, há vários depoimentos de personalidades da indústria, que partilharam várias situações sobre a falta de sensibilidade do realizador, em dirigir as atrizes que com ele trabalhavam. Muitos são os testemunhos, que apontam para o facto das mesmas terem sido terrivelmente manipuladas no set, para constantemente estarem em tensão, com o objetivo de tornar o medo, real nos seus rostos, tão real que a câmara o captaria implacavelmente. 

Medo, o realizador queria provocar medo nas intérpretes, queria juntar aos seus olhares intensos e doces, um ingrediente que nos provocasse a nós espectadores, pavor. A doçura do medo no olhar, tão perversamente perpetuada por Hitchcock, ficou consequentemente iconizada no cinema do século XX.

Embora mais conhecida pela sua leveza em comédias e romances, também Doris Day experienciou o medo nos filmes do senhor Alfred, em “The Man who Knew too Much”, com a sua complexa e delicada personagem Josephine Mckenna, provou os dissabores da intensidade de um homem, que queria realizar mais do que a ficção dos próprios filmes. 

A esplêndida Grace Kelly, também ela ao longo de três longas-metragens, mergulhou nas tensões de um realizador obcecado pela sua imagem, bom depois decidiu que afinal queria mesmo era ser princesa, o que também não deixa de ser um bocadinho assustador. Viram? Mais um momento em que não percebemos muito bem quem é que está a imitar quem, se a vida, se a ficção ou se todas ao mesmo tempo, de qualquer das formas, deixar de ser atriz para ser princesa do Mónaco, deve dar um medo dos diabos. 

Joan Fontaine em “Rebecca”, que a psicologia adotou para explicar mais um complexo, aqui relacionado com os medos do passado, medo dos fantasmas do passado, neste caso bem literal, já que o próprio do fantasma em questão, aqui é mesmo o espírito de uma ex-mulher que deambula pela casa, tentando terminar com a paz do casal. 

Se nunca tiveram que aturar uma assombração dessas, onde pessoas obcecadas pelos vossos companheiros vos tentam incendiar a vida (para quem viu o filme, perceberão a escolha do verbo incendiar), que bom para vocês, aqui Fontaine teve não só que aturar histórias do passado, como também um Hitchcock “passado”. 

O medo está em todo o lado, desenganem-se aqueles que pensam que o medo está só nos thrillers, filmes de terror e suspense, o medo vive até nas comédias mais românticas, ou acham que em “Love actually”,  a personagem de Colin Firth não sentiu medo de falhar, enquanto caminhava por um típico bairro Lisboeta, para declarar o seu amor? 

O medo vive entranhado nas nossas vidas e arrisco a dizer que até o mais feroz dos vilões, ainda que na ficção, o sentirá em grande escala, ou acham que os pesadelos do próprio Freddy Krueger, são mais leves que os das crianças que sonhavam com ele? Dada a circunstância da personagem, não me parece. Freddie Krueger tem medo, medo de si mesmo, medo de não trazer medo suficiente para a sua vingança, ele tem medo da sua própria história.

E o medo de não sentir medo? Bom, sobre esse atrevo-me sempre com muito cuidado, porque o medo é também ele uma medida exímia que nos livra muitas vezes de tantos males. Por hoje fico-me  pelo medo debruçado no cinema, porque quando a tela se apaga e as luzes se acendem, posso voltar tranquila para o meu quotidiano sereno e feliz, mas onde tantas vezes insisto para que seja efusivo, dramático e belo como aquele que aprendi a ver nos filmes. 



*Texto da autoria de Mia Tomé, atriz, voice artist e criadora, foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian para estudar no The Lee Strasberg Theatre and Film Institute, em Nova Iorque. É licenciada em Teatro pela ESTC, e Mestre em Educação Artística pela FBAUL, onde investigou o tema “Cinema e Educação”. Foi autora e apresentadora do programa “Querem Drama?” no Canal Q, mas também do “Por uma Canção” na Antena 3. Atualmente tem em mãos Projeto Natália, que celebra o centenário de Natália Correia. Desde 2021 que está a desenvolver um projeto no Arizona, sobre as mulheres do Oeste Norte Americano.

Uma questão de "split-screen"

Hugo Gomes, 06.11.22

Pillow Talk 2.jpg

At least you could have had the decency to bring your own champagne!

Pillow Talk”, comédia romântica conectada pelo trio criativo e amoroso (Doris Day - Rock Hudson - Tony Randall), não foi certamente um exercício da vibe George Cukor e seu o proto-feminismo entranhado no sistema, ao invés disso é uma comédia screwball de tendência conservador e de apostas à “domesticação”. 

Porém, não desprezaremos a escrita por detrás desta obra do retornado Michael Gordon (realizador de “Cyrano”, incluindo nas “blacklists” que marcaram a década de 50), e as suas conversas de travesseiros, um encontro acidental como Hollywood ambiciona entre dois estranhos da grande metrópole [Nova Iorque]. Ela, decoradora de interiores (Doris Day), ele, um compositor playboy (Rock Hudson), cujas linhas telefônicas estão partilhadas (problemas passados, obviamente), para um triângulo amoroso estar completo é necessário um terceiro vértice, um milionário (Tony Randall) que se sente “minoritário” (e de apropriado apelido ‘Forbes’), a alavanca para que as duas criaturas urbanas (cada uma delas livres das amarras matrimoniais), cedam a um romance de enganos. Existem aqui gags deliciosas, não há como negar - hoje em posição de espargata para com a validade do tempo - e a personagem borrachona de Thelma Ritter para ajudar à festa. 

Pillow Talk.jpg

Contudo, o que de mais criativo este “Pillow Talk” (1959) possui, é infelizmente efêmero. Trata-se do uso engenhoso e por sua vez satírico do split screen, ora o contexto das linhas partilhadas é motivação para estes mesmos ventos, e assim o ecrã dividido, ora em dois, ora em três, demonstra uma interação simultânea entre as diferentes ações. A dinâmica entre as partes é também ela “bom serviço” ao emprego visual, que por vezes parece desejar sair dos seus traços e contactar carnalmente uma com a outra, ora vejamos, Day e Hudson comunicarem-se telefonicamente nas suas respectivas banheiras, cujo pé de cada um se une na invisibilidade do limite. Uma questão de enquadramento, diriam alguns, deste lado refiro a somente gosto, a aplicação do mesmo dá asas à criação. 

Mas o romance aí erguido parece não dar mais oportunidades a esta opção estética, deixando a decoração interiorizada para Doris Day e a sua trupe (que voltaremos a rever). No final ficamos com a comédia sucedida e a mensagem de matrimónio como designo (des)igual para homens e mulheres. Porque Hollywood da casa dos 50 sofria com pesadelos sobre mulheres ambiciosas e livres (“If there's anything worse than a woman living alone, it's a woman saying she likes it.”). Mas quanto a isso deixemos para a História a do seu industrializado sistema. 

pillow1.jpg

Pillow2.jpg

Pillow3.jpg

Pillow4.jpg

Pillow5.jpg

Pillow6.jpg

Pillow7.jpg

Pillow8.jpg

Pillow9.jpg