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Foi no calor do Batman de Nolan, que em uma tertúlia de café, um amigo proclamava o seguinte reparo acerca da personagem: “Batman, não é nada mais que um psicótico que se mascara e que sai à noite para dar um “enxerto de porrada” a criminosos”. Rimos, acima de tudo, da vulgarização daquela linguagem como resposta ao debate do protofascismo da trilogia nolanizada. Contudo, tal frase ressurgiu no meu pensamento, ecoou-me perante esta nova aparição como uma espécie de flashback, agora sem Nolan ou Zack Snyder (mais interessado no seu universo cinematográfico que a exploração da personagem em si), mas sim com Matt Reeves, o “bom tarefeiro” na frente de uma Hollywood milionária e resiliente.
Este, somente intitulado “The Batman”, revela-nos um vigilante “fresquinho” sem depender de uma história de origem [a génese], fragilizado, desorientado e movido pelo slogan “Vingança”, enquanto utiliza o “combate ao crime” de forma a acalentar o seu coração destroçado, que como bem sabemos, gerado pelo trágico episódio envolvente ao assassinato dos seus pais, o qual testemunhou ainda em criança. É a história do órfão em busca da sua emancipação, e por esse trilho da sua conduta, um “herói” (as aspas são importantes para trazer a ambiguidade da figura) em construção numa Gotham corrupta, também ela em plena transição, a dar lugar a uma outra cidade, um berço de “monstros” psicóticos, onde Batman brevemente chamará de “Casa”. Matt Reeves apropria-se do formato neo-noir, encostando a trama a uma narração off de cariz existencialista, onde o passado longínquo mantém-se fresco e corrosivo, e a angústia de Bruce Wayne (o ego ou alter-ego de Batman, dicotomia que o assombra) é projetada no seu método peculiar de combate - “O medo é uma arma”.
Aqui, Robert Pattinson a nova face e corpo para a célebre máscara é uma aberração ambulante, um “bolha” impenetrável de um luto inquebrável, que revela um maior gosto e sadismo para com a bandidagem e delinquentes das ruas de Gotham do que propriamente a defesa do indefeso “cidadão de bem”. Este é o Batman que o meu tal amigo falava, o indivíduo a merecer terapia que torna a “vigilância” num analgésico para as suas dores de alma. Matt Reeves bem pode elaborar uma “escadaria” moral para o seu encapuçado das trevas, a epifania que o converterá no Batman e transformando o seu título numa palavra, por fim, pronunciável. É um risco que o realizador e argumentista tomou, neutralizar estabelecidas honras e jornadas heróicas, aquilo que torna Batman no Batman é a sua exposição para como seu “mundinho”, o biótopo citadino e de alta taxa criminal.
Quanto a “The Batman”, o filme que chega a nós vendido como “força única” do expansivo cinema de super-heróis, é uma obra carpinteira aos mais diferentes níveis. Primeiro, no sentido argumentativo, tentando construir um pathos nesta jornada física e espiritual no “herói” enquanto edifica um universo que o rodeia, e por outro lado, através do processo (a produção) que não fazendo refém do CGI tenta emprestar o seu “corpo às balas”, por outras palavras subjugar ao enredo e não à ação como prioritário (o cinema-espectáculo é diferente do habitual, vulgo “normalizado” pela indústria, o “cavaleiro das trevas” descodifica casos de forma detetivesca e incorpora-se em jeito de thriller).
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Este é também o filme, em que Batman, lançando-se a solo no processo de "limpeza moral” a Gotham, conta com uma “aliada”, uma Catwoman (uma felina Zoe Kravitz), não um sidekick, nem par amoroso, um anexo ou possivelmente extensão do espectro do vigilante. Ela, larápia para alguns, anti-heróina para outros, partilha as dores torturantes do “órfão” Bruce Wayne, sendo que os “pecados do pai” (julgamento incentivado pelo inimigo e psicopata The Riddler, um Paul Dano naquilo que melhor sabe fazer e que encabeça uma representação da necessidade doentia de “Nova Ordem”) revelam-se tatuagens permanentes nestes errantes confortados com os seus disfarces (que não são mais que consumadas identidades). A dinamizada relação os motiva, a “alavanca” mútua para se tornarem nos protagonistas que sempre nos foram apresentados e o no qual sempre comportaram como esperávamos. É que por detrás de um assumido “Homem-Morcego”, completamente rendido às possibilidades dos (re)descobertos contornos heróicos, existe uma torturada mulher, esquiva e descomprometida, com excepção para com a sua própria sobrevivência nesta selva de asfalto. No final, a mitologia é consolidada, os peões entram em cena para mais um dia, que traduzindo em binarismos hollywoodescos, são sequelas a caminhos.
PS: Desde “Dawn of the Planet of the Apes” (2014) que Matt Reeves desafia a percepção público-ávido pelo blockbuster logo na sua entrada. Aqui, o voyeurismo (mais “The Mechanic” de Michael Winner, do que “Rear Window" de Alfred Hitchcock) assumem como um exercício, não só de estilo, mas de captação da atenção do espectador, enquanto confecciona uma atmosfera de suspense.