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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A Hora da Pop com Super-Homem no céu ...

Hugo Gomes, 11.07.25

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Chega-nos um reboot da saga partilhada da DC / Warner Bros., com James Gunn a “testar as águas” com o seu “Superman”. Para o seu programa “A Hora da Pop”, da Antena 1, Rui Alves de Sousa convidou-me para uma tertúlia sobre o Homem de Aço, deste novo David Corenswet sem nunca esquecer Christopher Reeve. Para voar bem longe … com algumas ‘tacadas’ à Marvel, comentários à dinastia de Zack Snyder e “Joker” de Todd Phillips a fazer-se special guest nestes 40 minutos de programa.

Continuamos a acreditar que um homem pode voar?

Hugo Gomes, 08.07.25

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"You'll believe a man can fly", a tagline promocional de 1978 para "Superman", de Richard Donner, conquistou o imaginário de um geração nessa sua aparição. Foi a renascence de uma personagem até então em desuso, cujo na altura desconhecido Christopher Reeve (oriundos dos palcos), garantiu o sucesso da obra em tempos de blockbusters escassos e ainda experimentais no paladar do público. Ao encabeçar este Kal-El / Clark Kent, alienígena exilado na Terra, cuja sua diferença física e fisiológica o coloca na pele de uma super-heroi com missão de proteger os terráqueos das mais infames ameaças, Reeve comprometeu-se a mais três sequelas que, mesmo sob qualidade decrescente, o manteriam como a encarnação perfeita desta personagem. E o resultado está à vista, o facto de o Super-Homem atravessar gerações até ao início dos reboots deve-se a essa representação indissociável.

Em 2006, começou o recast ["Superman Returns", 2006]. Mesmo com os burburinhos de um projecto abortado — o de Tim Burton com Nicolas Cage no papel do kryptoniano — foi o também então desconhecido Brandon Routh quem herdou o papel de sucessão a Reeves (devido a um acidente em ‘95 ficou tetraplegico, tendo falecido em 2004). Para Donner, mesmo que posteriormente com um Henry Cavill imponente na pele do sobre-humano, era o seu Reeve que “voava tão bem”. Quanto a este novo e simples "Superman", o seu surgimento deve-se ao efeito de reparação de um franchise descarrilado após mudanças bruscas de tom e de liderança. Desesperada, a Warner Bros. entrega a James Gunn e a Peter Safran a missão de salvar a sua chancela. Um reboot, inevitavelmente, concretizou-se: a DCU, um outro universo cinemático, começa, e, à semelhança do anterior, através de um concerto performado do Super-Homem, e mais uma vez interpretado por um “desconhecido”, David Corenswet.

Podemos garantir que o elenco deste novo capítulo é bem-sucedido, meticuloso até, desde o protagonista, passando por Rachel Brosnahan como Lois Lane, até Nicholas Hoult, que oferece um Lex Luthor convicente, condensando o zeitgeist dos tecno-oligarcas. Neste aspecto, James Gunn acerta e arrisca em igual medida. Nota-se, desde o início, um regresso à ingenuidade do género, visível nas relações entre personagens, nas intenções das suas jornadas, e no world-building que define o tom deste universo por explorar. Personagens marginais dos comics ganham centralidade narrativa (já é um modus operandi do realizador nestas patentes condensadas à tela); e há um cão com capa que voa; o ambiente familiar estabelece-se sem atrito, mesmo quando surgem consequências em cena. James Gunn transforma tudo isto num risco: acreditar, não no homem que voa, mas no espectador disposto a crer nessa possibilidade. Mesmo que afogado em tecnologia, o filme assume-se como segunda demão num subgénero bafiento que tenta captar um último fôlego.

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Infelizmente, há buracos que o filme não consegue evitar: a saturação do enredo, a acção dependente de CGI que pouco impressiona o olhar treinado, e as ‘politiquices’ que rebentam à tona como o seu próprio zeitgeist. Se Nicholas Hoult é uma espécie de Musk sem patetices, já o sub-conflito entre dois países fictícios, numa guerra e consequente invasão, remete-nos para actualidades... resolvidas, como é habitual no cinema de super-heróis, com a mais fácil das facilidades.

Por sua vez, "Superman" tenta restaurar a fé na descrença. A questão é: conseguirá? Ou já estaremos noutro tempo? Seja como for, é o mais nostálgico dos Super-Homens em ecrã desde a dupla Donner / Reeve.

Uma força maior à escala de Gene Hackman (1930 - 2025)

Hugo Gomes, 27.02.25

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The Quick and the Dead (Sam Raimi, 1995)

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The Conversation (Francis Ford Coppola, 1974)

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The Firm (Sydney Pollack, 1993)

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The French Connection (William Friedkin, 1971)

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Com Christopher Reeve em "Superman" (Richard Donner, 1978)

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Unforgiven (Clint Eastwood, 1992)

À semelhança de Sean Connery, Gene Hackman retirou-se das nossas vistas após um derradeiro filme que envergonharia os céus, um final indigno de uma carreira longa e duradoura. Anos e anos na discrição, pairando como um lembrete de que Hollywood albergara uma força estelar, hoje em longo processo de renovação — ou quiçá de extinção, e tal como o mencionado actor, o retorno de Hackman era uma incógnita quase sebastiana; cruzavam-se os dedos por um eventual “comeback”, por um último trabalhador merecedor do seu legado, o qual nunca chegou a acontecer. "Welcome to Mooseport" ficou com esse título, mas dele esquecemos, porque a “pegada” de Hackman foi muito maior do que qualquer nódoa no seu final de carreira. O incorruptível, o infiltrado, o mais ameaçador dos vilões e o mais fanfarrão também, o tigre da Malásia de colarinho branco, o último veterano, o eterno cowboy. Hoje, perante a sua despedida — esperada, não apenas do cinema, mas do mundo — recordar Hackman é recordar um prestígio em tela, uma galeria de filmes que, à sua maneira, marcaram Hollywood, a indústria e os espectadores. Fica a minha vénia a um gigante.

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Com Al Pacino em "Scarecrow" (Jerry Schatzberg, 1973)

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The Royal Tenenbaums (Wes Anderson, 2001)

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Mississippi Burning (Alan Parker, 1988)

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Ao lado de Rhys Ifans em "The Replacements" (Howard Deutch, 2000)

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Uncommon Valor (Ted Kotcheff, 1983)

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Twilight (Robert Benton, 1998)

"We burned the forest down."

Hugo Gomes, 06.01.25

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"With respect Master Wayne, perhaps this is a man that you don't fully understand, either. A long time ago, I was in Burma. My friends and I were working for the local government. They were trying to buy the loyalty of tribal leaders by bribing them with precious stones. But their caravans were being raided in a forest north of Rangoon by a bandit. So, we went looking for the stones. But in six months, we never met anybody who traded with him. One day, I saw a child playing with a ruby the size of a tangerine. The bandit had been throwing them away."

"So why steal them?"

"Well, because he thought it was good sport. Because some men aren't looking for anything logical, like money. They can't be bought, bullied, reasoned, or negotiated with. Some men just want to watch the world burn."

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"The bandit, in the forest in Burma, did you catch him?"

"Yes."

"How?"

"We burned the forest down."

 

- Michael Caine / Christian Bale em "The Dark Knight" (Christopher Nolan, 2008) -

A história do Homem através do riso ...

Hugo Gomes, 02.12.24

maxresdefault.jpgJoker (Todd Phillips, 2019)

(...) e enlouqueci-me a rir, e depois a pensar, toda a psique humana, e por consequência toda a história do Homem, pode ser contada pela história do riso, a começar pela primeira gargalhada, acto coincidente com o nosso distanciamento irrecuperável da estupidez. Aliás, mais do que por raças, os humanos podiam ser classificados por graça, grupos de formas de rir, porque somos muito mais como rimos, pelo momento em que rimos, porque nos rimos, do que por destrinçar de cabelos e da cor da tez, que a cosmética matreiramente adúltera: somos os que riem de fel, os que riem quando não sabem o que fazer, os que riem em desgraça, quando estão nervosos, descontrolados ou com medo, e ainda os que riem na linhagem da Mariana, a lendária amiga da minha mãe que gargalhava com retumbância de soprano quando tinha orgasmos, e ninguém se importava na vizinhança, pois todo o mundo era por ela feliz, os que tinham e os que não.” 

Mário Lúcio Sousa, “O Livro Que Me Escreveu” (Editora D. Quixote)

Estes filmes não são para o público nem para a crítica ... de hoje!

Hugo Gomes, 10.10.24

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A Internet, hoje, é uma ferramenta que amplifica sensações ou transforma-as em campanhas que, por sua vez, se convertem em algoritmos (e autênticas calúnias em forma de reels ou tweets para conduzir uma opinião generalizada). “Joker: Folie à Deux” e “Megalopolis” são vítimas dessas traduções binárias, sendo que um deles é mais afetado que o outro. 

Neste caso, o apelo de um filme no universo dos super-herois não se traduz, de forma alguma, na conversão desses códigos. Inicialmente, isso atraiu milhões de adultos, que, segundo um recente artigo da “The Economist”, progressivamente mais infantilizados pela (não só!) hegemonia da cultura popular (e isso, desculpem, tem como consequências nas respectivas escolhas sócio-políticas), o qual sentem-se “enganados” pela artimanha de Todd Phillips, um realizador que, após esta sequela, merece um lugar terno na cinefilia. Jogou à roleta russa com o público mainstream, subverteu as expectativas que geram consensos e, como um escudo de Perseu, fez com que a Medusa — neste caso, o público-alvo desse tipo de filmes — olhasse para o seu próprio reflexo.

Até mesmo a escolha do musical, que reforça o seu papel fundamental na Hollywood clássica, servindo como um escape à realidade do nosso mundo, é utilizada como um obstáculo ao paladar (o género que ficou obsoleto e o senso comum o maltratou com honras ao preconceito). Este é um filme que requer um desafio, não no sentido de gostar (um conceito binário), mas de o reconhecer e refletir sobre ele. O público possui essa consciência, ou não-consciência, enquanto a crítica de cinema, por outro lado, detém uma responsabilidade diferente: o de não ceder à vontade popular em prol de uma subsistência profissional (o que não tem acontecido). Isso aplica-se igualmente a “Megalopolis”, que não é filme de público, quer dizer não o deste, possivelmente a do futuro, mas possivelmente para o futuro. 

No entanto, a crítica, principalmente a yankee, reduziu-se a “julgar” os filmes com um primitivismo mercantil. Falta-lhe profundidade de pensamento, limitando-se a percentagens de Rotten Tomatoes ou a classificações que carecem de sentido crítico. Portanto, consensos não fazem parte do meu cardápio e, possivelmente, morrerão daqui há alguns anos. A crítica que sobrevive deverá ser ousada, fundamentada e nunca vergada à dominação da cultura popular, nem que para isso sacrifique o seu imediatismo (“mas quem sou eu para dar lições de moral”, pensarão muitos de vocês).

Com isto afirmo sem medos, são dois grandes e incompreendidos filmes americanos estão a surgir nesta rentrée... e o seu insucesso é um bom sinal para o futuro.

A Loucura tem par!

Hugo Gomes, 01.10.24

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Os acordes Hildur Guðnadóttir mantém-se como herança direta de uma sequela, que em modos não justificava a sua existência, mesmo que as solicitações salivavam que nem cães perante o sucesso do primeiro “Joker”, e assim pegamos nos feitos e nos efeitos desse Joaquin Phoenix vestido a rigor e com maquiagem circense. Alguns anos passaram desde o brutal e televisado assassínio de Murray Abraham (o apresentador de longa duração interpretado por Robert De Niro), Arthur Fleck encontra-se na prisão aguardando julgamento que poderá ditar, ora uma, a sua reabilitação num centro apropriado caso vir a ser provado das sua distorção mental, ou a cadeira elétrica cujo novo e promissor procurador público, Harvey Dent (Harry Lawtey), deseja com clareza. 

Nessa demorada espera, Fleck revela-se constantemente num farrapo, numa sombra daquilo que era e que inspira ser, até que, uma misteriosa loira surge no seu caminho, também ela enclausurada, partilhando uma loucura transcendental para com este. Amor? Dirão alguns. O que acontece é que esta mesma mulher, Lee Quinzel (Lady Gaga), desperta esse Joker adormecido, ambos valsam pelo delírio coletivo, a destruição de um sistema e a construção de uma “montanha”. Um plano maior, que apenas Arthur “Joker” Fleck poderá concretizar. 

O título, francês porventura, “Folie a Deux", invoca o síndrome de Lasègue-Falret, elaborado pelos psiquiatras franceses Charles Lasègue e Jules Falret (1816 - 1883 / 1824 – 1902), sobre essa loucura partilhada e sincronizada / transmitida entre duas figuras, e por essa sugestão somos confrontados no calor da dualidade, a de um romance propício e destrutivo até à ambígua esquizofrenia de Arthur Fleck, novamente com Phoenix emprestado ao sacrifício. Todd Phillips, agora virado “realizador à séria”, lançando as cartas scorseseanas na mesa, desliga-se das mimesis referenciais de “Taxi Driver” e de “The King of Comedy” que corria nos veias do anterior. É nos braços do musical que se contempla a sua maturidade, “New York New York”, outro Scorsese (e um bem esquecido … ou será ignorado?) à cabeça, e com o astrolábio apontado às estrelas da Hollywood clássica do género, devolve cruelmente ao musical o seu teor escapista. 

Aqui, o escape tem perversidade mental, situa-se como estado interior das personagens, fantasias projetadas em mentes clausuradas e devaneios com o seu quê de violência anestesiada. A trupe “Looney Tunes” também entra na equação, outro efeito igualmente escapista que são aqueles desenhos animados que renegam as leis da física e da lógica, com personagens maleáveis, inquebráveis e de ferro para contrariar a fragilidade e a mortalidade do ser vivente. É dessa forma que “Folie a Deux" abre com um prólogo animado, e é desses códigos que Joker, não Fleck, se manifesta. 

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E como havia feito no desconforto da prequela, Phillips solicita as ferramentas do universo super-herois para as capturar num “cinema adulto”. Novamente, é um caso de um Cavalo de Troia, personagens de comics enfiadas numa linguagem maturada, sóbria e de técnicas reconhecíveis aos novos clássicos com selo prestigioso. Mas o que mais desafia essa tendência super-heroica, é o seu anti-clímax alicerçado a uma sensação de consequência, a sua tremenda decepção interior em prometer montanhas e oferecer-nos somente colinas, subverter as nossas expectativas ou conformidades, e por sua vez, guiando no espelho na animação-referência, retirar a natureza indestrutível que o universo de super-herois assumiu quer na tela, quer no imaginário do novo espectador “de cine”. A morte é definitiva, cada ato carrega o seu peso. 

Shyamalan havia feito algo idêntico em “Glass”, em estender a toalha para um terceiro ato frenético, parindo somente um contido e confinado conflito final, um autêntico anti-super-heroi. “Joker: Folie à Deux” é de igual registo, chega-nos como um cinema infiltrado, resultar em outra pária, talvez no prolongado das alegorias do populismo viscoso e desesperante - alimentado pelo sensacionalismo do espectáculo que os medias se converteram - na busca de agentes de caos que possam conduzir-nos a um “Novo Mundo”. Joker de Phoenix continua como esse 'messias' fabricável, mas no fundo é um miserável que procura a empatia do qual sempre lhe fora negado.

O multiverso para cada multiverso!

Hugo Gomes, 15.06.23

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Na sala ao lado, há um “Spider-Man: Across the Spider Verse" a conquistar multidões, e a temática do multiverso é moda em tudo o que é canto e até mesmo ganha óscares, portanto o que de mais ambicioso poderemos esperar deste “The Flash” é que se identifique como o filme terminal desta onda de multiversos atrás de multiversos, o merecido prego no “caixão”. Só que, pelo andar da "carruagem" (o dito “aranhiço” já anunciou sequela), não o veremos como carrasco nem sequer o desconstrutor, ao invés disso, um genérico filme de super-heróis (que dentro da sua linha é mais bem simpático que o costume) que promete teorizar o porquê do universo partilhado no qual se insere seja visto como um "cadáver ambulante”. 

Uma produção atribulada (foram mais aqueles que “saltaram” do que os “ficaram”) e uma estrela problemática [Ezra Miller], levaram a este capítulo numa aposta arriscada para uma Warner desesperada com o destino dos direitos da DC. Se por um lado, o descarrilamento da continuidade (e quão importante é a continuidade para o espectador contemporâneo!), por outro o malabarismo de tons à moda do freguês (é Zack Snyder para quem quiser e é marvelesco para quem puder), fizeram com que James Gunn assumisse as rédeas da saga e reiniciasse, “The Flash” assume, com alguma ingratidão, as reticências do velho modelo, atando os nós deixados pela visão Snyder e consolidando os desvarios e deslizes de dez anos de proclamada DCEU. É um filme neutral nesse conflito de fluidades. Mas deixemos de linhas de montagens e posicionamentos na alavancas episódicas e passemos à questão - o que esperar de “The Flash” enquanto filme? Tentarei ser rápido.

Um objeto com um pé assente na dita estranheza e outro no igualmente formulaico. Uma corrida contra o tempo em que o tempo vence o velocista e não o oposto, porque as ideias irreverentes ou outras (que tão repescadas seriam de um H.G. Wells e a sua "Máquina do Tempo”) são engolidas pela massificação da sua produção. Por entre o “estranho”, nem falemos das gags roçantes no limite da “decência” (segundo os padrões que a Disney normalizou como “family friendly”), desde a precipitação de monstruosos bebés até à escatologia em primetime, como também da exaustão de CGI “artificialoide até à quinta casa”. Algo que este cinema de super-heróis tem acelerado é a degradação da qualidade dos seus efeitos visuais, as verdadeiras “corridas contra o tempo” para cumprir agenda (são reportados condições de trabalhos miseráveis com prazos apertados), assim como o facilitismo com que se recorre à computarização, criando moldes uncanny valley. Assustador no mínimo. Como se pode evidenciar, é uma chuva de pirotecnia, glitter e faces digitalizadas, o envelhecimento desses efeitos será curto tendo em conta a sua falta de perfecionalismo, ao que parece!

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Agora, o que “The Flash” tem a seu favor, e verdade seja dita como grande parte do DCEU, são os seus intérpretes, desta feita, Ezra Miller, o terrível (e não neguemos o quão perturbadora a sua presença é para os que não conseguem separar a personagem do ator), a provar que é “menino” de costas largas no que requer a entertainment, um “looney toon” humano e suis generis. Já o retornado Michael Keaton, a sua presença que equivale a ouro aos corações de fãs mais amadurecidos, é mais uma prova das incompletas promessas a Iñarritu (feitas em “Birdman”), que de super-heróis não é suficiente veloz para fugir. E falando em vestir de super-herói, Sasha Calle a merecer o holofote kryptoniano. O resto são cameos, passagens e acenos, “bonecos à pancadas com outros bonecos”, como disse, e muito bem, Michael Shannon quando questionado sobre o seu retorno à saga. O habitual, a tendência, o espectáculo em moldes hollywoodianos. Nada de novo a Oeste, sem ser aquela “piadinha” final, surpresa deste lado (confesso), marcando o tom com que os envolvidos encararam o projeto - fiquemos pela brincadeira. 

Enquanto isso, a prova viva de “The Flash” (automaticamente dirigido por Andy Muschietti) será nas suas bilheteiras, até à data deste texto ainda não poderemos falar as consequências, mas estimar que ele será o indicador de; a) do grau de preocupação do público com o comportamento das suas estrelas (Ezra Miller é um caso a estudar); b) se o cinema super-heróis continua a ter fôlego nas bilheteiras (com os indicadores apontam um abrandamento e alguns fiascos pelo meio, indicando uma fadiga da relação para com o público; c) se o "cadáver ambulante” merece (algum) amor, ou desprezo, ou é a nota de suícidio e a carta branca para a dinastia James Gunn

Como vêem, pouco consigo falar do filme e do seu cinema, de demasiado voltas para o seu franchise, o seu mercado e a sua exaustiva  produção. Estamos mal quando isto acontece … estamos muito mal!

Destruir enquanto se lava a loiça

Hugo Gomes, 26.10.22

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A ação de “Black Adam” ocorre num país fictício, algures no Médio Oriente [Kahndaq]. O sítio, de História gloriosa, é hoje uma réstia decadente e ruinosa do seu espectro milenar. Uma imagem televisada da região para o Ocidente. Por breves momentos e sem profundidades sociopolíticas, é informado ao espectador de que a sua capital encontra-se tomada por forças estrangeiras, mercenários ou entidades sem jurisdição que fazem a sua vontade, a sua lei. Povo oprimido, aguarda desconsolado por uma figura sebastiana para que, por fim, possam “libertar”. A promessa acontece, esse Adão Negro é despertado após um “sono” milenar, tornando-se no defensor de Kahndaq, e igualmente numa ameaça ao seu exterior. 

O anti-herói, aqui interpretado por Dwayne Johnson igual a si mesmo, combate os seus mais diferentes inimigos (e possíveis aliados), no meio daquela cidadela antiga, superpopulada e “terceiro-mundista”, os embates são vistosos, deixando tudo ao redor em cacos, escombros e poeira. Destruição é um acréscimo a este cenário. Depois de cada luta, sequências de ação imperativamente computadorizadas e pirotecnia estrondosa (no sentido de poluição sonora e não o superlativo adjetivo entretanto associado), a população que após contemplar o espéctaculo sobrehumano regressa aos seus respectivos quotidianos como se nada tivesse extraordinariamente acontecido. 

Trata-se da banalização do armagedão (o fim do mundo já se converteu numa imagem tão recorrente, que o seu impacto bíblico foi desvanecido), da profecia, dos entes divinos ou assemelhados, é o sintoma de que muitos destes códigos, que abundam no cinema norte-americano para massas e com foco no tão formalizado subgénero "super-heróis" se tornaram. Sem consequências, sem causas, nem adesão a tratados de algum tipo - barulhos, efeitos e explosões formaram o circo do vulgar. E tal como as pessoas de Kahndaq, o espectador adquiriu esses anticorpos, já não se trata de um evento-cinematográfico, e sim, de mais um episódio a um seriado, o cepticismo rompido ao ver “um homem a voar” (essa frase-feita em tempos de “Superman” de Richard Donner), é hoje um bocejo vindo de uma audiência anestesiada. 

Black Adam”, assinado por Jaume Collet-Serra (“The Orphan”, “House of Wax”), realizador sem grandes ambições para além de se confundir com a indústria da sua contemporaneidade, é esse exemplo de desnorteada fórmula, cansada, prolixa e planeada até à exaustão dos seus clichés. Viremos a página …

 

“We're here to negotiate your peaceful surrender.”

“I'm not peaceful. Nor do I surrender.”

 

Foi assim que aconteceu ... um morcego conheceu uma gata

Hugo Gomes, 07.03.22

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Foi no calor do Batman de Nolan, que em uma tertúlia de café, um amigo proclamava o seguinte reparo acerca da personagem: Batman, não é nada mais que um psicótico que se mascara e que sai à noite para dar um “enxerto de porrada” a criminosos”. Rimos, acima de tudo, da vulgarização daquela linguagem como resposta ao debate do protofascismo da trilogia nolanizada. Contudo, tal frase ressurgiu no meu pensamento, ecoou-me perante esta nova aparição como uma espécie de flashback, agora sem Nolan ou Zack Snyder (mais interessado no seu universo cinematográfico que a exploração da personagem em si), mas sim com Matt Reeves, o “bom tarefeiro” na frente de uma Hollywood milionária e resiliente. 

Este, somente intitulado “The Batman”, revela-nos um vigilante “fresquinho” sem depender de uma história de origem [a génese], fragilizado, desorientado e movido pelo slogan “Vingança”, enquanto utiliza o “combate ao crime” de forma a acalentar o seu coração destroçado, que como bem sabemos, gerado pelo trágico episódio envolvente ao assassinato dos seus pais, o qual testemunhou ainda em criança. É a história do órfão em busca da sua emancipação, e por esse trilho da sua conduta, um “herói” (as aspas são importantes para trazer a ambiguidade da figura) em construção numa Gotham corrupta, também ela em plena transição, a dar lugar a uma outra cidade, um berço de “monstros” psicóticos, onde Batman brevemente chamará de “Casa”. Matt Reeves apropria-se do formato neo-noir, encostando a trama a uma narração off de cariz existencialista, onde o passado longínquo mantém-se fresco e corrosivo, e a angústia de Bruce Wayne (o ego ou alter-ego de Batman, dicotomia que o assombra) é projetada no seu método peculiar de combate - “O medo é uma arma”. 

Aqui, Robert Pattinson a nova face e corpo para a célebre máscara é uma aberração ambulante, um “bolha” impenetrável de um luto inquebrável, que revela um maior gosto e sadismo para com a bandidagem e delinquentes das ruas de Gotham do que propriamente a defesa do indefeso “cidadão de bem”. Este é o Batman que o meu tal amigo falava, o indivíduo a merecer terapia que torna a “vigilância” num analgésico para as suas dores de alma. Matt Reeves bem pode elaborar uma “escadaria” moral para o seu encapuçado das trevas, a epifania que o converterá no Batman e transformando o seu título numa palavra, por fim, pronunciável. É um risco que o realizador e argumentista tomou, neutralizar estabelecidas honras e jornadas heróicas, aquilo que torna Batman no Batman é a sua exposição para como seu “mundinho”, o biótopo citadino e de alta taxa criminal.    

Quanto a “The Batman”, o filme que chega a nós vendido como “força única” do expansivo cinema de super-heróis, é uma obra carpinteira aos mais diferentes níveis. Primeiro, no sentido argumentativo, tentando construir um pathos nesta jornada física e espiritual no “herói” enquanto edifica um universo que o rodeia, e por outro lado, através do processo (a produção) que não fazendo refém do CGI tenta emprestar o seu “corpo às balas”, por outras palavras subjugar ao enredo e não à ação como prioritário (o cinema-espectáculo é diferente do habitual, vulgo “normalizado” pela indústria, o “cavaleiro das trevas” descodifica casos de forma detetivesca e incorpora-se em jeito de thriller).

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Este é também o filme, em que Batman, lançando-se a solo no processo de "limpeza moral” a Gotham, conta com uma “aliada”, uma Catwoman (uma felina Zoe Kravitz), não um sidekick, nem par amoroso, um anexo ou possivelmente extensão do espectro do vigilante. Ela, larápia para alguns, anti-heróina para outros, partilha as dores torturantes do “órfão” Bruce Wayne, sendo que os “pecados do pai” (julgamento incentivado pelo inimigo e psicopata The Riddler, um Paul Dano naquilo que melhor sabe fazer e que encabeça uma representação da necessidade doentia de “Nova Ordem”) revelam-se tatuagens permanentes nestes errantes confortados com os seus disfarces (que não são mais que consumadas identidades). A dinamizada relação os motiva, a “alavanca” mútua para se tornarem nos protagonistas que sempre nos foram apresentados e o no qual sempre comportaram como esperávamos. É que por detrás de um assumido “Homem-Morcego”, completamente rendido às possibilidades dos (re)descobertos contornos heróicos, existe uma torturada mulher, esquiva e descomprometida, com excepção para com a sua própria sobrevivência nesta selva de asfalto. No final, a mitologia é consolidada, os peões entram em cena para mais um dia, que traduzindo em binarismos hollywoodescos, são sequelas a caminhos.   

PS: Desde “Dawn of the Planet of the Apes” (2014) que Matt Reeves desafia a percepção público-ávido pelo blockbuster logo na sua entrada. Aqui, o voyeurismo (mais “The Mechanic” de Michael Winner, do que “Rear Window" de Alfred Hitchcock) assumem como um exercício, não só de estilo, mas de captação da atenção do espectador, enquanto confecciona uma atmosfera de suspense.