O multiverso para cada multiverso!
Na sala ao lado, há um “Spider-Man: Across the Spider Verse" a conquistar multidões, e a temática do multiverso é moda em tudo o que é canto e até mesmo ganha óscares, portanto o que de mais ambicioso poderemos esperar deste “The Flash” é que se identifique como o filme terminal desta onda de multiversos atrás de multiversos, o merecido prego no “caixão”. Só que, pelo andar da "carruagem" (o dito “aranhiço” já anunciou sequela), não o veremos como carrasco nem sequer o desconstrutor, ao invés disso, um genérico filme de super-heróis (que dentro da sua linha é mais bem simpático que o costume) que promete teorizar o porquê do universo partilhado no qual se insere seja visto como um "cadáver ambulante”.
Uma produção atribulada (foram mais aqueles que “saltaram” do que os “ficaram”) e uma estrela problemática [Ezra Miller], levaram a este capítulo numa aposta arriscada para uma Warner desesperada com o destino dos direitos da DC. Se por um lado, o descarrilamento da continuidade (e quão importante é a continuidade para o espectador contemporâneo!), por outro o malabarismo de tons à moda do freguês (é Zack Snyder para quem quiser e é marvelesco para quem puder), fizeram com que James Gunn assumisse as rédeas da saga e reiniciasse, “The Flash” assume, com alguma ingratidão, as reticências do velho modelo, atando os nós deixados pela visão Snyder e consolidando os desvarios e deslizes de dez anos de proclamada DCEU. É um filme neutral nesse conflito de fluidades. Mas deixemos de linhas de montagens e posicionamentos na alavancas episódicas e passemos à questão - o que esperar de “The Flash” enquanto filme? Tentarei ser rápido.
Um objeto com um pé assente na dita estranheza e outro no igualmente formulaico. Uma corrida contra o tempo em que o tempo vence o velocista e não o oposto, porque as ideias irreverentes ou outras (que tão repescadas seriam de um H.G. Wells e a sua "Máquina do Tempo”) são engolidas pela massificação da sua produção. Por entre o “estranho”, nem falemos das gags roçantes no limite da “decência” (segundo os padrões que a Disney normalizou como “family friendly”), desde a precipitação de monstruosos bebés até à escatologia em primetime, como também da exaustão de CGI “artificialoide até à quinta casa”. Algo que este cinema de super-heróis tem acelerado é a degradação da qualidade dos seus efeitos visuais, as verdadeiras “corridas contra o tempo” para cumprir agenda (são reportados condições de trabalhos miseráveis com prazos apertados), assim como o facilitismo com que se recorre à computarização, criando moldes uncanny valley. Assustador no mínimo. Como se pode evidenciar, é uma chuva de pirotecnia, glitter e faces digitalizadas, o envelhecimento desses efeitos será curto tendo em conta a sua falta de perfecionalismo, ao que parece!
Agora, o que “The Flash” tem a seu favor, e verdade seja dita como grande parte do DCEU, são os seus intérpretes, desta feita, Ezra Miller, o terrível (e não neguemos o quão perturbadora a sua presença é para os que não conseguem separar a personagem do ator), a provar que é “menino” de costas largas no que requer a entertainment, um “looney toon” humano e suis generis. Já o retornado Michael Keaton, a sua presença que equivale a ouro aos corações de fãs mais amadurecidos, é mais uma prova das incompletas promessas a Iñarritu (feitas em “Birdman”), que de super-heróis não é suficiente veloz para fugir. E falando em vestir de super-herói, Sasha Calle a merecer o holofote kryptoniano. O resto são cameos, passagens e acenos, “bonecos à pancadas com outros bonecos”, como disse, e muito bem, Michael Shannon quando questionado sobre o seu retorno à saga. O habitual, a tendência, o espectáculo em moldes hollywoodianos. Nada de novo a Oeste, sem ser aquela “piadinha” final, surpresa deste lado (confesso), marcando o tom com que os envolvidos encararam o projeto - fiquemos pela brincadeira.
Enquanto isso, a prova viva de “The Flash” (automaticamente dirigido por Andy Muschietti) será nas suas bilheteiras, até à data deste texto ainda não poderemos falar as consequências, mas estimar que ele será o indicador de; a) do grau de preocupação do público com o comportamento das suas estrelas (Ezra Miller é um caso a estudar); b) se o cinema super-heróis continua a ter fôlego nas bilheteiras (com os indicadores apontam um abrandamento e alguns fiascos pelo meio, indicando uma fadiga da relação para com o público; c) se o "cadáver ambulante” merece (algum) amor, ou desprezo, ou é a nota de suícidio e a carta branca para a dinastia James Gunn.
Como vêem, pouco consigo falar do filme e do seu cinema, de demasiado voltas para o seu franchise, o seu mercado e a sua exaustiva produção. Estamos mal quando isto acontece … estamos muito mal!