Quando falamos em produções desastrosas não podemos deixar de lado a versão de 1996 de The Island of Dr. Moreau, uma modernização do homónimo clássico literário de H.G. Wells onde reencontramos o cientista “louco”, exilado na sua remota ilha e que exerce experiências malditas, transformando bestas animalescas em humanos.
Brincando ao papel de Deus, a decifração da essência humana, a criação de uma sociedade oprimida e controlada, são vários os elementos que no livro funcionam como uma reflexão ética dos avanços científicos, e da cada vez mais consolidação entre a genialidade e a loucura, derivação da transgressão dos formatados limites da ciência. Nesta mais recente adaptação do dito conto, a hipnose e cirurgias, processos levado a cabo pelo Dr. Moreau para converter os ditos animais em aspirações humanas são substituídos pela engenharia molecular e genética, tentado envergar por caminhos ousados e aludidos às amoralidades dessas mesmas experiências. Porém, o filme que John Frankenheimer tentou resgatar da penúria nem chega a roçar tais questões éticas que tão bem poderiam ser propostas, privando-se e desleixando-se para um espectáculo de feira, encabeçado pelos efeitos visuais e pela caracterização gerida por Stan Winston.
Todavia, voltando à temática da produção “condenada”, reza a lenda que os problemas começaram com Val Kilmer. O suposto protagonista, que devido à sua própria "birrice" de vedeta (tinha acabado de protagonizar o blockbuster da altura, Batman Forever, assinado por Joel Schumacher), foi automaticamente "encaminhado" para um papel secundário e de participação “desmembrada”, sem com isto falar das suas divergências com Frankenheimer. Segundo os rumores a desavença foi de tal forma intensa que depois da última cena gravada com Kilmer o realizador gritou "Cut! Now get that bastard off my set" (Corta! Agora tirem aquele bastardo do meu set).
Acrescentar; o realizador original, Richard Stanley (também autor do argumento), despedido após quatro dias de rodagem, tentou sabotar as filmagens, infiltrando-se como figurino, e ainda a repudia dos atores ao filme (David Thewlis que apesar de protagonista recusou estar presente na premiere). Em relação a Brando (sabendo que os anos 90 não foram favoráveis à sua carreira), este lidava com o recente suicídio da sua filha, Cheyenne, que condicionou o seu desempenho e em consequência disso um papel mais reduzido, para além de uma interpretação indecifrável onde era mais que evidente a sua falta de inspiração. Ou seja, tudo em The Island of Dr. Moreau apontava ao desastre ...
Com uma equipa desmotivada como esta, The Island of Dr. Moreau evidencia automaticamente desleixo, a começar pelo argumento, vítima de reestruturação de última hora que deixa de lado a essência do conto, até chegarmos a um elenco que, praticamente, atira o filme para as "urtigas", e claro, Val Kilmer a acusar-se de ser o caso mais agreste desse comportamento. Por outras palavras, concretizou-se a profecia, a catástrofe artística que se adivinhava, e o resultado é uma obra esquizofrénico e de um climax dissipado que antecede o próprio espectador, tendo mais pressa em chegar ao desfecho que este.
No centro de tanta "loucura" e fracassos, uma pergunta fica no ar - como é possível arruinar tal malevolamente o distorcido conto de H.G. Wells? E como não bastasse ainda temos a oportunidade de questionar - o que faz Marlon Brando no meio disto tudo? É de chorar por menos apesar do adornos.
"There is no pain, there is no law!"