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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Vem aí a 4ª edição do Cinalfama, o festival onde "cabem as várias camadas de uma cidade em movimento"

Hugo Gomes, 18.07.25

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"Cura Sana" (Lucía G. Romero, 2024): exibido dia 25 de Julho na Escadinha de São Miguel

Mais uma voltinha por Alfama com cinema revestido? Sim! Façam-se acompanhar da vossa disposição cinéfila para o 4º Cinalfama, entre os dias 21 e 25 de Julho, com sessões a decorrer em lugares-marco da cidade como a Escadinha de São Miguel ou o Museu do Fado. As exibições são gratuitas, redefinindo laços entre a velha Lisboa e a moderna, hoje imersa numa constante perda identitária, mas que, ainda assim, resiste: aos tempos, às novas oralidades, e à transfiguração do seu “calão”. Aliás, é justamente dessa base que parte o filme de João Gomes, “O Calão de Alfama”, a ser exibido numa destas noites lisboetas. 

Realizador e também director artístico do Cinalfama, Gomes aceitou, mais uma vez, o convite do Cinematograficamente Falando … para desvendar algumas novidades, premissas e promessas deste festival (toda a programação poderá ser consultada aqui.)

Este ano o Cinalfama volta a ser gratuito e a ocupar espaços públicos de Alfama. Num contexto de crescente turistificação e privatização do espaço urbano, como é que o festival evita transformar-se num mero “postal ilustrado” da cidade para consumo externo?

Em 2024 apresentámos, por exemplo, os primeiros fragmentos da nossa recolha de oralidades. Nessa sessão havia turistas e expatriados na audiência. Esses fragmentos são bem reais e to the point, sem miserabilismos nem maquilhagens tocamos em aspectos sensíveis e complexos da realidade de Alfama. Assim, fazemos a nossa parte de devolver à cidade, e concretamente ao bairro, pedaços das suas pessoas e das suas narrativas e memórias. O postal é vivo e nele cabem as várias camadas de uma cidade em movimento.

O Minuto Lumière propõe desacelerar num tempo de urgência digital. Não será este convite à contemplação uma provocação quase utópica, sobretudo quando dirigido a jovens que crescem já num ecossistema de estímulos incessantes?

Os resultados mostram claramente que não. Nesta edição, apresentaremos dezenas de Minutos Lumière, onde os objetivos de tornar o ordinário em extraordinário e em ver a grandeza em pequenas coisas foram plenamente atingidos. Não é utópico, é claramente possível. Os alunos mostraram-se inclusive motivados a participarem novamente para o ano. Sentiram-se agentes e ciosos do que de si mostraram. Querem para o ano experimentar a justaposição de planos, por exemplo. Para a frente é que é caminho.

A aposta contínua em categorias como “Micro & No Budget Film” desafia a lógica de produção dominante. Em termos práticos, como é que o festival garante que esses filmes não são apenas “resíduos criativos”, mas obras com espaço real para diálogo e crítica?

Há que continuar na procura das pepitas. Está no objeto social da nossa associação: “ampliar novas vozes”. Se restringirmos essa demanda a filmes com produtoras ou distribuidoras por trás falharíamos nessa missão. Há muito pouco espaço nos festivais para filmes “desprotegidos”. Os filmes que vamos mostrar continuam a mostrar que do menos se pode fazer mais. A história do cinema está cheia desses casos que se fossem encarados como resíduos nos teriam deixados bem mais pobres.

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"Sensible Soccers: Manoel" (David Matias e Vasco Gil, 2024): exibido no dia 24 no Museu do Fado

No documentário “Sensible Soccers: Manoel”, há um diálogo entre música contemporânea e cinema de arquivo. Considera que esta mistura entre linguagens e temporalidades é tendência, nostalgia ou resistência desta aceleração social e a suas ‘vistosas’ mudanças?

Não consigo discernir trendas com essa certeza. Não é essa a natureza e filosofia do festival e não temos a pretensão de que a nossa seleção seja um mosaico de contemporaneidade.

Ao recolher histórias orais de Alfama, o Cinalfama coloca os moradores como protagonistas. Mas até que ponto é possível criar um arquivo comunitário sem incorrer numa curadoria desigual ou romantizada das vivências? 

A resposta está na pergunta: Alfama vive, de facto, algo perdida entre uma nostalgia comunitária, um presente desapossado e um futuro incerto. Mas abordamos estas perplexidades olhando para o mundo e para o bairro. Essa dialética local e cosmopolita é a nossa singularidade. “É preciso sair do bairro para ver o bairro” está algures no nosso site.

A presença do Brasil como país convidado em 2025 projeta o festival num eixo transatlântico. No atual clima político e cultural dos dois países, o que significa esta aproximação? É apenas simbólica ou pode traduzir-se em alianças concretas de produção e resistência?

A proximidade luso-brasileira tem resistido a conjunturas diversas. Dialogar com o cinema brasileiro é dialogar com a maior comunidade emigrante em Portugal e essa relação não é simbólica, é concreta.

O que pode dizer sobre os convidados desta edição?

À semelhança das edições anteriores, o Cinalfama Lisbon Film Festival procura aproximar os realizadores e as equipas artísticas e, sempre que possível, trazê-los a este território improvável onde o melhor do cinema independente está acessível a quem visita, mas também a quem passa e fica.

Nesta quarta edição que metas pretende conquistar para servir de arranque para a quinta edição?

O crescimento é sempre uma premissa, mas trabalhamos para que aconteça sempre dentro da nossa filosofia que é de intimidade. Assim, ano após ano, o Cinalfama Lisbon Film Festival procura sempre solidificar a programação, as relações com parceiros, como o Museu do Fado, e, claro, a construção de um público que permaneça e regresse.