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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O 'Bob, o Construtor' anda ao soco!

Hugo Gomes, 24.03.25

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Talvez estejamos a assistir ao nascimento de uma nova vaga / dupla ou formato: David Ayer e Jason Statham nas implicações ao “homem sem passado”, resignado à profissão do momento e que, em tempos de apelo, distribuir pancada e justiça de mãos feitas. Recorda-me Charles Bronson em lugar cativo nos anos 80, pós-"Death Wish" lhe apresentar o estilo que o faria perdurar até ao fim da carreira, só que mais “mexido”, menos soturno e nocturno. Mas deixem-me repetir a ideia mais uma vez: encontro em Statham, esse traquinas à moda de Guy Ritchie redescoberto na ação pós-2000 e agora, no estado de amadurecimento, uma bravura digna de se sentar nessa cadeira bronsiana. Sim, é o nosso herdeiro de Bronson — estoico, pragmático, direto no justicialismo — e nada contra isso. 

Quanto a Ayer, apoia-se nesta estrela de ação, como já havia acontecido em "Beekeeper", onde resgatou Kurt Wimmer e a sua atitude anti-establishment. Aqui, “A Working Man”, com a curiosa produção e caneta de Sylvester Stallone (seria um filme destinado para ele há uns anos), volta à fórmula aparentemente esgotada, num manifesto à la "Taken" com ecos de "Nobody" e, inevitavelmente, os pós de "John Wick". Contudo, a ação, mesmo longe da surpresa e refém da decupagem clássica, não se dá por vencida perante um enredo que coloca russos e a sua oligarquia na rota do mal. Como veremos os filmes de Statham nesta transição geopolítica, ou até regionalmente política, que os EUA atravessam? Uma boa questão para sustentar essa ação passageira na memória bronsiana, com acenos saudosistas ao videoclubismo perdido.

Sentimos com isso, ultimamente, a nostalgia dessa indústria. Ou será o cansaço das mega-produções a conduzir-nos a estes filmes médios e de estímulos básicos, a falar mais alto? Statham dá porrada … e é isso que importa para o destino da Nação.

Um Charles Bronson 'embriagado' em redbulls!

Hugo Gomes, 17.01.24

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Jason Statham está cada vez mais próximo do legado deixado, ainda por preencher na sua totalidade, por Charles Bronson (1921 - 2003), o de um justiceiro moralista e professoral, que não esconde os seus pragmáticos métodos de execução (possivelmente simplistas), dividindo ao soco e ao pontapé a violência enquanto castigo redentor. Se Bronson, nos anos 70 e 80, se tornou nessa figura de vinganças brejeiras e sem consequências para a sua existência (um bem maior para a sociedade), Statham, mesmo sendo mais atlético e físico (obviamente), expressa em trilhar caminho para ocupar esse lugar escasso de concorrentes, fazendo-o com mais precisão em projetos aparentemente fora dessa mímica, em vez de simplesmente repetir feitos anteriores (nunca devidamente replicados), como no duo “The Mechanic”, cuja comparação com o original de Michael Winner (fiel colaborador de Bronson) é bastante embaraçosa.

O britânico avista terra depois de ter trabalhado com o homem que praticamente o “descobriu” - Guy Ritchie - em “Wrath of Man” (2021), obra entregue às penitências de proporções bíblicas e estilos contidos em relação ao já satirizado toque ritchienescos que prenunciava uma mudança, ora mais madura e desafiadora, ao protagonista. Tal parece não ter se cumprido, sendo que o chamamento de Stallone num quarto (e não muito antecipado) “The Expendables” (2023) e um segundo round contra um tubarão pré-histórico ["The Meg 2"] o fez desviar o percurso. Porém, Statham aperta agora a mão a um David Ayer em desgraça e a um Kurt Wimmer cada vez mais invisível em “The Beekeeper”, uma coletânea imersa nos mais variados truques do cinema de ação hollywoodiano, desde alas secretas da CIA até ao ‘momentum’ “John Wick”. No entanto, é na representação deste Statham envelhecido, mas para lá das curvas, negando a sua possível decrepitude, que ele declara sem poesias algumas: "Roubar aos idosos é pior do que roubar crianças, porque as crianças têm pais e os idosos não têm ninguém que os defenda". Justiceiro de praça, com moralidades de história debitadas não muito distantes daquelas que Bronson, com o seu calibre máximo, diria de peito cheio em um dos seus “Death Wish”.

Uma simplicidade não apenas discursiva, mas também motivadora, numa fase em que desejamos desconstruir e humanizar, ou ceder à própria ambiguidade. O nosso "beekeeper", "apicultor" em bom português, desfaz os seus inimigos com os sete artifícios de matança, um dois mais dois, resultado fácil e sem dúvidas. O alvo da vingança demagoga de Statham também se estende a escadarias altas, não falamos de "ladrõezecos", serial killers ou gangues de qualquer género, não é a ralé ou o bicho-homem que abordamos, mas colarinhos brancos, altos comissários do pecado imperialista. Jeremy Irons, aqui interpretando um dos anti-herois acidentalmente envolvidos neste rasto de mortes súbitas, é confrontado com a pergunta: "O que prefere, dinheiro ou poder?". A hesitação da personagem de Irons face a esta questão revela a sua complexidade, ou a sua dissociação neste mundo neo-liberal anarcocapitalista. Não há dinheiro sem poder, nem poder sem dinheiro. Logo falamos.

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Com todo este discurso, parece que estamos a "vender" (palavra nefasta na crítica de cinema) um filme de Statham na quintessência da ação contemporânea. Nada disso, é direto e corriqueiro na sua execução, mesmo que assuma firmeza nas sequências de ação e algum gore lúdico. Daí surgirem as enésimas comparações com a saga “John Wick”, isso, e o anonimato do protagonista que se revela num complicado "bicho-papão" para qualquer Poder estabelecido. Essa rebeldia às estruturas político-sociais, iluminando a modernidade como a nova distopia científica, é marca do argumentista Kurt Wimmer, que, para quem esqueceu, aventurou-se em 2002 num cruzamento bastardo entre “Matrix” e Ray Bradbury - “Equilibrium” - um culto "patinho feio". Mas tal como Ayer, castigado por “Suicide Squad” (2016), Wimmer teve igualmente o seu acidente no caminho que o projetou para a liga B (“Ultraviolet”, 2006).

Voltando a “The Beekeeper”, mesmo com as piscadelas a eventuais franchisings, é um ensaio de porrada satisfatório. É um filme em estado de embriaguez, porque longe de nós encará-lo desmiolado, no entanto, sem consciência das suas ações.

Sem ou com crachá

Hugo Gomes, 07.03.14

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Como já dizia Jack Nicholson em The DepartedWhen I was your age they would say we can become cops, or criminals. Today, what I'm saying to you is this: when you're facing a loaded gun, what's the difference?”, conselho que parece fazer sentido face a um filme como este Street King, em que policias e criminosos pouco ou nada se distinguem. Uma mistela cada vez mais usual para se expor como uma denuncia a essa diluída equação binária. Porém, muitos seguiram estas mesmas pisadas, a quebra do fascínio da violência e do vigilatismo de ‘70 e o choque frontal com 11/09/01, levaram a América, neste caso a Hollywood, a dissecar o seu próprio sistema de combate à criminalidade com um olhar não tão ingénuo assim.

É o auscultar das “cicatrizes interiores”, é a ambiguidade como veste para a conceção de “novos heróis” … ou mais precisamente a desconstrução dos velhos e do próprio conceito. Antoine Fuqua e agora este emancipado David Ayer, um novo subgénero dentro do formatado policial. Pena, que em Street Kings, a permanência de um estilo não o resgata da “garras” do corriqueiro.