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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Na reconstrução de uma besta mitológica. Uma conversa com o realizador Dan Wayne e o seu "Big Fur"

Hugo Gomes, 02.02.20

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Apresentado no último Festival de Slamdance, “Bug Fur” centra na “epopeia” de Ken Walker, um muy habilidoso taxidermista, em recriar aquilo que acredita ser a reconstituição mais próxima do Pé Grande. Um dos casos de o Homem sonha, a Obra acontece, mesmo que os olhos de dúvida e descrença o menosprezem e o minimizem a um mero artesão, ou pior que isso, um louco, mesmo assim Dan Wayne devolve a dignidade a uma Arte nem sempre apelidada de tal e através dos delírios de um homem nato, propõe-nos descer “à terra” e conviver com os mortais. 

Falei com o realizador deste documentário que começa por captar o apontado ridículo, somente uma capa “protetora” de algo mais, uma história humana, a crença propriamente dita, essa vontade indómita de prosseguir, e a verdade é que não existe mais humano que isso.  

Em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-lo pelo seu filme. Mas preciso perguntar isto: você compartilha as crenças de Ken Walker sobre a existência do Pé Grande?

Obrigado, Hugo! Nunca tinha pensado duas vezes sobre o Pé Grande antes de conhecer Ken. Mas ele é alguém muito atraente e convincente e é um especialista no assunto. Ele me levou para onde é conhecido como área de habituação do Pé Grande e mostrou-me algumas coisas difíceis de explicar. E estando no vasto deserto canadiano, não era difícil imaginar que um hominídeo selvagem pudesse viver lá sem ser visto durante anos-a-fio.

Como é que encontrou Ken Walker e como surgiu o interesse pela sua história?

Comecei a estudar taxidermia – sempre me interessei por esta subestimada forma de arte, uma combinação de arte e ciência. Mas quando conheci algumas das interessantes personagens que o praticavam, os meus instintos de contar histórias assumiram o controlo e percebi que tinha em mãos material para um documentário. Conhecia o trabalho de Ken. Ele é o melhor do Mundo e é conhecido pelas suas recriações, que envolvem fazer um animal extinto ou um em perigo de extinção a partir da pele de outro animal. É uma forma única de taxidermia que requer muita pesquisa e criatividade. Aproximei-me de Ken para ver se ele estaria interessado e automaticamente ficou muito entusiasmado com a ideia. Quando me disse que iria construir um Pé Grande, no “estalar de dedos" sabia que tinha encontrado o meu filme.

Ken Walker refere também à taxidermia como uma forma de arte subestimada, mas rigorosa e multifacetada. Visto que concorda com ele, questiono se é possível que se olhe para a taxidermia como um método de trabalho a poder destacar no meio cinematográfico?

Acho que a taxidermia é uma forma de arte fascinante que requer uma ampla gama de habilidades e espero transmitir isso no meu filme. É um casamento interessante entre arte, artesanato e ciência e, quando estas “coisas” são bem feitas, os resultados podem ser impressionantes. Muitas pessoas me disseram que “Big Fur” abriu os seus olhos para algo que nunca pensaram enquanto arte e ficaram surpresos, depois de ver o filme, quanta habilidade e talento são necessários para o manejar.

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Criar uma ilusão de vida não é diferente de um truque de mágica”, em “Big Fur” você muda constantemente de temas e ênfases no quotidiano e no universo de Walker; a recreação do Pé Grande, a sua relação com a taxidermia e, por fim, o seu casamento e vida afetiva. Poderia-me falar sobre como decidiu esse tipo de foco múltiplo e como é difícil recrutar o que a vida de Walker poderia ser?

Big Fur” é um documentário biográfico. Enquanto seguia Ken por alguns anos durante o processo de construção do Pé-Grande, o meu objetivo era mostrar como a sua vida é, de facto, multifacetada. E quando um evento que mudou a minha vida aconteceu durante estas filmagens, não tive outra opção a não ser incluí-lo. O filme inclina para todos os lados e esse foi o meu maior desafio – amarrar tudo.

Curioso Walker mencionar “Psycho” de Hitchcock como um dos impulsionadores da má reputação do taxidermista na sociedade. Esta arte continua a ser atribuída como um hobby de maníacos e psicopatas.

Muitos taxidermistas confessaram-me que lutavam contra o estereótipo de Norman Bates e outros estigmas associados à sua profissão. Incluí muitas referências a “Psycho” ao longo do filme, incluindo os créditos de abertura – uma referência aos créditos de abertura de “Psycho” de Saul Bass – é uma paródia da famosa cena do chuveiro.

Já está a pensar em novos projetos? Pretende ser visto como documentarista?

Estou a desenvolver uma série episódica para a  TV baseada na trilogia épica que será publicada em breve pelo meu produtor Mark Gardiner intitulado de "Lasquatch, an Authorized Biography of the Last Sasquatch". Com a sua espécie ameaçada de extinção, o último Pé-Grande sai da floresta onde vive e se joga numa violenta luta política entre ambientalistas e grandes empresas. Como “Big Fur”, ele usa o ícone da cultura pop para abordar algumas questões sociais e ambientais sérias. Provavelmente farei outro documentário também.

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Hugo Gomes, 29.01.20

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Era fácil “Big Fur” cair na paranóia ou redigir-se nas proféticas tertúlias de loucos, mas existe um ponto a seu favor: o taxidermista Ken Walker é somente um dos melhores e mais respeitados da sua área, logo não estamos a lidar com delírios.

Para Ken Walker, a taxidermia é mais que um hobbie, é uma arte eclética e sobretudo desvalorizada, a “criação de uma ilusão de vida que não difere de um truque de magia” (parafraseando o artesão), que lhe garante as ferramentas necessárias para executar uma “fantasia”. Quer dizer, para alguns, mas para Walker é bem real. Falamos do Bigfoot, o Pé Grande, o Sasquatch; diversos nomes para uma criatura símia que julga-se viver nas densas florestas da América do Norte, e que foi apanhada em vídeo em 1967, um registo ainda hoje discutido quanto à sua veracidade.

O taxidermista jura a pés juntos que o viu e como tal decide recriar esse testemunho na sua arte. A grande oposição neste ato é que Walker não é nenhum parolo; o seu conhecimento da fisionomia animal garante-lhe a legitimidade no processo deste documentário, quer na exploração do mito, quer na sua vida afetiva e profissional, que de certa maneira se diluem.

Big Fur” assume-se como um documentário em torno de um único caso de estudo, mas trai-se a si próprio, oscilando por temáticas ou abordagens que vão muito mais além do que o somente o “sonho molhado” do Pé Grande ou dos excrementos congelados guardados no frigorífico de Walker, que, segundo este, tratando-se de uma prova da existência da besta mitológica. Contudo, Dan Wayne consegue uma obra modesta e tratada com uma certa leveza alucinante, mesmo que despachada pela gula de um realizador inexperiente ao sabor dos tiques televisivos.

Quanto às questões levantadas, estas continuam intactas até ao genérico final, encarando-se como uma espécie de visita guiada ao “ninho de cucos“, que só nós, espectadores, assumimos como uma presunção de “superioridade moral“. Portanto, é ver sem julgar os focados, porque há mestres nas artes mais menosprezadas, e nem sempre queremos saber.