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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

“Que Mulheres serão estas?”: a questão que vira sessão de curtas sobre mulheres ... e que mulheres!

Hugo Gomes, 04.10.24

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“Que mulheres serão estas?”, a pergunta que se faz de título, e o título que se faz de pergunta, talvez na persistência do dilema do que é uma mulher, e o que se faz para ser mulher. Decretos feministas, portanto, mas mais que isso, é a vontade de esmiuçar um género, ou além disso uma identidade, a partida dela nasce a iniciativa cinematográfica, três curtas portuguesas para fazer jus à tendência que desejamos tornar tradição. Essas sessões triplas, três produções cada uma delas oriundas de uma diferente produtora, cada uma correspondendo a uma visão e a uma definição própria de mulher. “Que Mulheres Serão Estas?” a questão que vira sessão.

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As Sacrificadas

Seguimos à tradicional e à sacrificada se não fosse esse também o título deste projecto - “As Sacrificadas” - sobre martires e forças, segundo se crê sobrenaturais, que o sexo feminino parece apresentar, neste caso a Otília (Tânia Alves), dividida entre o trabalho, em ser cuidadora da sua mãe e ainda, sob a ameaça dos fogos estivais. Uma curta que chega-nos ao circuito comercial com sabor de zeitgeist, um drama que borboleteia por esses temas e que revela “mão firme” de Aurélie Oliveira Pernet. Contudo, é um filme ausente, pertinentemente e perversamente, do seu lado incendiário. Entende-se a sensação de drama semi-rural enclausurado (mas sem fascínio algum para com esse meio), continuamente fechado a esta mulher de força avassaladora, e em consequência, cada vez mais apagada enquanto identidade, a tradicional e igualmente oprimida, nem que seja pelos códigos estabelecidos sociais, a da mulher, e aí está, sacrificada em prol de outros. 

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By Flávio

Depois segue a emancipação de uma outra mulher “aprisionada”, e não por menos desprezada, Márcia (Ana Vilaça), uma experiente em questões de redes sociais, sendo esse o seu escape, contrariamente condenatório à sua persona. Jovem, solteira e mãe, e com um pouco de inconsequência pelo meio, ela é, à partida, olhada de vesga pelos restantes, a irresponsável vista à lupa da tal sociedade que ordena e julga. “By Flávio”, curta de Pedro Cabeleira, uma das grandes ‘promessas’ do cinema português o qual não canso de insistir (basta conferir “Verão Danado”), trabalha aqui um filme sobre duplas vidas e de duplos desejos, com humor ácido e estéticas embebidas numa artificialização da fantasia pop. É um gag prolongado sobre as ditaduras visuais e aquilo que se prende nos “padrões socialmente seduzidos” do que é uma “mulher de descarte”. Vista as ‘coisas’ é uma emancipação feminina, da improvável, a suposta que “não vale um chavo”, corpo acima do resto, contra as convenções que a aprisiona. No final - “Sou eu e a puta da shotgun” - o grito de guerra da luta de quem por direito anseia uma nova feminilidade.  

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Um Caroço de Abacate

Já a terceira e última curta - “Um Caroço de Abacate” - de Ary Zara (cuja história da sua transpassagem encontra-se presente no documentário “Ary” de Daniela Guerra), lida com uma sombra preconceituosa, a do fetiche inicialmente, aqui representado por Ivo Canelas, homem cis que sente o fascinio pelo mundo de Gaya de Medeiros, aqui como mulher trans e prostituta, que numa certa noite decide mostrar-lhe um caminho alternativo ao lascivo da fantasia oculta. Das três é a historieta mais arriscada, até porque “puxa o tapete e sacode o pó” dela em temas e dilemas que numa sociedade ainda presentemente conservadora tende em negar, e curiosamente, o filme de Zara poderia funcionar nesse panfleto do que é mulher ou não é mulher, as fronteiras da identidade com o seu género, e agressão ao conceito de cisgenero e heteronormatividade. Poderia … mas para quem viu “Ary” apercebe que da sua experiência o ativismo é humano, é sentido, daí “Um Caroço de Abacate” jogar com o seu maior trunfo, a sua delicadeza e carinho para com as suas personagens, deixa de lado o discurso demolidor e transgressivo e se concentra num episódio “After Hours” com “Before the Sunset”, sem malapatas e nem romances acima da carne, apenas dois indivíduos de traços quase almodovarianos partilhando um mundo, uma dança, e uma expectativa. Empatia sobretudo, é a arma de guerra de Ary Zara, e nesse sentido faz mais pelas supostas “causas” que muitos irão realçar do que os verdadeiros “filmes de causa”. Somos humanos, e é o que importa, o resto é “conversa de tesão”. 

Os rostos nos "Ossos"

Hugo Gomes, 25.09.24

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Hoje recordei “Ossos” de Pedro Costa, possivelmente dos seus filmes o que menos vezes revi. Sempre foi, para mim, um "filme de negação", ostentando a arquitetura que o cineasta viria a ser reconhecido, analisado e admirado anos depois, após o convite a um quarto particular. Mas da minha última experiência, já longínqua, o que retive foram os rostos, a peculiaridade daquelas faces que ocultam histórias — e histórias, às quais o filme nunca ousa 'tocar'. Ao rever [como se o estivesse a ver pela primeira vez] em 4K, é essa particularidade que se torna saliente: aqueles rostos, aqueles "sujeitos" impressos num cinema ainda em plena autodescoberta. E não é o cinema exatamente isso? Uma prolongada reinvenção? Os contornos assimétricos, atípicos, banalizados em "vidas malditas" são pinturas ora entregues à escuridão, ora ao gótico venerado com exatidão pelas sombras. “Ossos", o filme insatisfeito de Vanda Duarte, uma dessas protagonistas faciais, regressará aos cinemas portugueses a partir do dia 10 de outubro, preservando a sua enigmática presença. A sessão será antecedida pelo operático “Filhas do Fogo", mas isso será outra conversa.

A realidade ganha aos pontos

Hugo Gomes, 12.09.24

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Gosto de pensar em “Reality”, a primeira longa-metragem de Tina Satter, como um filme inconscientemente moldado por uma ideologia contemporânea, e não... não me refiro à sua história real [reality] — a de Reality Winner, uma ex-especialista de tradução ao serviço da NSA, que divulgou aos media documentos comprovando a intervenção russa nas eleições de 2016, as mesmas que Trump venceu — e sim ao seu processo e à sua ligação quase imperativa para com conceito de realidade (mais uma vez, “reality”). O filme não esconde esta intenção, delatando-se desde o seu início sobre a natureza dos seus diálogos e performances: foram adaptados a partir de um relatório do FBI, sustentado por gravações captadas do ato de detenção de Winner. Assim, “Reality” assume-se como uma realidade-modelo, a musa dessa pintura que se dá pelo nome de dramaturgia; seca, repleta de impasses e diálogos pouco ou nada trabalhados em prol de um … aí está mais uma vez … realismo reconhecível.

Da mesma forma, as interpretações são recatadas, contidas e, por vezes, inertes, Sydney Sweeney, com a sua permanente "resting bitch face" colhe todas essas propriedades que o espectador convence-se do verdadeiro estado. A de uma “realidade identificável”, cuja abordagem reflete uma tendência que se tem alastrado no cinema contemporâneo, possivelmente enquanto resposta à sobrecarga de imagens a qual somos diariamente sujeitos em modo torrente, ou até aos canais de notícias 24 horas, que nos habituaram à captação do imediato e à exibição das chamadas "imagens reais" (onde até Artur Albarran poderia fazer o seu cameo numa tradução portuguesa). Ou seja, é a "realidade" que vemos e experienciamos nesses medias, assumindo-a como "verdade absoluta", e que nos confortamos em vê-la reproduzida na ação, no tempo e nos atores. 

Mas, quanto mais o cinema tenta aproximar-se dessa "realidade", mais se afasta do Cinema propriamente dito (já clamava Manoel de Oliveira, que sei que não é para aqui chamado). É o realismo como um “olhar de ninguém”, e por mais competente que “Reality” seja - e tem competências em diferentes ramos - trata-se de um filme esteticamente nulo, desprovido de personalidade, por assim entender em estar na corrente dos seus factos verídicos. 

Por outro lado, enquanto filme de denúncia, a estreia de Tina Satter é uma precipitação em terreno alagado. O que se destaca, verdadeiramente, é a atuação de Sydney Sweeney, aqui despida do seu famoso lado de fantasia hollywoodiana.

Kira Muratova: uma cineasta de três corações a (re)descobrir

Hugo Gomes, 23.08.24

transferir.jpegThe Long Farewell (1971)

Dois filmes de Kira Muratova chegam às salas em cópias restauradas, um lembrete de uma distribuição que resiste ao imperativo daquela dominância americana e dos entretenimentos imediatos, e que, de uma forma ou outra desafiam a cinefilia destas bandas. “Brief Encounters” (1967) e “The Long Farewell” (1971), as primeiras obras a solo da realizadora, e aí, cada um por motivos diferentes, os impasses para a sua proliferação artística. Tendo sido “proibida” filmar por anos e após anos, ordens das diretivas do regime soviético da altura (“Getting to Know the Big Wide World”, em 1980, marcou o fim desse “castigo”), e cuja vinda da perestroika e a consagração de “The Asthenic Syndrome” (1989, vencedor do Urso de Prata de Berlim), “libertaram” essas mesmas obras, dando ao mundo uma cineasta sem igual. 

Mas apesar destes anos todos, a questão permanece: quem é Kira Muratova? Uma mulher em conflito, nem que seja pela sua inconsciência ou o (in)fortúnio da sua existência. Nascida em 1934, na região de Soroca, hoje Moldávia, Kira Korotkova (tendo adoptado apelido Muratova durante o breve enlace com o seu co-realizador Oleksandr Muratov), formou-se em cinema no Instituto Gerasimov de Cinematografia, em Moscovo, antes de se radicar em Odessa, local onde produziu a maior parte da sua obra e que viveu até o seu último suspiro, em 2018. Ou seja, moldava de raíz, russa de mente e ucraniana de coração (nacionalidade que adquiriu após a independência), três partes de uma geografia próxima e igualmente distante, hoje, como é evidente, em conflito, um reflexo, ora involuntário, de uma conturbação interior, que iria marcar o seu estilo e estética, da narração ao visual. 

Desde os primeiros passos na realização, em 1961, Muratova revelou-se numa presença incómoda para o regime soviético, recusando-se a ceder às rígidas “normas” do realismo socialista, pontuando por narrativas erráticas, fragmentadas como um caleidoscópio emocional, o uso atípico do som, e a criação de personagens grotescas e desoladas, num delinear de um retrato socialmente corrompido e na decadência moral, sufocada pela estagnação brejneviana. Constantemente acusada de um niilismo quase misantrópico, Muratova manteve-se, mesmo após o abrandamento da censura, como exploradora dos abismos da condição humana e da sua “simbiose” para com a ideologia político-social em voga. Existia nela uma rebeldia, uma vontade de romper cânones de pensamento e proferir uma estética do absurdo e igualmente atenta às correntes artísticas que lhe atravessavam.

 

“Brief Encounters” (“Breve Encontros”, 1967) 

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A província serve de palco - aliás, palavra adequada visto que os flashbacks que servem de essência a esta narrativa encostam-se nessa dimensão algo teatral … mas já lá vamos - nesta sua primeira longa-metragem emancipada, onde já se anunciava o seu estilo com ecos da Nouvelle Vague francesa. Embora cronologicamente situado duas décadas antes, o filme foi mantido na escuridão até ao tempos da reconstrução (perestroika), sendo revelado ao mundo apenas pouco antes de “The Asthenic Syndrome”. 

É um triângulo amoroso entre Valentina (interpretada pela própria Muratova), uma funcionária regional em Odessa (“Caros camaradas …” desta forma somos apresentados a ela, por via da sua devoção partidária-ideológica), o seu marido Maksim (Vladimir Vysotsky, poeta e cantautor russo), e a jovem Nadia (Nina Ruslanova), uma empregada doméstica, que, sem o saberem, partilham um passado amoroso com o mesmo homem. A fragmentação destas relações é simbolicamente espelhada em objetos como pratos quebrados e uma guitarra com cordas partidas, exaltando a irreparabilidade do que se perdeu. A estrutura não linear do filme, tecida por esses flashbacks, os únicos onde Maksim se manifesta corporalmente, invocam o desejo aliado ao adultério e por consequência à condição feminina, que previsivelmente levaram à censura da obra. 

 

“The Long Farewell” (“O Longo Adeus”, 1971)

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Na sua segunda obra a solo, Muratova centra-se na dolorosa tensão entre uma mãe dominadora (Zinaida Sharko) e o filho (Oleg Vladimirsky) que dela se afasta, exprimindo um desejo de viver com o pai. Pedido esse, que fora interceptado pela própria progenitora.

Esteticamente mais elaborado que o anterior (tem um tom felliniesco, principalmente no seu retrato com burguesias alienadas), este é um filme mais concentrado nos não-ditos do que as palavras proferidas pelas personagens. Existe uma tensão previsível desde o ínicio, e essa “tirania” maternal conduz o filme para algumas imagens-alegóricas, seja essa dissipação para com um regime controlador ou o exodus ideológico de uma “Mãe Rússia” na sua decadência. Conforme a interpretação, é na sua abordagem vanguardista que Muratova julgou ter sido a sua condenação à censura - a subserviência a visuais e narrativas impostas pelo ocidente. 

Sendo assim, aquele final, a de uma mãe a provar a um mundo (mais concretamente uma figurativa plateia) que a ridiculariza, ter ainda a digna hipótese de ostentar o seu status, em contradição para com um filho embaraçado e defensor de outras vias. Tal pode-se traduzir nessa rebeldia que a realizadora bem entende - a história de duas “Rússias”, por via de uma geração que acredita, em oposição às anteriores, em outras soluções para além da conservação do regime e de um sonho utópico. 

Aliás, falando em utopias e virtudes comunistas que só em terreno onírico existem, Muratova é uma forte e ácida crítica a essas mesmas fantasias. Estas duas obras, uma mais ostensiva que a outra, pavoneiam essa mesma ofensiva. Uma realizadora num conflito interno que deixa transparecer numa linguagem, que só o Cinema conhece como ninguém.

Um anjo no Cinema, um diabo na Terra: para Alain Delon a Sétima Arte foi sua e apenas sua.

Hugo Gomes, 18.08.24

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La prima notte di quiete (Valerio Zurlini, 1972)

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Rocco e i suoi fratelli (Luchino Visconti, 1960)

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Plein soleil (René Clément, 1960)

Um galã, um “adónis", um “anjo de olhos azuis”, uma figura controversa, uma “besta” disfarçada, um sedutor endiabrado, o “ator mais cool”, o senhor, o heroi e o vilão. Estas e muito mais designações ou cognomes para aquele que foi, em todas as perspetivas, uma imagem incontornável do nosso tempo, do nosso cinema, do conceito tido e fora de Hollywood de estrela de cinema. Alain Delon, com as suas enigmáticas íris azuladas, o rosto angelical petrificado o qual conservou até à sua avançada idade, sucumbiu pelas leis da Natureza, a lição é que nem ele é eterno. O primeiro Ripley do cinema, o parceiro do crime de Melville, o nêmesis da dupla da improvável Charles Bronson e Toshiro Mifune, a outra e conturbada metade de Monica Vitti em desígnios antonionianos, as suas carícias no corpo de Romy Schneider com piscina incluída, a vida, essa, maldita que lhe pesou nos ombros pela condução de Visconti, mais a nostalgia de um leopardo numa das mais belas incursões cinematográficas de sempre. Olhar para Delon é mirar cinema em toda a sua forma, e, tendo em conta o seu “ponto final”, quer o seu lado heroico, quer o seu lado ‘velhaco’, consoante a posição de quem a égide, de momento nada mais importa. O corpo vai, e o espectro, esse, emoldurado no Cinema, persiste. Longe de tudo. O cinema fazia parte do ADN de Delon, não há rosto mais patrimonial destes últimos anos que a dele.

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"L'Insoumis" (Alain Cavalier, 1964), filme que serviu de inspiração para a capa do album "The Queen is Dead" da banda The Smiths

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Com Romy Schneider em "la Piscine" (Jacques Deray, 1969)

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Le Samouraï (Jean-Pierre Melville, 1967)

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L’Eclisse (Michelangelo Antonioni, 1962)

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Com Agnès Varda na rodagem de "Les Cent et une nuits de Simon Cinéma" (1995)

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Le Cercle Rouge (Jean-Pierre Melville, 1970)

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Com Charles Bronson na rodagem de "The Red Sun" (Terence Young, 1971)

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Com Claudia Cardinale no magnífico "Il gattopardo" (Luchino Visconti, 1963)

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Zorro (Duccio Tessari, 1975)

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Nouvelle Vague (Jean-Luc Godard, 1990)

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Astérix aux Jeux olympiques (Frédéric Forestier & Thomas Langmann, 2008), um dos seus últimos papéis

 

Alain Delon (1935 - 2024)

Debates sobre Cinema Português, para que vos quero?

Hugo Gomes, 20.06.24

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Na rodagem de "Revolução (Sem) Sangue" de Rui Pedro Sousa, até à data o filme português com mais espectadores em 2024

Desta vez tenho que tirar o chapéu a Jorge Mourinha por esta pertinente (mais disto, por favor) crónica influenciada pelos debates (nada enriquecedores) dos Encontros do Cinema Português, promovido pela NOS Cinemas. O último deste segmento que presenciei foi o de 2020, que após despachar filmes portugueses sem eira nem beira, culpavam os filmes pelos seus fracassos e o facto de uma representante da NOS (julgo ser a mesma que Mourinha referencia no seu texto), afirmar que a distribuidora / exibidora é um empresa que vende "filmes para millennials" (é que nem sabem sequer o que é um millennial), o que prova que há um problema nestas chefias.

Sobre o cinema português e o seu público, o tema mais complexo do que encostar as produções à delegacia ou paternalizar os espectadores com os “que eles querem ver”, traduzindo-os por comédias de teor televisivo. Ou mais grave, um representante da RTP a tratar filmes com conteúdos e a maldizer dos “festivais”.Há muito por onde começar e são poucos os parágrafos para acabar, mas uma ‘coisa’ é certa, tivemos obras de Manoel de Oliveira em pleno anos 90 que fizeram mais espectadores que “Soares é Fixe”, portanto, como explicar isto sem ser o de apontar o dedo aos mesmos?  

Anouk Aimée (1932 - 2024): permissão para contemplar os teus olhos

Hugo Gomes, 18.06.24

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Foi Lola, Madalena, a esposa do fictício e ao mesmo tempo autobiográfico realizador de “8 ½” e a eterna companheira de Jean-Louis Trintignant nas demandas amorosas de Lelouch, foi isso sim, mas deixem-me acrescentar à lista das homenagens um pequeno e sedutor papel de Anouk Aimée, que por detrás das cortinas vermelhas, ou por debaixo de uma mesa de jantar, a sedução em pessoa acompanhado, contrariamente, por um olhar meigo, daquela meiguice proustiana que transporta qualquer homem para os “braços da sua mãe”. Aconteceu em “Le Rideau cramoisi”, curta tentadora do crítico Alexandre Astruc (1953), crimes de paixão que especificam o poder daqueles olhos que o enlouqueceram. 

A escola da vida e do cinema ... vénia a Roger Corman!

Hugo Gomes, 12.05.24

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Roger Corman e Vincent Price

Jonathan Demme, Francis Ford Coppola, Jack Nicholson, Dennis Hopper, Peter Fonda, Peter Bogdanovich, Charles Bronson, Joe Dante, James Cameron, Sylvester Stallone, Martin Scorsese, entre outros. O que é que liga todos estes nomes? Roger Corman! O homem, o realizador, o produtor, o ator (pasmem-se!), a escola de cinema, a instituição, longe dos pejorativos termos de “liga dos últimos”. Em Roger Corman, tratava-se apenas do início, parte de uma Nova Hollywood enquanto tubo de ensaio. Para além disso, reduzir o seu percurso e estadia nestas andanças de Hollywood à sua margem, é sermos ingratos, ou simplesmente ignorantes, escolham. Hoje despedimo-nos de Corman, triste fado, com isto recordo o meu breve encontro com a sua pessoa, aquando da sua visita a Lisboa durante o Festival MOTELX, e o desafio de tentar reduzir o seu trabalho de mais de 60 anos em meros 15 minutos. Foi uma experiência um tanto desafiadora...

Obrigado Roger … (1926-2024)