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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Dance to me to the end of love"!

Hugo Gomes, 13.06.19

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8 1/2 (Federico Fellini, 1963)

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Scent of a Women (Martin Brest, 1992)

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Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)

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Mia Madre (Nanni Moretti, 2015)

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 The Lobster (Yorgos Lanthimos, 2015)

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Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963)

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Le Notti Bianche (Luchino Visconti, 1953)

"Dumbo": à conquista dos céus, longe do coração

Hugo Gomes, 27.03.19

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Talvez seja difícil falar sobre este “Dumbo” em imagem real sem mencionar o original de 1941, a animação que conquistou o Mundo e arrecadou um importante prémio em Cannes e o Óscar de Melhor Banda Sonora.

Hoje possivelmente um pouco esquecido devido à obsoleta narrativa e do sistema politicamente correto que condena a fase negra "disnesca", foi uma animação importante historicamente que nos remete para a problematização da discriminação em tempos de Guerra. A raça orgulhosa dos elefantes (ou, será melhor, elefantas) que desprezavam o pequenote de orelhas colossais que, certo dia, descobre o dom de voar, poderia servir de uma alusão amenizada aos ideias da supremacia branca doutrinadas pelo sistema nazi. 

Olhando para trás e com uma perspectiva de século XXI, é evidente que em “Dumbo” (a animação), essa contextualização à sua contemporaneidade e ao mesmo tempo, ao contrário do senso comum, é um filme longe do chamado “happy ending” tradicional, visto que a ênfase do elefante voador, surgido de "paraquedas" num último ato (logo após a uma sequência alucinante de bebedeira por parte do nosso protagonista paquiderme), é sobretudo um escapismo ao ambiente vivente da altura. O impossível desta criatura alada é a impossibilidade de uma paz encontrada numa Humanidade em extremo conflito, daí justificar aquele final feliz rompante, caricato e, de certa forma, absurdo para com a coerência narrativa.

Fugindo do longínquo filme original, este novo “Dumbo” é marcado por outras demagogias, nomeadamente mais capitalistas do que criativas. Em plena febre dos "remakes live actions" do seu espólio, a Disney decide contratar o já perdoado Tim Burton (após a curta de 1984 "Frankenweenie", chegou a estar numa espécie de lista negra do estúdio) e atribuir-lhe a batuta desta reimaginação.

Convém sublinhar que “Dumbo” afasta-se do antecessor tentando, através da sua limitação produtiva, encontrar uma liberdade artística. Obviamente que, sendo diferente das cópias exatas que o estúdio lançou nos últimos tempos, o filme de Burton destaca-se dos demais, mas sem isso afirmar a sua superioridade. Descartando-se ratos e outros animais falantes e com foco no elenco humano, esta versão está acorrentada à sua forma de "filme de família" pavoneada com um político correto que se tenta demarcar dos tempos obscuros de 1941.

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Primeiro, o pouco ou desconstruído fascínio pelo ambiente circense, expresso num circo em decadência e um vilanesco Michael Keaton (há traços de Walt Disney aqui) e um contrato faustiano pela apropriação da atração principal (sim, o elefante voador). Não existe mística aqui, tudo decorre como negritude aos mundos dos espectáculos e da hipocrisia de uma suposta crítica ao capitalismo pelo qual vincula na sua jornada narrativa. Por outro lado, próximo do final surge a mensagem de proteção de animais nestes universos e o "castigo divino" aos humanos que cometem essa infração (ao contrário do filme de 1941, onde os atos ficavam impunes). Jogando com esse manual de regras, Tim Burton, despido dos seus gestos "burtonescos", é um mero realizador anónimo perante os "ditames" do estúdio da Disney.

O resultado é um objeto visualmente espampanante (curioso que, tirando os cavalos, não existe nem um animal que não seja fruto de CGI), corrido pelos lugares-comuns do filme domingueiro e com personagens vazias que servem apenas de utensílios para a emancipação da nossa estrela de quatro patas (mesmo que Danny DeVito e o atrapalhado sarcasmo correspondam exatamente às expectativas). Uma exceção: quando o antagónico Michael Keaton assiste pela primeira vez à planagem pelos céus e com isso agradece o regresso à infância e à novamente crença no impossível.

No fim, quer narrativamente, quer visualmente, quer criativamente, é com filmes como este "Dumbo" que nos fazem acreditar que nada nos surpreende nestas versões em imagem real da Disney.

Lanthimos, o caçador furtivo sem clemencia

Hugo Gomes, 22.05.17

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Yorgos Lanthimos incomoda, tira-nos o chão das nossas morais, desafia o politicamente correto e sob o jeito meticuloso e calculista conduz o espectador numa viagem para o além sentido. “The Killing of the Sacred Deer” é um filme frio, na sua teoria, onde as personagens, como é hábito na sua filmografia, comportam-se de forma mecanizada, operadas por um texto que não lhes condiz e movimentando planejadamente cada gesto.

Mas ao contrário do anterior “The Lobster”, a nova aventura de Lanthimos adquire um surpreendente sentimento de frivolidade colmatada, as personagens tentam gradualmente sair dos seus velcros, sonham alcançar a humanidade não reconhecida dos seus “bonecos”, até porque o realizador opera como um psicopata, psicologicamente falando, conhecendo as barreiras das éticas ocidentais e mesmo assim transpondo-as de livre vontade. Verdade seja dita, “The Killing of the Sacred Deer” não está longe do território do cinema de terror, muita vezes desafiante nessas questões morais, mas não estamos a referir um filme de terror, estamos a falar de uma estranha distopia de Lanthimos – não outra sociedade alternativa, e sim, a nossa realidade onde um elemento “alienígena”, algo impróprio, parece criar as suas raízes.

Tudo começa com um cardiologista (Colin Farrell), de família feita (esposa e dois filhos), que visita constantemente o filho de um falecido paciente, provavelmente culpado pela sua morte. O rapaz (Barry Keoghan) apresenta traumas psicológicos, o espectador fica na dúvida quanto a esses mesmos tormentos, até porque os maneirismos anormais confundem-se com a “normalidade” a lá Lanthimos (e do sempre colaborador argumentista Efthymios Filippou). Contudo, chega o momento em que percebemos que estes ciclos pretendidos corrompem-se quando o cardiologista é ameaçado por uma escolha. A escolha que o fará redefinir novamente como humano sentimental, ou talvez expondo a sua frieza no seu estado mais puro e esterilizado. Sim, essa escolha, essa difícil escolha requer a morte de um ente querido, e apenas ele terá que anunciar a sua mesma morte.

Lanthimos continua com o seu estilo obcecado pela estética, quase kubrickiana. Esta, limpa e mecanizada, uma banda sonora esquizofrênica (entre o rompante e minimalista, a condizer com o espírito do filme), personagens atípicas e aparentemente sem sopro de vidas, reféns da sua sociedade. A inovação de “Killing of the Sacred Deer” advém desse gradual rompimento com as suas próprias regras, conservando ainda o seu modo de provocar de maneira subtil, mas enganosamente explosiva o público. A vingança confrontada sob outra perspetiva e uma atormentada Nicole Kidman são os tiros certeiros para a morte deste “veado sagrado”.