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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Minha Vida de Orangotango!

Hugo Gomes, 01.04.25

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Quando a ecologia é atirada para a tela, por muitas vezes assume o controlo do filme, convertendo-o num panfleto, e os poucos que conseguem equilibrar essa preocupação com destreza transformam-se ora em ensaios espirituais ("First Reformed") ou extravagantes ensaios de género ("Avatar"). O suiço Claude Barras escolhe uma quarta via, a da emoção frente à politização verde. 

"Savages" avança nesse caminho, trazendo a história de uma pré-adolescente e do seu orangotango bebé, Oshii, cuja perda da mãe os une num conceito improvisado de família. Em Bornéu, com a desflorestação como pano de fundo, o realizador, ainda guiado pelos fantasmas de "Ma Vie de Courgette", constrói um filme de identidades por vezes culminadas na conexão com o meio natural, onde a protagonista terá que se redescobrir as suas raízes e daí fomentar a sua determinação, e igualmente a sua posição para com o mundo envolto. É pela via da tragédia que a ecologia ecoa como um sentimento a ser despertado, e não como um ativismo agressivo como sermão amplificado. 

Por um lado, isso amplia o alcance do filme; por outro, deixa-o à mercê de uma interpretação sentimental. Contudo, há espaço para o didatismo, para o contexto e a devida politização, o arrojo de Barras está em transformar as suas animações em algo distinto do sector mercantil animado – amorfo, assexualizado e aparentemente apolitizado –, dominado por estúdios como a Disney. "Savages", recorrendo mais uma vez à maravilha do stop-motion, é mais calmo na sua negritude e mais esperançoso na sua mensagem. 

Fiquemos, então, com a arte visual e o discurso, hoje debatido por forças políticas que teimam em "ordenar" o mundo ao seu gosto. A ecologia é, antes de mais, a ciência da sobrevivência do homem – precisamos dos recursos naturais, mas o inverso não se aplica, sem humanos, a Terra continua a sua trajetória - acima de ser a protecção do ambiente enquanto norma sem reflexão.

Cada um com a sua infância, cada um com o seu Cinema

Hugo Gomes, 01.06.21

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Good Morning (Yasujiro Ozu, 1959)

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The Childhood of a Leader (Brady Corbet, 2015)

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Capernaum (Nadine Labaki, 2018)

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Wadjda (Haifaa Al-Mansour, 2012)

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Home Alone (Chris Columbus, 1990)

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The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)

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Let the Right One in (Thomas Alfredson, 2008)

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Little Fugitive (Ray Ashley & Morris Engel, 1953)

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The Florida Project (Sean Baker, 2017)

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The Sixth Sense (M. Night Shyamalan, 1999)

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The 400 Blows / Les Quatre Cents Coups (François Truffaut, 1959)

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The Kid (Charlie Chaplin, 1921)

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The Last Emperor (Bernardo Bertolucci, 1987)

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Zero to Conduite / Zéro de conduite: Jeunes diables au collège (Jean Vigo, 1933)

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Bicycle Thieves / Ladri di Biciclette (Vittorio di Sica, 1948)

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Village of the Damned (John Carpenter, 1995)

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My Life as a Zucchini / Ma vie de Courgette (Claude Barras, 2016)

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The Boy with Green Hair (Joseph Losey, 1948)

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Aniki Bóbó (Manoel de Oliveira, 1942)

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The Shining (Stanley Kubrick, 1980)

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Cinema Paradiso / Nuovo Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore, 1988)

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Come and See (Elem Klimov, 1985)

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Pather Panchali (Satyajit Ray, 1955)

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E.T. the Extra-Terrestrial (Steven Spielberg, 1982)

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André Valente (Catarina Ruivo, 2004)

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Ivan's Childhood (Andrei Tarkovsky, 1962)

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Nana (Valérie Massadian, 2011)

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Pixote, a Lei do Mais Fraco (Hector Babenco, 1981)

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Poltergeist (Tobe Hooper, 1982)

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800 Balas (Álex de la Iglésia, 2002)

Claude Barras: "Os filmes da Disney são muito caros e têm menos liberdade no que abordam"

Hugo Gomes, 26.03.17

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“Ma Vie de Courgette” separa-se do destino do homónimo protagonista - Courgette -  pois a sorte bateu à porta desta longa-metragem de animação stop-motion assinada pelo suíço Claude Barras. Uma passagem feliz no Festival de Cannes, uma nomeação ao Óscar, para além de ter sido o candidato suíço à categoria de Melhor Filme de Língua Estrangeira, e agora, a alta distinção na 16ª edição da MONSTRA.

“Ma Vie de Courgette” enche-se de orgulho, mas pouco foi uma questão de sorte e o filme fala por si. Tive a honra de conversar com o realizador sobre esta sua preciosa criação, um conto infantil agridoce com todos os requisitos do cinema social europeu e, claro, uma alternativa ao mercado imperativo da Disney. As crianças requerem diversidade, assim como nós. 

Como surgiu a ideia para este filme?

Quando tinha 10 anos li um livro o qual achei muito bom (“Autobiographie d'un courgette”), que me remetia às séries de órfãos como "Nobody 's Boy: Remi” ou a “Heidi". Hoje em dia há menos diversidade de filmes para crianças, não há muitos filmes realistas ou que simplesmente falam da realidade para os mais novos. Foi por isso que decidi adaptar o livro.

Courgette é um pouco diferente dos outros filmes. Em vez de ser um filme para crianças, é um filme sobre crianças.

É uma abordagem realista sobre a infância na animação, a dirigir-se também às crianças e com a estrutura de um conto. 

Como funcionou o processo de stop-motion?

Influenciou o lado realista no uso da luz e da mise-en-scène, a partir de marionetas muito simples para a animação. Foram 12 fotos por segundo com a pessoa que manipula a marioneta a alterar os braços, as pernas, a boca, faz pestanejar, imagem por imagem.

Em relação ao design, houve quem apontasse como uma influência ao universo de Tim Burton?

Sim, adoro os filmes dele, sobretudo pelo aspecto gráfico. Mas também sei que ele foi influenciado pela Rankin / Bass, uma dupla de cineastas da década de 60 que também recorreram ao uso de marionetas. Portanto, também me baseio no trabalho deles.

Acha que o Tim Burton vai gostar de ver o seu trabalho?

Não sei, espero que sim. (Risos)

O The Guardian aclamou que o seu filme era um “Ken Loach para as crianças“.

Gosto muito dos Ken Loach, dos Dardenne, aquele cinema social europeu. Sim. Penso que sim, que possa ser visto dessa maneira, cinema social de animação.

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É um statement político aquele que faz no filme, contra o mercado da Disney na animação?

Penso que as crianças têm necessidade de diversidade e que este é um pouco diferente dos outros. Penso que fiz bem em comparar a animação à realidade, à sociedade, à violência, à sexualidade, mas através de um muro, que é o da esperança. Os filmes da Disney são muito caros e têm menos liberdade no que abordam. Ao fazer um filme com um orçamento menor, consigo ter a liberdade que quero.

Como se sentiu por Courgette ser a sua primeira longa-metragem?

Estou muito contente com o resultado, foi muito duro. Mas é um filme coletivo, com uma grande colaboração técnica. Também estou feliz porque acho que vou continuar a dirigir-me às crianças com um lado ecológico, com estes temas importantes e que nos fazem refletir.

Como foi colaborar com a argumentista Céline Sciamma?

Gostei muito, admiro imenso o trabalho dela e foi o meu produtor que me propôs trabalhar com ela. Já tinha as personagens e uma primeira versão do argumento e, portanto, trabalhámos ao longo de um mês. Pelo meio tivemos uma pequena discussão, mas tive a impressão de que ela estava a escrever para mim. Ficámos a conhecer-nos bem pessoalmente e com a promoção do filme tornamo-nos muito amigos.

Alguns pensamentos sobre a nomeação aos Óscares e a passagem pelo Festival de Cannes?

Durante a rodagem, sabia que o filme agradaria às crianças, mas não tinha tanta certeza o quanto iria agradar uma audiência adulta. A passagem por Cannes foi muito forte, intensa, violenta, porque creio que dei mais de 100 entrevistas em apenas três dias [risos]. Mas foi uma chance enorme passar por um festival que deu uma projeção tremenda. A quantidade de jornalistas que falaram do filme atraiu um grande número de pessoas para vê-lo. Porque, infelizmente, é difícil filmes como “Ma Vie de Courgette” encontrarem um público.

Depois de Cannes passei 2 meses a fazer 30 projecções nos EUA. O produtor do filme tinha dinheiro para permitir a cobertura por revistas e pôs em movimento uma máquina de guerra. Para a seleção, são 200 pessoas que votam e foi bom ter a energia e dinheiro para fazer o filme chegar até elas. É uma competição difícil, é necessária muita publicidade. Mas gostei de ir à cerimónia, mesmo não tendo ganho, mas o único filme de animação não-americano a ser premiado com o Óscar até à data foi “Spirited Away” (“A Viagem de Chihiro”). Por isso, nada a fazer.

E quanto a novos projetos? Vai ficar-se pela stop-motion?

Sim, gosto muito da técnica que, ora está perto da animação, ora se aproxima do cinema “live action“, graças ao uso da luz e do mise-en-scène. Tem uma certa veia direta com o teatro e com a performance, daí poder surgir algo espontâneo, o que é muito bonito.

Ai ... a minha vida de Courgette!

Hugo Gomes, 23.03.17

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Icare, mais conhecido como Courgette, é um rapaz de nove anos cujo infortúnio bateu-lhe à porta: a sua mãe morreu. A criança é, assim, transportada para um orfanato onde tentará conviver com outros na mesma situação, ou não, que ele. Sob o olhar atencioso de Raymond, um policial que encarregou-se do seu caso, Courgette tentará por entre a sua vida caótica encontrar a felicidade nas pequenas coisas.

A primeira longa-metragem do suíço Claude Barras é uma aventura espirituosa que se assume como uma afronta ao legado mercantil da Disney, pois com uma duração com mais ou menos uma hora (não mais que isso) consegue construir uma trama igualmente emocional sem o recurso a conflitos demarcados e moralidades maniqueístas. Trata-se de um filme sobre crianças, ao contrário da tendência de filmes para crianças, uma obra honesta nas ambições dos seus “heróis” e verdadeiramente presente nestas.

Courgette, a figura, capta a nossa atenção pelo seu jeito doce, inocente e Claude Barras, em colaboração com Céline Sciamma (autora do argumento adaptado de uma obra de Gille Paris), invocam devidamente essa ingenuidade digna dos “enfants”. No meio desse olhar deliciado e subjugado aos efeitos de um tom intrinsecamente agridoce, “Ma Vie de Courgette” é aquilo que poderemos identificar como um dois em um. Uma animação stop-motion que encara o infortúnio como um ciclo vivente e despejado (sem vozes panfletárias) na superação, e, ao mesmo tempo, uma subversiva visão para com o sistema de tutores e de adoção.

Em tempos de “Bambi”, onde a morte era vista como um trauma incontornável mas parte integral da vida (tal como ela é, sem floreados), “Ma Vie de Courgette” poderia ter triunfado na audiência mais jovem, mesmo com as claras sugestões que encontramos em determinadas personagens. Mas numa época como aquela que se vive hoje, onde os nossos filhos estão sob uma constante, e por vezes alarmante, vigilância e protecção (e nisso reflete a qualidade dos desenhos animados que assistem), o filme de Claude Barras será restringido  apenas a um público adulto.

Porém, espera-se que haja um passe-a-palavra, “Ma Vie de Courgette”, que teve a ventura de estrear em Cannes com algum entusiasmo e a nomeação ao Óscar ao lado de outros concorrentes de peso como “Kubo and the Two Strings” e “The Red Turtle” (o prémio, que infelizmente, caiu nas mãos do mais previsível e formatado candidato), é um mimo para a nossa sensibilidade. Um mimo acima do que aquilo que realmente merecemos!