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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O falatório de João Bénard da Costa

Hugo Gomes, 02.07.22

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Ler João Bénard da Costa sempre foi (e continua a ser) uma leitura prazerosa, mesmo não concordando totalmente com a sua visão de um Cinema-raiz às suas precoces paixonites, platónicas como denomina diversas vezes. É no seu abraço, na sua perspectiva delirante no contacto do filme (diria até que, tendo em conta muitas das Folhas de Sala da Cinemateca, recorrentemente “fazia amor” com os próprios filmes, apenas descrevia em papel), gestos e fragmentos, desde que me lembre, que se tornaram inspiração à minha escrita de cinema, não ansiando com isto ser, ou mimetizar, quer o seu estilo, lirismo e paladar, e antes preservar o misticismo que o Cinema ainda nos pode oferecer de mão cheia. Com isto, sublinho, não sou um proclamado “filho de Bénard” - aludindo à "descendência" artística deixada nos mais diferentes cantos da cinefilia portuguesa - nem desejo prosseguir nessa herança. Com todo o respeito à sua memória, prefiro admirar Bénard da Costa numa distância que me permita acompanhar a minha própria voz (ou lá o que isso seja).   

Mas toda esta conversa de chacha é desnecessária para dizer que descobri uma deliciosa conversa entre o ex-crítico, curador e programador (e porventura diretor da Cinemateca) com a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves no antigo programa da RTP 2, “Falatório” (já não se fazem mais programas assim), e a entender que as preocupações de hoje são debatidas há anos. No Cinema, para o bem ou para o mal, nada é novo, somente revisitável, desde a decadência dos cinemas de bairro que degradam a identidade de Lisboa, a ausência de “Grandes Filmes” (as produções hollywoodescas e milionárias que o ex-director da Cinemateca resumiu com a etiqueta “Titanics”) no circuito alternativo aos multiplexes, e a prioridade das pipocas como apaziguação da exigência do espectador (falou-se na má qualidade das salas e das projeções nos ditos cinemas de centro comercial, mas ninguém quer saber, desde que se tenha as delícias de milho à mão).   

Ouvir Bénard da Costa em 1998 (julgo ser esse o ano, também não vos quero mentir) é como se estivesse a ouvir, hipoteticamente, um Bénard da Costa em pleno 2022, a única diferença é que o streaming ainda era um “não-assunto”.

Para ver e ouvir aqui.

Arranca o Close-Up, Observatório de Cinema em Vila Nova de Famalicão

Hugo Gomes, 16.10.16

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Steamboat Bill, Jr. (Charles Reisner & Buster Keaton, 1928)

Vila Nova de Famalicão será, durante os próximos quatro dias, o derradeiro Observatório de Cinema, o Close-Up, para ser mais exato. E é já a partir de amanhã (27 de outubro), que esta iniciativa projetada pelo Cineclube de Joane, arrancará com uma impressionante programação de filmes e eventos paralelos, que ligam o passado, presente e futuro do Cinema. Reflexões sobre a Sétima Arte, os primórdios em jeito de arqueologia, assim como os caminhos a seguir ou previsivelmente a instalar-se, muitos convidados e uma mostra selecionada de filmes, com principal ênfase às produções nacionais, dividido em oito sessões temáticas, preencherão a Casa das Artes da cidade.

Temos como principal destaque o ciclo “Noite e Nevoeiro – 70 anos de Imagens do Holocausto“, que tal como o título focará sobretudo no registo cinematográfico e documental dos horrores cometidos na Segunda Guerra Mundial. Inserido na sessão Paisagens Temáticas, neste espaço serão exibidos filmes, que vão desde o recente e premiado “Saul Fia”, de László Nemes, sobre um prisioneiro de Auschwitz que reencontra a sua Humanidade até ao mais novo trabalho de Sérgio Tréfaut, “Treblinka”, um testemunho materializado daqueles que partiram contra em comboios cujos destinos são impensáveis. Passando pelo biográfico “Hannah Arendt”, de Margarethe Von Trotta, sobre a mulher por detrás dos pensamentos da Banalidade do Mal, até chegar, por fim, ao documentário “The Decent One”, de Vanessa Lapa, que retrata a vida de Heinrich Himmler, o mentor da chamada “Solução Final”, o extermínio dos judeus. Elena Piatok, diretora do Judaica: Festival de Cinema e Cultura, e a jornalista e escritora Clara Ferreira Alves, serão as oradoras.

Em “Fantasia Lusitana “, espera-nos sete filmes que no seu todo formam um quadro, quer etnográfico, quer artístico de um país. É uma seleção de documentários nacionais sobre pessoas, animais, lugares e estados, escolhidos a dedo e interligados de alguma forma. Destaca-se as exibições do filme-testamento de Manoel de Oliveira, “Visita ou Memórias e Confissões”, seguido pela homenagem de João Botelho ao “mestre” em “O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu”.

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Saul Fia (László Nemes, 2015)

Dois dos mais venerados autores japoneses, Yasujiro Ozu e Isao Takahata, serão analisados e reavaliados nesta edição de Histórias de Cinema. De um lado, o dramático e emocionalmente expoente Ozu, um realizador marcado pela sua maneira inconfundível de filmar, planificar e dirigir os seus atores sobre um conjunto de falsos raccords. E do outro “canto”, Takahata, um dos mestres da animação nipónica, que poderá não ter gozado da mesma aclamação que o seu colega Hayao Miyazaki desfrutou, mas que mesmo assim, se apresenta como o criador de algumas das mais emotivas obras da Ghibli Studios. Animação e ação real, duas dimensões entrepostas neste olhar pelo cinema japonês.

Um dos mais ascendentes cineastas brasileiros da atualidade será homenageado no Close-Up. Serão cinco, as obras exibidas nesta secção Cinema do Mundo, dedicada ao “outro Brasil” de Gabriel Mascaro. Nesta retrospetiva poderemos encontrar os muito aclamados “Ventos de Agosto”, um atípico romance de verão, e o recente Boi Neon, que nos leva ao outro lado dos rodeos brasileiros sob uma confrontação com a própria ode da masculinidade.

O resto da programação será constituída por sessões direcionadas para escolas, com foco principal no tema da juventude. Vale a pena salientar que a primeira longa-metragem de Andrei Tarkovsky, "Ivan 's Childhood”, encontra-se integrada no programa. Para além disso, está agendado uma Oficina de Animação dedicada aos mais novos. Close-Up ainda exibirá uma sessão especial de O Ornitólogo”, a quinta longa de João Pedro Rodrigues que remete o espectador a uma viagem esotérica de um observador de pássaros, perdido nas encostas do Douro.

Por fim, como sessão de abertura, temos um “double bill” constituído pelo filme-concerto “Steamboat Bill, Jr”., um dos grandes clássicos do “rei do slapstickBuster Keaton, será transformado sob a vertente musical de Bruno Pernadas. E “Cinco para Kiarostami”, o filme-homenagem a Abbas Kiarostami, o cineasta iraniano que infelizmente nos deixou recentemente, uma produção da Casa das Artes e do Cineclube de Joane, com direção de Vítor Ribeiro e Mário Macedo.