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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Check-out desamoroso

Hugo Gomes, 18.06.25

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Através do Hotel Roma, em Lisboa, forma-se um palíndromo imperfeito: Amor. Lê-se cuidadosamente na caixa-título, para rapidamente se perceber tratar-se do nome do estabelecimento hoteleiro no qual seremos convidados a “pernoitar” por sensivelmente hora e meia — um dia, no tempo narrativo do filme do brasileiro Hermano Moreira. Depois do turismo acidental em Lisboa com Amo-te Imenso, o realizador repousa agora nos desastres, da recepção ao service room, deste espaço pseudo-ficcional.

Curemos, então, os males trazidos pelo turismo massificado na capital lisboeta, ainda que tal não importe. Hermano declara-se fascinado pela comédia romantizada, aqui serpenteando por planos-sequência, falsos raccords e truques já antevistos noutros exercícios. Leva-nos à beira de um desastre trágico-cómico: um hotel onde tudo parece fora do seu devido lugar e uma gerente (Jessica Athayde) à beira de um ataque de nervos. Portanto, é fazer reserva e esperar pelos gags. Infelizmente, “Hotel Amor” não se vinga nesse feito, carece de genica, criatividade e daquele timing, arma essencial do humor, aqui ausente, substituído por truques amanhados e clichés negativos de cada quadrante do ramo hoteleiro (nota-se que o filme foi escrito por um argumentista brasileiro, porque existe um subtil tom de exotismo e estereótipos nas personagens portuguesas).

A curiosidade técnica não compensa a inaptidão cómica. O filme vive da “malapata” disfarçada, mas falha em criar empatia com estas figuras desastradas, nem sequer com a protagonista workaholic, injectada com tragédia de última hora para tentar suprir essa ausência. Também o final epifânico, quase deus ex machina, parece recompensar a incompetência em prol de um ambiente quase disnesco. Em “Hotel Amor” falta-lhe o amor de ser compreendido; em vez disso, é-nos servida uma ideia de gag mal cozinhado, em jeito de fusão.

Arte de matar críticos de cinema ... e egos

Hugo Gomes, 13.06.25

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Há semelhanças de carácter entre Ridley Scott e Leonel Vieira: ambos desistiram da sua perseguição autoral e entregaram-se ao repetitivo baile da cor do dinheiro. Embora a jornada de Scott tenha sido, incomparavelmente, mais interessante do que a de Vieira (e o bailado de um mais digno do que a coreografia do outro), são realizadores que adquiriram um ego desmesurado, por vezes afiambrado na colheita de box-office.

Antes de o português se render aos remakes de clássicos salazarentos ou a pontes telenovelescas com o Brasil, ainda se aventurou na internacionalização do cinema português. Fê-lo sem perceber que a sua conquista mundial residia na preservação da identidade e na sua língua. Aqui, fez-se o “bonito” de encantar o anglo-saxónico, recitando o que sabe sobre universos tarantinescos, rodriguescos e outros crimes por tuta-e-meia, convidando actores — aqui (Ivo Canelas, Soraia Chaves, Nicolau Breyner) e para lá de Badajoz (Enrique Arce) — e integra-os um prato de condimentos importados, cozinhado para a pequena tela.

É um filme esquecível. Não vale a pena bater no ceguinho, mas também não convém fazer-lhe festas ou olhar com a condescendência do “só quer contar uma história”, lema e tradição de novatos nestes arcabouços da crítica de cinema. “Arte de Roubar” não tem identidade, nem sequer personalidade. Macaqueia o que vê e o que viu, e ainda “mata” críticos (a célebre referência da adega) como aquele alfaiate que matou as sete moscas num só golpe, aludindo ao erro do rei que pensou tratar-se de gigantes que ameaçavam as suas terras.

Pois bem: Vieira quis vingar-se das más críticas de determinados críticos e de um específico produtor, mas esqueceu-se de contar a história como deve ser. Enganou-nos, e bem, ao tentar soar maior do que é. Por um lado, quem me dera ser um crítico enterrado e assassinado nestas ficções, é sinal que os maiores egos conseguem ferir com poucas mas devidas palavras.

A "americanização" do cinema dos "portugueses de bem" ...

Hugo Gomes, 05.06.25

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Não há tanto tempo assim … semana passada vá … numa entrevista destinada a promover o seu último trabalho, Vicente Alves do Ó afirmou com todos os seus dentes que os “portugueses não se reveem no seu cinema, naquelas histórias”. A ‘bujarda’ foi lançada sob o escudo de “Os Portugueses”, essa sua obra, enquanto, em portas da estreia, conversava com colegas críticos, que referiam-o como algo obsceno e oportunista aos simbolismos do 25 de Abril. Nesse quadro, a questão impõe-se pertinente: serão os críticos dignos da nacionalidade portuguesa?

Antes de mais: o que são, afinal, os “portugueses”?

À data do qual me dirijo a esta (qualquer coisa) de crónica, ainda não meti olho no filme do Alves do Ó, mas não pude notar nesse seu discurso uma perigosamente proximidade de um preciso slogan populista. A da invocação “portugueses de bem”, tentativa de dividir águas entre um certo ideal de portugalidade e o respectivo simbolismo cultural. Confirma-se, porém, que o realizador joga do outro lado do campo ideológico. Continuando, talvez os meus colegas estejam enganados: não seria a primeira vez, ou talvez eu próprio esteja a ser injusto ao associar o realizador de “Al Berto” e “Florbella” a essa lógica que nos atravessa com inquietude nestes incertos ventos, marcados por um clima político instável e forças emergentes glutonas do caos e das inúmeras frustrações. Caixas de bolos sortidos de frustrações é o que é!

Mas deixemos Vicente Alves do Ó sossegado, pois não é nele que desejo centrar-me. Quero, sim, reter-me na imagem acima (a do lado esquerdo): a tal “americanização do cinema português”, no 10º Encontros do Cinema Português, evento promovido pela maior distribuidora actualmente em actividade no país, a mesma que, não há muito, foi incapaz de promover um filme da sua própria chancela distributiva. “Os Infanticidas” angariaram uns vergonhosos 70 espectadores [post-it]. A tendência é sempre culpar os filmes e nunca os públicos. O contrário poderá suscitar reacções por parte de quem se sente ofendido, culminando em acusações óbvias de elitismo e condescendência deste género (peço perdão pela aludida interpretação) . No entanto, se olharmos com atenção para o que se consome nas salas de cinema em Portugal, perceberemos bem a escassez de paladar entre os múltiplos e diversos públicos, e não falamos apenas, nem sequer produção restrictamente “portuguesa”, nem dos públicos enquanto somente “gente da nossa terra”.

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Os Portugueses (Vicente Alves do Ó, 2025)

Assim, “americanizar” o cinema luso, como alguns propõem, talvez através das guinadas de Leonel Vieira, no mimesis de segunda aos formatos hollywoodescos ou das cuspidelas televisivas lançadas em grande ecrã, é esvaziá-lo de identidade. É, de uma forma ou de outra, colocá-lo numa competição desleal com produções mais abastadas, atirando-o para o ridículo ou para um provincianismo confrangedor. Continuamos a culpar os filmes em vez de fomentar o espírito crítico nos públicos. A Cultura, essa, encaixada entre as pastas da Juventude e do Desporto … talvez porque, para certa Direita, tudo venha do mesmo pomar.

É nessa dissociação que se realizam os Encontros do Cinema da NOS: entre risinhos e copos, com pitchs onde produtores e profetas dançam com ideias suas perante o julgamento de uma plateia de possíveis compradores desinteressados, sob o lema do promotor de que o cinema português precisa de ser isso mesmo … “americanizado”. Mas o cinema português, esse nosso apanágio, as nossas dores, não é perfeito (discute-se!), só que é nosso. E que maravilhas estão lá, escondidas! Basta espreitar. Para isso, é preciso que o público cultive a curiosidade.

Quanto a Vicente Alves do Ó, muitos portugueses - inúmeras espécies de portugueses - já se identificaram com o seu cinema: uma comunidade com “Lobo e Cão”, umas determinadas sensibilidades com “A Metamorfose dos Pássaros, os joviais fora de prazo com “Verão Danado”, os emigrantes com “Via Norte”, os marginais e sonhadores com “Manga d’Terra”, os lisboetas com “A Vida Luminosa ou os nostálgicos com “Ramiro”... continuaria por aí fora. Sabem porquê? Porque o português não é um só. São muitos. E são variados. Variações até!

A Linha de Sombra: 'a shop around the corner' e a conversa com um livreiro

Hugo Gomes, 28.05.25

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Foto.: Mafalda Martins

Bastou um pé dentro do espaço para ser recebido por um sorriso. “Boa tarde, Hugo. Hoje temos a apresentação deste livro.João Coimbra Oliveira, livreiro de profissão, cinéfilo por paixão, aponta para uma pequena edição de capa mole exposta na recepção, trata-se de “Contos das Histórias, Estórias dos Contos”, de António Haddad.

“Vamos ter a apresentação dele hoje.” Acrescenta a informação, para de seguida puxar de baixo do balcão um volume de tamanho generoso. “Mas penso que este te vai interessar: ‘Jean-Luc Godard’, numa edição de Serralves.” Por uns minutos pavoneei o livro na mão e, com entusiasmo, fiz-lhe um gesto de quem quer pedir algo. “Preciso de ti por uns momentos. Dá para irmos lá fora?

Naquele preciso instante, dois clientes exploram os cantos e recantos do espaço — não muito grande, é certo, 30 metros quadrados para sermos exactos, mas com uma voluntária desorganização no centro da livraria: pilhas de livros, revistas e outros coleccionáveis, raridades que só aqui parecem existir. “Este é uma jóia! Para ti, faço um desconto.” João exibe-me “Os Meninos de Ouro”, de Agustina Bessa-Luís, um livro claramente em segunda mão, de uma tiragem há muito extinta. “Se este livro falasse, que histórias teria me para contar sobre os seus antigos donos.” pensei eu.

Seguimos para o pátio que une a Linha de Sombra ao bar 39 Degraus, no primeiro andar da Cinemateca de Lisboa. Por entre a algazarra dos que apenas anseiam petiscar ou matar a sede, há toda uma parede enfeitada por edições de fazer inveja — cartazes e outras curiosidades, uma verdadeira máquina do tempo, de um passado que muitos ali, de passagem, não viveram. João faz um gesto a uma das empregadas do bar: dois cafés e uma garrafa de água de um litro. “Isto fica por minha conta”, apressa-se a dizer. Nesse momento, atravessando o pátio, somos interpolados por Samuel Andrade, um dos projecionista da Cinemateca, a meio do trajecto diário até ao seu “estúdio”, os bastidores onde a 'magia acontece' no Museu de Cinema.Como vai, João?”, acena. “Estou bem, obrigado. E contigo?” responde, fazendo-se acompanhar por um vigoroso polegar para cima.

Inaugurada a 5 de Janeiro de 2015 e com dez anos recentemente cumpridos, a Livraria Linha de Sombrasurgiu numa oportunidade e num momento de inspiração, o desejo de criar uma boa livraria de cinema na Cinemateca Portuguesa, que é uma excelente editora. Fazia todo o sentido que esses livros estivessem disponíveis, e acreditar no espaço era natural”, refere João Coimbra Oliveira, após um rápido sorvo no café.

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Foto.: Mafalda Martins

"Louis, I think this is the beginning of a beautiful friendship"

Essas jóias, as edições próprias da Instituição, muitas já descontinuadas, continuam a ser motivo de peregrinação da cinefilia lusófona e não só. “Esses livros são hoje considerados edições de coleccionador. É muito raro encontrá-los, porque, normalmente, os cinéfilos não se desfazem deles — são núcleos de biblioteca que passam de geração em geração.

João destaca o trabalho incansável da Cinemateca na área editorial: só no último ano, em 2024, foram 20 publicações, incluindo os próprios filmes actualmente a ser digitalizados no ANIM [Arquivo Nacional de Imagens em Movimento]. “Há também vários projectos em curso. E esta minha tentativa aqui, que é mais do que um projecto pessoal, começou com uma ideia apoiada desde o início pelo então director José Manuel Costa, pela Antónia Fonseca e por toda a equipa de programação. Desde o primeiro momento ajudaram, ofereceram livros e tornaram-se até clientes.

João Coimbra Oliveira é hoje visto como uma figura querida dentro das quatro paredes da Cinemateca. Todos os departamentos o conhecem, tratam-no como um vizinho a quem de vez em quando pedem "emprestado o sal". O seu trabalho hercúleo em preservar uma ligação afectiva com a Cinemateca e com o público habitual revela-o como mais do que um mero livreiro, dir-se-ia mesmo, um curador. “Quer dizer, acabo por sentir que estou a prestar um serviço à comunidade. Tanto para os cinéfilos como, até, para a própria Cinemateca. Juntos fomos construindo uma livraria bastante original, que começa a reunir bastantes títulos, inclusive de outros centros.

"A minha abordagem à fileira do cinema é um bocadinho idêntica à fileira do livro. Vem desde a criação à produção, da exibição à leitura e à distribuição."

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Foto.: Mafalda Martins

"Tu n’as rien vu à Hiroshima."

Do interior da livraria é possível ouvir Thomas Newman, a banda sonora do oscarizado filme de Sam Mendes, “American Beauty”. Uma cadência atípica, reconhecível, que se mistura com a algazarra do bar: o tilintar de copos e talheres, conversas alheias, e até a máquina de café a lançar os seus sonoros vapores - mais uma chávena para a mesa 56. Enquanto isso, é a música oriunda da Linha de Sombra que nos encaminha para outra realidade. Ou melhor, para várias. Todas elas impressas naquelas páginas e páginas de livros e folhetins.

É, aqui na livraria está sempre a passar bandas sonoras. É a música que me faz companhia… e também as pessoas gostam. Perguntam de que filme é, comentam… e cria-se ali uma dose, assim, um bocado de... de comunidade a acontecer”, esclarece, apercebendo-se da minha atenção à sonoridade do espaço. “Porque creio que todos os cinéfilos — pelo menos na minha realidade pessoal, na minha experiência de vida — têm uma certa dose de misantropia. Em certos momentos preferem estar sós. E aqui, na livraria, acho que os livros são nossos amigos.

Antes da sessão de cinema, a pessoa pode vir ao espaço do 39° e tomar um copo, comer qualquer coisa, ou vir ver as novidades. É muito comum… mesmo… os clientes habituais, os amigos da Cinemateca, ou estudantes da Escola Superior de Teatro e Cinema, aparecerem e perguntarem logo: ‘Quais são as novidades?’

Criámos o site, e tem sido uma ótima plataforma, até para distribuição a nível nacional e internacional. Temos recebido encomendas de todo o mundo: Indonésia, Brasil… os brasileiros estão sempre muito atentos ao que se vai produzindo cá em Portugal ... mas também de França, dos Estados Unidos… e o catálogo está todo lá, disponível.

Para além da venda de livros, DVDs e outros acessórios cinéfilos, a Linha de Sombra é também vista como um espaço privilegiado para apresentações de obras, eventos e alguns beberetes, obviamente, com os livros e o cinema como pano de fundo e contexto social.

Contam-se entre dois a três por semana, albergando convidados ilustres como Pedro Mexia, Carlos Vaz Marques, Daniel Ribas, Regina Guimarães, Catarina Mourão, Rui Simões, entre outros: críticos, realizadores, poetas, professores, escritores e filósofos. Toda uma gama de personalidades que contribuem para enriquecer a comunidade criada e envolvente da livraria. No decorrer da conversa, atrás de nós, uma mesa já estava preparada para o evento daquela tarde. João não resistiu a lançar-me outro convite: “Tens que ficar, vai ser espectacular.”

“É essa a poesia do quotidiano. Ao mesmo tempo, temos consciência de que este trabalho é também fruto das próprias exigências da actividade editorial e dos amigos, autores e criadores que nos procuram.”

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Foto.: Mafalda Martins

”When the truth becomes legend, print the legend.”

Prometi-lhe o último tópico, e, por sua vez, um dos mais sensíveis para o João: a sua própria editora Linha de Sombra. Lançada em 2017 com a publicação de “O Cinema Não Morreu”, um colectivo de textos do site À Pala de Walsh, popular plataforma de crítica cinematográfica surgida da blogosfera e alimentada por cinéfilos atentos.

Eram pessoas por quem tinha - e continuo a ter - imenso respeito intelectual e humano. Na altura, a livraria tinha cumprido os objectivos traçados desde o início: não ter dívidas e não prejudicar ninguém. Os objectivos foram atingidos. E então pensei logo que a melhor maneira de retribuir todo o apoio que os cinéfilos me tinham dado até então seria publicar um livro.”

Havia toda uma geração que, naquele momento, estava a terminar os seus percursos… em mestrados, em doutoramentos… E, em muitos casos, dos vinte e tal autores que publicámos, muitos desses textos eram primeiras obras impressas. Eu sei que vale o que vale, mas a academia é muito receptiva às publicações. Foi a minha maneira de fazer uma pontuação simbólica  - sem qualquer objectivo financeiro ou económico - junto das pessoas que me apoiaram desde o princípio: por virem à livraria, por visitarem a livraria, por falarem da livraria.

Depois desse livro inaugural, seguiram-se mais dois títulos lançados nos últimos meses. Primeiro, “O Desembarque das Ondas: Uma Antologia de Ingmar Bergman”, organizado por Raquel Nobre Guerra, poeta por quem João nutre grande estima: “É um objecto perfeito. Ela é das melhores poetas da sua geração.”. E, por fim, um segundo volume do colectivo À Pala de Walsh, “O Cinema das Palavras” — uma colectânea de entrevistas a realizadores e outras figuras do cinema.

Na Feira do Livro de Lisboa, os editores brasileiros brincavam: ‘É só ao terceiro livro que uma pessoa se torna realmente editora.’ O primeiro livro é movido pelo entusiasmo, seja do próprio editor, seja do público. Ou seja, tem tudo para correr bem, para ser um sucesso. O segundo… já não. Não tem aquele efeito de novidade. É um trabalho de continuidade. E o terceiro… pronto, é o momento da verdade. Ou a pessoa está mesmo para editar, ou não estáFoi com o terceiro livro que lançámos que eu me apercebi: mais do que editor, sou livreiro.

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Foto.: Mafalda Martins

"Well ...Nobody's perfect"

Um dos clientes que resistia no interior chega ao balcão com uma pequena pilha de livros na mão — a deixa perfeita para encerrar a conversa. “Bem, o dever chama-me.João levanta-se, sai da mesa e regressa à livraria, atravessando para o outro lado da recepção. De novo na pele de livreiro, conversa com o cliente, sugere outros livros, aponta sessões futuras na Cinemateca. No final da compra, brinda-o com um postal. “Uma pequena lembrança.

É a minha vez de regressar à livraria. Faço-lhe um gesto de gratidão e uma promessa: “Guarda-me a Bessa-Luís. Da próxima levo.” Com um sorriso de satisfação, o livreiro pisca-me o olho e despede-se, deixando no ar o compromisso selado. Pequeno espaço no coração de Lisboa, raro, sobretudo numa cidade cada vez mais despida culturalmente (mas isso são outros cinco tostões). Enquanto houver Linha de Sombra — nome inspirado numa das obras preferidas de João, o homónimo livro de Joseph Conrad — estamos garantidos.

Os (Re)Encontros de Cinema do Fundão: uma força de atrito na cinéfila do nosso tempo

Hugo Gomes, 25.05.25

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Keoma (Enzo G. Castellari, 1976)

O Fundão quer-se cinéfilo!! Anotem nas vossas agendas: os 15º Encontros de Cinema do Fundão arrancam já no próximo dia 28 de maio, deixando para trás Agosto (o “querido mês” que acolheu as edições anteriores) e olhando para o verão de 2025 nos seus primeiros passos, para nos transmitir uma mensagem clara. À medida que o mundo muda a olhos vistos, e se pressentem períodos sombrios, o Cinema manter-se-á uma certeza.

Até 1 de Junho, A Moagem – Cidade do Engenho e das Artes (com apoio do Cineclube da Gardunha) estenderá a sua passadeira vermelha, recebendo convidados ilustres como Enzo G. Castellari e o madrileno Pablo García Canga, não apenas cabeças de cartaz, mas orientadores para a temática destes Encontros. Porque do grindhouse ao western, da poesia rural ao cinema a conservar e assimilar, da crítica à cinefilia das paixões — algo velado, pessoal — refletido fora das grandes cidades e dos centros culturais habituais.

Como já vem sendo tradição neste espaço, o Cinematograficamente Falando… desafiou José Oliveira, realizador e crítico, cinéfilo irrequieto, mas sobretudo programador, para desvendar o que se poderá antever desta nova jornada … deste Encontro ou (Re)Encontro.

Prosseguindo nas perguntas da anterior edição e tendo foco essa mesma, que desafios encontraram para os Encontros de Cinema do Fundão de 2025, em comparação com os de 2024?

Os desafios da programação são para nós iguais aos desafios da vida: tem de ser uma aventura. E tem de ser divertido, mesmo que seja bem duro. Não nos deixarmos ofuscar pelos brilhos do contemporâneo, mas sim escavar na história, tentar fazer um pouco de justiça, resgatar preciosas constelações há muito soterradas pelo imediatismo do espetáculo e do jornalismo (anti-jornalismo!) básico que nada tem a ver com a crítica nobre nem com qualquer tipo de paixão. O resto, como arranjar financiamentos e quem acredite, aparecerá. O que tem de ser (porque está certo) continua a ter muita força.

Enzo G. Castellari é um dos três realizadores convidados e à mercê de uma retrospectiva-homenagem. Pegando na estética do realizador: como é que o seu universo punk e barroco ressoa num espaço como o Fundão, onde a ruralidade e a memória histórica se entrelaçam? Há aqui uma espécie de fusão entre o grindhouse italiano e a melancolia beirã?

Obras-primas como o “Keoma” (1976) ou o “Johnny Hamlet” [“Quella sporca storia nel west”, 1968] poderiam ter sido feitas neste território, claro. Meios naturais gigantescos e omnívoros combinados com estruturas poeirentas e obsoletas existem a rodos. Talvez haja acordes, harmonias, sensações secretas e correspondências subterrâneas entre territórios e memórias. Talvez os montes e vales de Almeria ou de Abruzzo falem com estes, estejam ligados internamente ou espiritualmente. E sem dúvida que muitas das contendas políticas e puramente humanas são as mesmas… Mas a razão é que descobrimos, de repente, e como uma revelação óbvia e epifánica, que um dos maiores cineastas que alguma vez mexeu a câmara, uniu planos e deu significado às histórias e à História através dos puros e exclusivos meios cinematográficos, está aí para as curvas e gostou da nossa abordagem. 

Também é o grande representante vivo e a síntese de um cinema italiano inesquecível, operático, cheio de ação, risco, carregado de dramaturgia e de tragédia, de vitalidade e constante surpresa, onde pontificaram Sergio Leone, Sergio Sollima, Sergio Corbucci ou Lucio Fulci.  E como esquecer o seu trabalho com Franco Nero, Woody Strode, Fabio Testi, Henry Silva, Fred Williamson… os amadores e os duplos… Stefania Girolami, Ennio Girolami…

A retrospectiva de Pedro Ruivo levanta uma questão rara no cinema português: por que é que a ficção científica continua a ser tratada como um corpo estranho? “A Força do Atrito” (1993) será uma anomalia ou um prenúncio ignorado? Terá lugar nesta atual vertente de reavaliação do nosso património cinematográfico?

“A Força do Atrito” é tanto uma anomalia - no sentido dos grandes filmes portugueses únicos, desalinhados, protótipos e acabados em si mesmos - como um risco sem cálculo, visto que o realizador quis fazer tanto um comentário sobre os tempos da altura como um conto romântico da juventude eternamente à deriva. Um filme tão frágil como belo no sentido do cinema do Nicholas Ray – tem de ser frágil porque tudo dentro dele o é, desde o ambiente até à dimensão temporal, passando pelos seres planantes, e assim é belo pela sua verdade despida de subterfúgios. Na altura foi tratado como lixo por toda a gente, mas isto continua a ser o pão nosso de cada dia – quem não faz os contactos certos nem fala (e como deve ser) com as pessoas certas, quem não vai às festas nem pratica os lobbys oficiais, não vai aos “grandes” festivais nem tem a papinha da crítica toda feita. O que descobrimos na entrevista ao Pedro Ruivo é que é um homem e um cineasta honesto.

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A Força do Atrito (Pedro M. Ruivo, 1993)

Pablo García Canga propõe uma poética do silêncio e da palavra contida. Como é que o seu olhar dialoga com o legado de Ozu, especialmente num tempo em que o ruído parece ser o novo realismo dominante?

Creio que essa será uma boa questão para colocar ao Pablo García Canga no Fundão. Mas julgo que parte da resposta, pelo menos, está no seu magnífico livro "Ozu, Multitudes", que será apresentado no dia 1 de junho, na livraria Livros Tintos. É um dos mais belos e apaixonantes livros dedicados a um cineasta, onde os fotogramas dos filmes de Ozu são como cartas de tarot, permitindo efabulações, tergiversações, histórias, sobre a ilusão, a felicidade, as contradições, os segredos, a amizade, o cómico, a espera, o tempo que passa sem fazer ruído, etc., como se estivéssemos a ler (ou a ver através das palavras) um autêntico vade-mécum para a vida de todos nós. E às vezes o drama contido nos pequenos gestos e movimentos, como a lata que cai da escadaria em “Uma Galinha no Vento” (“A Hen in the Wind”, 1948) e que conta toda uma história. Como disse o Mário Fernandes, “se imaginarmos um Montaigne cinéfilo estaremos próximos deste maravilhoso e original livro de Pablo García Canga”. 

Estes encontros celebram também a cinefilia enquanto gesto coletivo. Que papel ainda pode ter um cineclube, como o Gardunha, num país onde a política cultural parece esquecer o interior?

Não temos pensamentos de inferioridade, programamos com toda a lógica e coração: como não temos cinema comercial no Fundão, tanto tentamos dar uma imagem do panorama actual, como estar atentos às injustiças, para que filmes como “A Força do Atrito” ou “O Movimento das Coisas” não precisem de esperar trinta anos para serem vistos como devem ser. Nos últimos anos tanto tivemos no Fundão o Víctor Erice como o Raul Domingues, o Pedro Costa como o Diogo Costa, tratando-os como iguais. Claro que as políticas desta cidade foram cruciais, mas temos de tentar fazer o melhor trabalho possível na recepção de cada cineasta e de cada obra, de cada músico ou convidado de outra área: desde a produção de textos, entrevistas, diálogos, espetáculos; sentindo que o tempo e o ar do interior propícia a delicadeza e a pulsão necessária para tudo isto. Mostrar o filme certo da maneira certa é uma questão grave.

Os concertos que evocam Castellari trazem uma performatividade sonora que ultrapassa a sala de cinema. Esta aproximação entre imagem e som pode ser vista como um novo tipo de crítica? Uma crítica que se faz com guitarras e distorção?

É uma boa imagem essa, obrigado. Será com certeza uma grande descarga sónica de emoções e de considerandos. Um novo tipo de crítica, com certeza. Tal como uma outra maneira de transmitir as sensações de algo que foi marcante. A Marta Ramos interpretará o tema-mãe de “Keoma”, que é um filme fascinante e obsessivo para ela tanto em termos dramatúrgicos como musicais, que no caso são inseparáveis. Ao longo dos anos ouvimos esse tema a reverberar na sua voz. E outros do Dylan, que obcecaram também o Castellari na montagem dos seus filmes. E assim, tal como o grande historiador Tag Gallagher disse recentemente na Cinemateca que deixou de escrever quando descobriu que conseguia mostrar com um plano o que muitas vezes necessitava de dizer em dez páginas, produzindo agora vídeos críticos e poéticos ao invés de textos, também a música parece um tipo de crítica muito mais forte do que a que lemos diariamente nos jornais ou na net.

Com “Há uma Sombra”, do realizador e poeta radicado no Fundão, Alejandro Pereyra, continua-se a explora a cinematografia que despoleta na região. Existe esforços, e se há frutos colhidos, sobre esse constante sublinhar do cinema fundanense?

Não creio que haja um "cinema fundanense". O que tem acontecido no Fundão nos últimos anos, felizmente, é uma concentração de cineastas muitos diversos e de diferentes gerações, que aqui residem ou que aqui têm produzido algumas das suas obras, muitas delas marcantes. Cineastas tão diferentes como Nelson Fernandes, João Dias, Rodolfo Pimenta, Joana Torgal, Manuel Mozos, Mário Fernandes, Marta Ramos, Alejandro Pereyra (poeta, músico e também realizador do agora programado “Há uma Sombra”), Aurélie Pernet, Raul Domingues, Manuel Melo, Leonor Noivo, Margaux Dauby, Gonçalo Mota, Mariana Neves, Hugo Pereira, Ana Pio, Fernando Carrolo, entre muitos outros. Creio que os Encontros de Cinema do Fundão também têm desempenhado um papel de relevo na atracção e descoberta da região por vários destes cineastas, uns mais conhecidos, outros mais invisíveis que importa revelar. É realmente uma sorte, ou talvez não seja uma questão de sorte, se olharmos para a história cinematográfica do concelho do Fundão

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La nuit d’avant (Pablo García Canga, 2019)

Recordemos, a título de exemplo, que há registos de projecções de filmes no Fundão desde 1903; que o cartoonista, escritor e pintor José Vilhena realizou aqui o seu único filme, “O 5º Pecado” (1959), antecipando nalguns aspectos o que viria a ser o cinema novo; que o Jornal do Fundão teve quase desde o início crítica de cinema (um dos primeiros jornais portugueses a defender realizadores tão diferentes como Manoel de Oliveira ou Sam Peckinpah, quando estavam longe de ser consensuais); que o “Jaime” do António Reis teve a sua primeira exibição pública no Cineteatro Gardunha do Fundão, em Janeiro de 1974, com a presença do próprio António Reis, mas também de Fernando Lopes, Margarida Cordeiro, Carlos Paredes, Eugénio de Andrade, José Cardoso Pires, Lagoa Henriques, Óscar Lopes, Alice Vieira, etc; que à época, por iniciativa da equipa do IMAGO - Festival Internacional de Cinema, o Fundão teve um dos primeiros festivais do país dedicados exclusivamente ao cinema documental - o Festival Dok. Portanto, diria que o filme do Alejandro Pereyra é um dos frutos colhidos de uma árvore imensa com diversas ramificações. 

Voltando a uma questão recorrente, mas quem sabe: há planos de expansão, de alguma forma, do Encontros de Cinema do Fundão em edições futuras?

Existe todos os anos uma extensão na Cinemateca Portuguesa, e este ano não fugirá à regra. De resto, não há planos para aumentar ou diminuir os Encontros, mas apenas, reforço, embarcar sempre numa aventura, rio ou montanha acima ou abaixo, para que depois o público possa participar em eventuais perigos ou maravilhas.

Toda a programação poderá ser consultada aqui

"Quorum" em Junho!!

Hugo Gomes, 22.05.25

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Menção no jornal da Cinemateca Portuguesa! Contudo, há que frisar que "Quorum", a curta-metragem de Rafael Fonseca, vai estrear no Museu do Cinema no dia 27 de junho.

Poderia estar aqui a escrever uma ou duas frases 'bonitas' sobre o filme para vos aguçar a curiosidade, mas basta ler o cujo texto [ler aqui]. Está lá tudo, e o que falta podem encontrá-lo no "Quorum".

Fenómenos do Entroncamento

Hugo Gomes, 19.05.25

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Nem tudo se deixa ver com nitidez. Nem tudo é preto ou branco. O cinzento não é apenas uma cor, é a imagem da complexidade que atravessa a temática. Em tempos como os que vivemos, em que a política desperta os nossos instintos mais primitivos, refugiamo-nos nesse binarismo - anterior à popularização do termo nas várias línguas, que é o maniqueísmo -, um filme como este de Pedro Cabeleira posiciona-se nesse lugar: o do incompreendido, do rafeiro, o do animalesco.

A tese desta inspiradíssima segunda longa-metragem é clara: todos somos “bicho do mato”. Não importa a origem, o teor melânico, a cultura ou profissão. O que interessa é onde estamos, o agora, o presente, e esse lugar é o Entroncamento, a terra de "fenómenos", terra de comboios, fim da linha para alguns, o subúrbio do subúrbio. É dessa terra que desaguam estas intrigas de bairro, ilícitos e fanicos, turbilhão étnico a borbulhar pelas costuras. E os outros, os miseráveis, refugiados nas suas casas, proclamam uma terra que já foi sua e que os "outros" tomaram, ou melhor, arrancaram das suas mãos. Por outro lado, confortam-se com uma cervejinha gelada depois do treino. Um bando de polícias à paisana amortece as inquietações entre goles de cevada engarrafada e a mesma cantiga de bandido. Apontam a barbárie dos outros, perfilham a lei como sua — nua e desnutrida. É o tipo de sermão sem rodeios, de ouvidos moucos, que faz crescer extremas-direitas europeístas ou, no caso português, o partido chegófilo, cujos ares petrificam o descontentamento, o desespero, a revolta e, sobretudo, o ódio pelo outro.

Ter razão não é um absolutismo, é antes um relativismo. Porque essa mesma cinza que alcatroa os bairros domina a persistência do olhar. É a violência em jogo, o primeiro acto, a primeira intenção. Desde a abertura, um clima de suspeita: do primeiro lapso até ao desconhecido “primo”, sabe-se lá de onde, que resolve a barafunda com outra ameaça: a do mais forte, ou simplesmente a do mais armado. Lei do asfalto manhoso que cobre esses guetos enfaixados. "Entroncamento", título apropriado das suas raízes, prolonga o desamparo de "Verão Danado", oito anos antes. Só que, em vez de gerações à rasca, é a rasca de uma geração: gente sem rumo, sem passado, do imediato: a do acto de enriquecer instantaneamente como fuga possível e imaginária à sua condenada condição social. 

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Mas recomecemos desse início em conflito, o mote orienta-nos para aquilo que viemos ver: um grande filme de criminosos, criminais e crimes. Credível como poucos conseguiram, e com isto na ausência do rigor performativo de Canijo ou do realismo simulado de Marco Martins. Cabeleira tem outro tipo de credibilidade, assim como de vivência, e dessa manha extrai a sua seiva, a que cobre todo o Entroncamento, a cidade como o filme. Portanto, com o verossímil podemos de facto contar, e do comboio que vem do Norte também. À boleia da ferrovia uma intrusa chega aos arredores: Laura (uma camaleónica Ana Villaça, "By Flávio"), a enzima que despoletará ainda mais o caos na ordem desordeira do bairro. Mulher de rua, de tom ameaçador, palavras grossas, olhar de igual feitio, sem dono — como muitos apontam — percorre a guetização como raposa matreira, escolhendo estrategicamente a sua presa.

Dela vem o coração do "Entroncamento", mas não é dela que parte o delinear da narrativa, mas sim dos estilhaços dos subenredos que se cruzam e sintonizam com a sua indulgência. No fundo, Cabeleira elaborou um filme de relações, seja de que lado da lei estiverem. A recordar, e muito bem, o ambiente nocturno que remete (talvez também pela banda sonora) para a obra de Michael Mann: de "Collateral" a "Heat", de "Thief" e, porque não, "Miami Vice". Um produto contrafeito do autor americano com um cunho pessoal de um português com ‘sangue na guelra’.

O resultado só poderia ser a estética de um crime encantado pelo seu desencantamento. Mas voltando ao ponto inicial: é um filme sobre a política corrente, sem nunca a mencionar, e nesse aspecto — antes que venham com o tipo de cinema sobreliteral, feito papa para alimentar espectadores como passarinhos bebés com a regurgitação dos seus progenitores — "Entroncamento" solicita a cumplicidade do espectador. Para o interpretar nas entrelinhas, como um autêntico parceiro do crime. Um novo fenómeno do Entroncamento!

Denise Fernandes: "A autenticidade, para mim, não é algo que se procura, mas sim algo que se respeita."

Hugo Gomes, 15.05.25

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Peço desculpa pelo que vai acontecer [risos]. Tenho conversado com alguns colegas meus que já a entrevistaram nos últimos dias, portanto, algumas questões que lhe farei já as fizeram anteriormente”, “Não faz mal [risos]”, responde a voz do outro lado da linha.

Uns quantos aviões passam. Lisboa, de céus tão exaustos desses aços alados, deixa-se rasgar por um barulho por vezes insuportável. Contudo, nem as forças antagónicas saídas do aeroporto Humberto Delgado impediram a conversa — breve, mas reveladora — com Denise Fernandes, laureada há poucos dias na 22.ª edição do IndieLisboa, ao conquistar a Competição Nacional com a sua primeira longa-metragem, “Hanami”. Já consagrado em Locarno, chega agora às salas portuguesas prometendo um bilhete, só de ida, para a Ilha do Fogo, em Cabo Verde.

O filme aponta mar adentro até desembarcar no refúgio atlântico, entre escombros e casas-fantasmas, onde a pequena Nana, nascida e criada ali, vê os outros partir e “conquistar Mundo”, esse mesmo que, para ela, apenas presente naquele pedaço de terra à beira do vulcão. Em contraste com o ruído incansável de Lisboa, aquele paraíso insular instala-se num silêncio quase melódico. Por entre festejos de funaná com muita comida e doces de coco para sobremesa, é nas proximidades do cume e da terra batida em cinzas que a ausência de som nos transporta para outras eras, ou, quem sabe, para outros realismos, mágicos até. Contudo, Denise Fernandes não quer delirar: quer autenticar. Ir atrás do que realmente representa Cabo Verde — as suas gentes, as diásporas, as antípodas, a identidade de “ser cabo-verdiana”.

Sem mais demoras, segue uma breve conversa do Cinematograficamente Falando… com a realizadora: sobre a obra-destaque, os olhares, existencialismos e simbolismos, e, acima de tudo, autenticidade. A palavra de ordem.

... Só um momento... vai passar mais um avião!

Antes de conversarmos gostaria de lhe dar os parabéns pelo Prémio do IndieLisboa [Competição Nacional], do passado domingo, como também pelos prémios conquistados no Festival de Locarno no ano passado [Cineasta do Presente em 2024]. Portanto, começo exatamente por aí: sendo “Hanami” a sua primeira longa-metragem, o que significam para si estas distinções? E que tipo de impulso ou motivação podem trazer à sua carreira?

A maior recompensa para um filme como “Hanami”, que não é de todo um filme comercial, é, sem dúvida, a visibilidade. Filmes independentes, de autor, não têm o mesmo acesso a promoção e distribuição que os comerciais. Por isso, o reconhecimento através de prémios pode dar precisamente isso: mais visibilidade. E essa mesma é essencial para projetos com esta dimensão.

Antes de Hanami, a Denise já tinha realizado algumas curtas, nomeadamente “Nha Mila” (2020), estreado também em Locarno, que lhe deu alguma projeção. Que desafios encontrou na transição para a longa-metragem?

Foram muitos. Quando estudamos cinema, como foi o meu caso, fazer curtas faz parte do percurso académico, mas não há um caminho claro ou direto para seguir para uma longa. É um processo muito mais longo e complexo.

Tudo o que acontece antes de filmar uma longa envolve anos de desenvolvimento, preparação, tentativas de financiamento. Um dos maiores desafios foi, precisamente, perceber como se faz uma longa: por onde começar, o que é suposto fazer em cada fase. E isso varia muito: depende do país, do contexto de produção, da língua, do sítio onde se vive.

No meu caso, o primeiro grande desafio foi este: tinha uma ideia, mas como é que chego a concretizá-la?

Numa recente entrevista foi abordada a questão do regresso a Cabo Verde. No entanto, mencionou que não é originária da Ilha do Fogo onde o filme decorre. O que a atraiu cinematograficamente nessa ilha, ao ponto de situar aí uma história tão pessoal?

É verdade, os meus pais são da Ilha de Santiago, não do Fogo. Mas muitos dos temas abordados em “Hanami” — a diáspora, a espera, o vínculo ao território — são comuns à identidade cabo-verdiana no geral. Então, mesmo não sendo do Fogo, esses temas dizem-me respeito. Escolhi a Ilha do Fogo porque as suas características — tanto geográficas como simbólicas — estavam alinhadas com a história que queria contar. Foi quase ao contrário: primeiro escolhi a ilha e só depois surgiu a história. Para mim, “Hanami” não podia acontecer noutro lugar. A ilha, com a sua paisagem, a sua energia, foi determinante.

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Denise Fernandes e o produtor Luís Urbano [O Som e a Fúria] durante a apresentação de "Hanami" na antestreia no Batalha Centro de Cinema.

Numa outra entrevista, julgo que foi uma reportagem de Cabo Verde onde a Denise iria programar sessões do “Hanami” para a comunidade da Ilha do Fogo, ressaltou a importância de trazer autenticidade às pessoas e aos locais retratados no filme. Tendo em conta que a Ilha do Fogo tem sido representada por realizadores estrangeiros — como Pedro Costa, entre outros —, gostava que me falasse sobre essa necessidade de um olhar interno. E também sobre o realismo mágico presente em “Hanami, como é que ele se cruza com esse conceito de autenticidade?

A autenticidade, para mim, não é algo que se procura, mas sim algo que se respeita. É um compromisso com as pessoas que vivem aquilo que estou a filmar. Sendo cabo-verdiana, embora não do Fogo, senti que o mínimo que podia fazer era garantir que quem vive na ilha se reconhecesse no retrato que apresentava.

Quanto ao realismo mágico, não foi uma escolha estilística deliberada no sentido clássico. Cresci a ler livros infantis onde tudo era possível; personagens que voavam, portas que se abriam para jardins infinitos. Mas raramente vi essas possibilidades aplicadas ao contexto africano. Era como se a África fosse sempre apresentada como lugar de limites, de carência. Com “Hanami, quis contrariar isso.

A “magia” no filme não foi inventada, ela já lá estava, na forma como as crianças veem o mundo, nos rituais, na paisagem. Apenas a aceitei como parte do universo. Para mim, filmar o realismo mágico foi filmar o real, só que com os olhos de quem está disponível para ver o invisível.

Quando pensamos na Ilha do Fogo no cinema, é difícil não lembrar imediatamente de “Casa de Lava”, do Pedro Costa, por exemplo, e de outros autores portugueses que, depois dele, foram a Cabo Verde retratar as suas próprias ideias sobre o país. O seu filme parece contrariar essas visões externas. Tem alguma posição sobre essa tradição? Vê o “Hanami” como um gesto consciente contra esse olhar?

Sim, tinha consciência de que a Ilha do Fogo já tinha sido filmada por olhares exteriores, e, de certa forma, também o meu é um olhar exterior: como disse sou da diáspora e não nasci naquela ilha. Mas escolhi não me focar nesses outros filmes. Quis concentrar-me no meu percurso, no que desejava contar.

Dito isto, claro que desejo uma mudança: um futuro onde as histórias de Cabo Verde sejam contadas de dentro para fora. Onde a ilha não seja apenas um cenário exótico, mas um lugar com voz própria. O ideal seria que os próprios realizadores cabo-verdianos tivessem os meios e as oportunidades para narrar o seu país. O que já foi feito está feito — não costumo comentar. O que me interessa é o que ainda está por vir, e o que podemos construir a partir de dentro.

Mas existe um momento, diria até, quase de antípoda no seu filme. Há uma energia japonesa, não só representada no título da obra (“Hanami” = palavra nipónica que significa “contemplar as flores de cerejeira”) como também em vários elementos a certa altura. Porquê o de cruzar estes universos tão distintos? Há uma tentativa de aproximação entre culturas que aparentemente estão nos antípodas?

O tema do Japão é, ao mesmo tempo, simples e complexo. Não queria que o filme fosse só sobre uma ilha isolada no mundo. Queria mostrar que essa ilha também pode estar ligada ao resto do mundo, que há pontes possíveis, mesmo que pareçam improváveis. E, pessoalmente, novamente, enquanto cabo-verdiana da diáspora, cresci com uma certa narrativa sobre África como um lugar distante, quase incomunicável com o resto.

Aceitamos muitas vezes essas narrativas sem as questionar, e isso é doloroso. O que tentei fazer com o “Hanami” foi contrariar isso: criar uma metáfora de aproximação. A presença japonesa não é um exotismo gratuito, é um exercício de empatia, de espelhar experiências humanas aparentemente distantes que, afinal, podem ter muito em comum. 

Posso avançar que a tartaruga presente nesses “espaços de aproximação” funciona como uma subtil representação do Tempo? Ou é apenas a minha leitura?

A tartaruga? Sim, pode representar muitas coisas — o tempo, a continuidade, o ritmo da natureza. Mas prefiro deixar isso aberto à interpretação de cada um [risos].

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Voltando ao território da autenticidade, e novamente àquela reportagem em Cabo Verde: você falou sobre trabalhar com não-atores. Gostaria de saber mais sobre essa escolha e como isso se relaciona com a autenticidade do filme.

Na verdade, essa não foi uma escolha consciente no sentido de querer trabalhar com não-atores. A realidade é que estamos a falar de Cabo Verde, de um país que não tem uma indústria cinematográfica forte, como em Portugal, França ou nos Estados Unidos, onde há uma enorme disponibilidade de atores profissionais. Para fazer um filme em Cabo Verde, na Ilha do Fogo, e especialmente em locais remotos, como o Pacífico, sabia desde o início que ia ser feito com pessoas locais, da própria ilha. Quase todos os atores portugueses presentes no filme nunca tinham feito filmes antes. Isso não era apenas uma escolha minha, era uma realidade do contexto em que estávamos a trabalhar.

No entanto, penso que isso acabou sendo uma das maiores riquezas do filme. Eles trouxeram uma autenticidade e uma naturalidade para as suas personagens que não teria conseguido alcançar de outra forma. Mesmo sabendo que não eram profissionais, eles deram muito ao filme. Para mim, trabalhar com não-atores foi uma maneira de ter uma conexão mais direta e genuína com as pessoas e a história, sem as formalidades e os limites que às vezes um ator profissional pode trazer. Foi um grande desafio, mas também uma experiência profundamente enriquecedora.

Só mais uma questão que tem a ver com o trabalho com não-atores. Sabemos que em muitos filmes, quando se trabalha com não-atores, ou atores não profissionais, como muitos preferem apelidar, há sempre esse elemento de autenticidade que é difícil de conseguir com profissionais. Como é que você lidou com a direção dos não-atores? Foi um desafio maior para você, já que, como você mencionou, a maioria deles nunca tinha atuado antes?

Sim, foi um desafio grande, porque, de facto, a maior parte das pessoas que participaram no filme não tinham experiência com a atuação. Mas, ao mesmo tempo, isso foi uma grande vantagem para o projeto. Ao contrário do que poderia parecer, a falta de formação formal em interpretação não limitou as pessoas, porque elas trouxeram algo que nenhum ator profissional poderia oferecer: uma espontaneidade, uma forma muito pura de expressar emoções, que é muito característica de quem vive naquele ambiente.

E a direção foi algo que teve de ser ajustado constantemente, porque era necessário trabalhar mais com as emoções e as reações naturais das pessoas do que com a técnica de atuação. Queria que as personagens fossem verdadeiras, não criadas, e, por isso, o trabalho foi mais de orientá-las para o que a cena exigia, mas sem perder a autenticidade. A maior parte das cenas foi construída no improviso, e as reações, as interações entre os personagens, eram muito naturais. Foi importante também criar um ambiente de confiança com eles, onde se sentissem à vontade para se expressar sem medo de errar.

Claro que houve momentos difíceis, como seria de esperar, especialmente em algumas cenas mais emocionais, mas, no final, tudo isso acabou sendo uma das maiores riquezas do filme. Eles estavam completamente imersos nas suas personagens e na história, e isso é algo que é muito difícil de reproduzir com atores profissionais. Para mim, foi uma experiência extremamente gratificante, o de dar voz a quem nunca tinha sido ouvido nesse contexto cinematográfico.

No terceiro ato do filme, há uma forte questão identitária em jogo, principalmente relacionada à protagonista e ao seu conflito com a mãe, e até mesmo à recusa de ir com ela para fora da ilha. Encaro isso como um dos pontos centrais do filme — um questionamento profundo sobre o que significa “ser cabo-verdiano hoje”, na diáspora, e mesmo na ilha. Gostaria de saber o que você pensa sobre isso. Ou, numa questão mais aberta, que “significa ser cabo-verdiano” para você?

Ah, essa é uma pergunta que não tenho uma resposta definitiva, e gosto muito de não ter [risos]. Para mim, a beleza dessa questão é justamente a sua resposta indefinida. O que significa ser cabo-verdiano é pode variar de pessoa para pessoa, de experiência para experiência, e, por isso, também gosto que o filme lance essas perguntas ao espectador, sem impor uma resposta clara.

É claro que, hoje, ser cabo-verdiano tem a ver com o que estamos vivendo agora, mas talvez também com o que já foi vivido e isso não é algo estático. O conceito de identidade é fluido, e também muda dependendo do tempo e da perspectiva. Gosto da ideia de que a resposta não é algo fixo, algo que se pode definir de uma vez por todas. Cada pessoa tem a sua própria experiência, a sua própria vivência da identidade cabo-verdiana. E o filme, para mim, abre esse espaço para reflexão, sem querer forçar uma única visão sobre o que é ser cabo-verdiano.

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Agora, para terminarmos a nossa conversa, gostaria de saber se, sendo esta a sua primeira longa-metragem, que vai ser lançada nos cinemas portugueses esta semana, você já tem novos projetos em mente? Está a pensar em mais uma longa-metragem? Ou algum outro tipo de projeto?

Não sei... A minha resposta é muito simples. Espero que sim, mas também sou muito reservada com relação a isso. Na verdade, não gosto de falar muito sobre projetos antes de estarem realmente concretizados. Para mim, os meus filmes são quase como segredos, protejo muito o processo e os projetos. Considero que as pessoas só devem saber o que o filme vai ser quando ele chegar aos cinemas. Então, mesmo que tenha uma ideia ou sinopse, nunca diria exatamente o que vou fazer, porque para mim, o processo criativo é algo que deve ser protegido até o momento em que o filme se concretize. Espero que consiga fazer a segunda longa-metragem, mas, de facto, ainda está tudo muito no início.

Dizem que a segunda longa é ainda mais desafiadora do que a primeira. Vamos ver. [risos]

Nicolau, um rapaz de Lisboa

Hugo Gomes, 12.05.25

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Se Richard Linklater capturou uma vida num projecto megalómano em termos conceptuais com "Boyhood" (filmado ao longo de 12 anos, em progressão real), João Rosas acompanha, desde “verdinho” até aos seus “verdes anos”, a história de Nicolau, uma presença nas suas curtas-metragens e culmina por fim na sua primeira longa ficcional (tendo anteriormente estreado o documentário "A Morte da Cidade"). De "Entrecampos" (2013), passando pela desvirginação em "Maria do Mar" (2015), por "Catavento" (2020), até chegar ao demarcador "A Vida Luminosa", não com promessas de fecho, e sim em sugestões de novas abordagens. Nestes termos, Nicolau, sempre interpretado por Francisco Melo (cúmplice desta forma há mais de 11 anos) que, aos 24, acena à ruptura para com o sedentarismo em que parece preso.

Saído de uma relação difícil de dissipar da mente, do coração e do libido, dividido entre trabalhos precários e “de sol de pouca dura”, participante pouco entusiástico de uma banda de garagem que nunca arranca, o nosso protagonista constrói-se ora de forma proustiana, ora autobiográfica (como o realizador já declarou), ora ainda através de uma mistela geracional — do “rasca” ao “mal-amparado” — de futuros escassos mas esperanças intactas, alimentadas pela colheita da sua jovialidade. Sexo, cultura, a mística da tenra idade (como um passeio por Lisboa!), Rosas retrata tudo com exatidão e conhecimento, mantendo a credibilidade de um percurso íntimo. Adivinha-se que "A Vida Luminosa" possa ser lido de múltiplas formas: como “filme de cidade”, como crónica anedótica da juventude inconstante ou até como proeza do amiguismo. Porque, nesta capital tantas vezes solarenga, habitam figuras-chave de uma certa cultura lisboeta, bem como convites generosos a espaços que preenchem este imaginário de nicho.

Reconheço os lugares, as pessoas, até mesmo as situações .. confesso. Mas isso fará de mim um burguês? Uma “esquerda caviar”? São outros tostões, diremos. Mas em "A Vida Luminosa" há uma linha invisível que une diversas vivências, sem estas pertencerem obrigatoriamente ao mapeamento físico da cidade ou à sua cultura. A juventude tem dessas ‘coisas’: reconhece as dores nas nossas, e João Rosas capta isso como poucos no panorama nacional. É fácil apontar o dedo. Difícil é ver neste gesto [quase de autoficção] uma tentativa de diálogo com a modernidade: das mudanças, hesitações, inquietações, passivismos. Uma receita que serve para qualquer problema: político, social ou cultural. Na jornada de Nicolau, vemos o crescimento em ação, a maturidade em reflexão, a busca por afirmação … todos os ingredientes que compõem as maiores epopeias do século XXI, nestes tempos em que o mundo soa-nos esgotado de mistérios. Daí nascer a vaidade de revisitar memórias como quem quer voltar a experienciar o mistério da vida.

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Já me estou a alongar … Fica-se com um filme de passagens — um coming-of-age, como tomámos emprestado da língua anglo-saxónica — evidenciado aqui num “Boyhood às fatias”. Mas não consigo desligar-me do mistério. Ele ainda vive. Nas aventuras em salas da Cinemateca, naquele plano geral da fachada com o letreiro tão luminoso como um farol a orientar barcos errantes; na livraria [Linha de Sombra] captada por um travelling doce, com prateleiras abarrotadas e o catálogo Griffith a destacar-se desse “livredo”; ou na projecção de "The Wedding March" de Eric von Stroheim, onde a magia, ainda conservada pelo mundo despido de romantismos, acontece na luz projetada de um filme vintage, no piano de Filipe Raposo e nas mãos… Os melhores cineastas tendem em filmar mãos… A corresponderem-se nessa hibridez de som e imagem.

Foi desses momentos que João Rosas nos fez suspirar, pelo que a nossa modernidade, cada vez mais desencantada, cada vez mais refém de conceitos de realismo, ainda tem para nos oferecer. Mágica e verdadeiramente. Quero continuar a acreditar!

 

Competição Nacional do 22º Indielisboa

Eduardo Geada apresenta-se ao Desejo ...

Hugo Gomes, 12.05.25

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O desejo do olhar, ou melhor, O Olhar do Desejo. Novo ciclo na Cinemateca, mais um lembrete de que realizadores como Eduardo Geada caminharam entre nós. Porquê esquecê-los? "Sofia e a Educação Sexual", a depravação como jogo de aparências, e a emancipação encontrada na devida sexualidade. Crónicas de um país amordaçado, desesperadamente gritando por novos tempo, novos ventos, outras carnes.

O filme encontra-se igualmente disponível em DVD, numa edição de luxo, graças à parceira com a Academia de Cinema. Ver programação toda aqui.