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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Devolvam o nosso lagarto!!", dizem em uníssono os japoneses...

Hugo Gomes, 15.06.24

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Resgate parcialmente do antigo simbolismo envolto na figura do kaiju - em 1954, Ishiro Honda representou Gojira/Godzilla como uma manifestação corpórea da ameaça, vulgo medo, nuclear - Takashi Yamazaki ("Returner") transformou a criatura, hoje infantilizada pelos inúmeros exemplares de disaster movies e de conflitos entre monstros, num assombro às cicatrizes nipónicas pós-Guerra. 

Dessa forma, "Gojira -1.0" envolve-se em esquemas sociopolíticos, num enredo sentimentaloíde de um kamikaze cujo medo o levou reagir prontamente ao suicídio institucionalizado, e assim “escapar” à morte planeada (preenchendo-o, o nosso protagonista sim, com um dilema de dívida para com a sua própria Nação). Anos depois dos derradeiros golpes de Nagasaki e Hiroshima, ele pavoneia-se num Japão em escombros que se reabilita à medida que o país, num sopro, prossegue. O contexto e a sua intenção que o enfatiza na roda do seu espírito blockbuster não divergem muito do cinema nipónico pós-Guerra, que, nos alicerces da sua construida Idade de Ouro, serviu como veículo para transmitir e sintetizar as suas feridas, saradas apressadamente, e na crónica a esta relação de um Império esquecido com a sua subjugação ao Ocidente (e, deste modo, uma 'domesticação', talvez). 

Contudo, é uma rendição com um medo sucinto, atrevidamente despertado com a chegada dessa criatura da altura de um arranha-céus e de bafo nuclear, cuja imagética trazida pelo seu rasto de destruição não se afasta do belicismo evocado pela Segunda Grande Guerra e, eventualmente, do devastador "cogumelo" que fez o país reviver o pesadelo dos seus pesadelos. O resto é a mobilização civil em abater tal besta dos infernos, "saltando" as adversidades de uma nação que despachou a sua militarização como prova válida da sua derrota, exaltando os valores, politicamente incorretos, da coragem e sacrifício japoneses. 

"Gojira -1.0" é, em suma, um objeto que mimetiza os formatos spielberguianos do cinema blockbuster, sempre apimentado com um certo brilho propagandista, mais do que enriquecer as suas instruções históricas, ou ser verdadeiramente honesto nas suas metaforização (não nos deixemos enganar, é um filme-entretenimento concebido nessa raíz). Porém, é interessante, e a reação eufórica em torno disto viabiliza a vontade e a astúcia que esta grande produção (aos níveis da indústria japonesa) detém enquanto arma de arremesso contra os disparates sem ponta nem redonda que os americanos “reabilitaram” em franchises longos e tecnologicamente dependentes. 

Nesse sentido, acreditamos que a existência deste "Gojira" funcione como uma resposta a essa contaminação. Os americanos ficaram com Godzilla, mas só os japoneses o entendem devidamente.

Yoshiko Kuga (1931-2024)

Hugo Gomes, 15.06.24

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Cruel Story of Youth (Nagisa Oshima, 1960)

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The Woman in the Rumor (Kenji Mizoguchi, 1954)

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Love Letter (Kinuyo Tanaka, 1953)

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Com o ator Keiji Sada em "Good Morning" / "Ohayu" (Yasujiro Ozu, 1959)

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Com Yasujiro Ozu na rodagem de "Equinox Flower" / "Higanbana" (1958)

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Equinox Flower / Higanbana (Yasujiro Ozu, 1958)

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Drunken Angel (Akira Kurosawa, 1948)

O sacrifício de um cervo sagrado

Hugo Gomes, 29.03.24

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Com um percurso brindado com premiações - sendo a mais notável o Óscar conquistado na categoria de Melhor Filme Internacional, tendo algumas nomeações longe de serem desmerecedoras, como a de Melhor Filme e Realizador - Ryusuke Hamaguchi enfrenta agora o seu próximo grande desafio-dilema: ceder-se à luz do ouro da estatueta americana ou renegar essa escalada numa aposta... como diriam os Monty Python, "agora, algo completamente diferente". E foi isso que aconteceu, seguindo pela última via, invertendo a marcha como realizador de “world cinema”.

Para pernoitarmos em "Evil Does Not Exist", é importante entender o percurso e a sua preparação. O projeto iniciou-se através de um convite da compositora Eiko Ishibashi, que após a colaboração em "Drive My Car" (essa consagração de Hamaguchi), propôs ao realizador um trabalho visual que acompanhasse a sua nova partitura. O resultado foi "Gift"; porém, irrequieto criativamente, o autor expandiu essa mesma metragem-acompanhamento, adicionando diálogos, um enredo para além do visual, germinando assim a obra que nos deparamos. Embora com as suas transformações, mantém-se como um «filme mudo» na sua essência, que como o seu protagonista Takumi (Hitoshi Omika), mantém uma dependência espiritual para com o seu monte, a sua natureza, o ecossistema aí ameaçado pelo futuro empreendimento de “glamping” (glamour + camping).

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O filme abre-nos com esse espírito, o convite do realizador (e compositora) ao espectador, a proposta para que se olhe para o céu, este, “refugiado” por entre ramos e ramificações das copas das árvores que compõem este mítico bosque, um refúgio para o que aí virá, quer para o protagonista, para o espectador, ou para com a cadência bucolista. Não tão depressa, visto que a contemplação está na duração de uma passagem de créditos, chegamos a Takumi, homem aparentemente solitário, aproveitando o riacho para fornecer água a uma modesta casa de udon no vilarejo ali perto. E como bem percebemos, é um ritual, um episódio do seu quotidiano a roçar ao eremítico. O espectador, mais uma vez, é "convidado" a ficar-se pelos trajetos do transporte à fonte, apenas para que o som de um disparo, vindo do outro lado da montanha, assim informa Takumi, interrompa pacificamente a estadia do nosso protagonista (estrondo a soar como delimitador de atos, ou pré-avisos de “maldades” não declaradas). A natureza é aqui o mote, o tempo, a sua paciência, calma como uma meditação induzida, levando-nos a um estado de quietude permanente.

Até à chegada do aparente antagonista - uma vez mais o uso do “aparente”, dando conta que se trata de um trabalho sobre engodos e aparências, e nunca de conformações fáceis - o filme reage a um confronto ecológico e umas quantas fintas pelo caminho que subvertem a expectativa do espectador, que por sua vez sente-se traído pelos inúmeros “convites” feitos até então. Pois bem, até ao seu “aparente” clímax (peço-vos para que esta seja a última utilização de tal adjetivo), o espectador facilmente sairá decepcionado, mas será mesmo por culpa do filme, de Hamaguchi ou do aparente storytelling? (menti-vos não foi? Nem no crítico dá para confiar) Indico três motivos para nos sentirmos assim, e por sua vez, sairmos deslumbrados pela acidez reservada no recheio deste "bombom".

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A primeira, o facto de Hamaguchi não ser igual a si próprio, e ao mesmo tempo ser, ou seja, de natureza errática, nunca reproduzindo uma fórmula - mesmo que haja um trajeto que as une, e essa seja a comunicação e a sua árdua tarefa de a manter a um nível estático - a esse campo podemos apontar influência do seu professor, Kiyoshi Kurosawa. Segunda razão, a dependência do espectador atual pela imperatividade do chamado e por vezes limitado storytelling, da razão de tudo e de todas coisas na perceptibilidade dos mesmos, o que farão eles sem essa dominância? Estarão sozinhos na deriva, ou nadarão para encontrar a sua “terra à vista”? E terceiro e último ponto, aquela reviravolta, será ela um gesto de oportunismo que defronta as definições de maniqueismos nos dias de hoje, ou melhor, será a gravidade do ato invalidado pela nobreza da causa? Não se trata de ecologia enfiada a “goela abaixo”, antes a filosofia por detrás dessa fachada ecológica, o Humanismo e a sua natureza animalesca, atada com nós de marinheiro a imagens-alegóricas e fantasmagóricas, cervos, esses espíritos “niponizados”, feridos e ameaçados, em defesa não só da sua vida, como também do pequeno Império que os detém. 

Hamaguchi fez tudo isso, apenas movimentando brisas e se poupando nas palavras, rodou uma ópera rural, com espiritualidades bastantes para permanecerem como nativos. No fim, olhamos para o céu, novamente, o mesmo movimento, o mesmo plano, só que a perspetiva, essa, encontra-se alterada. Digamos mutada. Um belíssimo filme de uma natureza estoica e lacónica.

Para lá da eternidade, a música e a Ordem

Hugo Gomes, 28.03.24

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Assinala-se um ano de ausência, e é através da sala de cinema que nos reunimos para "comemorar" a missa. Ryuichi Sakamoto morreu, todos sabemos disso, porém, não o sabia - talvez sentindo uma espécie de premonição através do gesto - o seu filho, Neo Sora, que filmou o seu pai, mais do que isso, o artista perante ele. Um concerto íntimo, transformando aquele estúdio, no lugar mais solitário, apenas ele, Sakamoto, e o seu piano de cauda Yamaha, em tons cinzentos numa invejável valsa entre luz e escuridão. Nós, espectadores, assistimos em jeito fúnebre à sua performance derradeira, vislumbrando o seu legado e, pontuadamente, à sua Ordem (leia-se "Opus").

Por cada tecla acionada, a sua cabeça balança, há nisso um respeito permanente, uma vénia para cada nota, para a melodia, para a composição, e num salto ao eixo a luz do projetor eclipsada pela sua cabeça, uma aura ali manufaturada, uma santidade que mesmo gracejando com o cântico dos Deuses demonstra-se humilde perante a sua moralidade. Um engano surge, cadência errada, "vamos recomeçar" declara em modo de auto-confissão, a sua rigidez para com a sua própria arte, para com o seu próprio percurso, não deparamos com um amador, nem sequer com um veterano, ou antes, um santo no seu piano (pedestal).

Uma hora e quarenta, tempo necessário, curto e igualmente longo para lidar com as evadidas lágrimas que deslizam pela nossa face. Enxugamos-as com vergonha de as exibir como prova sentimental, Sakamoto não pretendia essa manifestação, a sua dedicação solicita um contemplamento, uma Ordem própria. O artista e a sua arte, que melhor casamento para acenar a uma despedida! Neo Sora promove esse Adeus com uma coletânea de planos-detalhes; os dedos que pressionam, opondo-se ao reflexo na tampa do teclado, os pés em simbiótica coreografia no pedal de sustentação, os contornos delicados do seu instrumento enquanto é orquestrado (vivido e fortalecido), as cordas dançantes o qual podemos maravilhar (espíritos invocados talvez), a respiração de Sakamoto forte e arrastado em sincronizada para com a extraída melodia, um corpo ali, sacrificado à Música.

De "Aqua" a "Last Emperor", passando por "The Sheltering Sky", e soando réquiem, a partitura que o catapultou ao seu merecido estatuto: "Merry Christmas Mr. Lawrence", tema da obra de Nagisa Oshima, o qual o próprio compositor contracenou ao lado de David Bowie (até ao fim dos seus dias arrependendo de não ter tido "melhor relação"), que por sua vez, contou com uma despedida coincidente, em forma de álbum, "Black Star", provando a música divina que os moribundos produzem no seu aproximar com o Fim. No caso de Sakamoto, a Ordem é a estrutura da sua arte, e com esse estandarte musicado lançamos-nos a uma última performance, os créditos finais, mesmo que necessários, poluem a tela, aquela figura que toca a música que nos acompanhará até à saída da sala. 

A “missa” terminou, agora o seu espírito pertence a um outro terreno. Quem sabe, talvez haja recitais onde ele estiver, e que esteja na companhia com que bem entender? Escutando a maravilhosa sonoridade que existe para lá da tumba.

Avista-se amadurecimento ...

Hugo Gomes, 18.03.24

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Ryusuke Hamaguchi a não desiludir, demonstra-se "bicho-carpinteiro", a não dar o dito pelo dito, nem se vergar por uma única fórmula. Um realizador que me chegou com elogios exagerados com doppelgangers e “horas felizes” tem amadurecido, os louvores ornamentam-lhe a cabeça desde que girou uma certa "Roda Fortuna", agora, com este passeio silvestre e místico onde  natureza humana manifesta-se mas não cede a bicolores, saímos encantados com algo simples, mas igualmente complexo ... portanto, façam uma boa viagem!

Oscars 2024: depois das legislativas, o atómico

Hugo Gomes, 11.03.24

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Como costumo dizer no final de cada cerimónia - "Acabaram-se os Óscares, que regressa o Cinema" - este ano, simplesmente, não aconteceu... E não me refiro aos vencedores, obviamente, a gala de prémios foi a mais previsível desde que "Coda" (quem?) abocanhou a estatueta de Melhor Filme numa noite quente marcada à bofetada. Não, o motivo foram as eleições legislativas altamente disputadas que tiraram o sono a qualquer português. Depois disto, qual o interesse de ver "Oppenheimer", o "mais importante filme do século", como vozes em uníssono declararam antes da produção estrear, levar um punhado de "homens dourados" (com alguns bem discutíveis, "Montagem? Por favor", outros bem merecidos como Robert Downey Jr. enquanto ator secundário)? Contudo, como é tradição aqui no espaço, um comentário - meio ácido, aviso desde já - da noite que se fez para lá de Los Angeles a marcar a manhã de uma ressacada segunda-feira. Portanto, cá vai:

Como tinha afirmado, Nolan é o esperadíssimo vencedor, antevendo um circuito altamente previsível e homogéneo. Cillian Murphy sai sorridente em oposição de um "Maestro" tristonho e vazio (para um filme com uma realização daquelas merecia mais, mas nada neste mundo é justo). Emma Stone, a frankensteiniana criatura de "Poor Things" de Yorgos Lanthimos, faz uma rasteira a Lily Gladstone na categoria de Melhor Atriz, e na mais disputada categoria, a de atriz secundária, Da'Vine Joy Randolph de "The Holdovers" acena às derrotadas America Ferrara e Danielle Brooks. Outra categoria digna de nota é a de Filme Internacional, com o britânico falado em alemão "Zone of Interest" a sobrepor-se a "Perfect Days" e "The Teacher's Lounge", sacudindo alguns fantasmas do Holocausto e incomodando, como se percebeu no discurso de Glazer, o conflito israelo-palestiniano. E por fim, digno de nota, o nipónico e "underdog" "Godzilla Minus One" a triunfar na competição dos efeitos visuais, deixando para trás candidatos com potencial como "The Creator" e o terceiro "Guardians of the Galaxy", e (confesso, o prémio que mais felicidade me trouxe), a animação para "The Boy and the Heron" do nosso mestre Hayao Miyazaki.

E pronto, é isto. "Acabaram-se os Óscares, que regressa o Cinema"!

Os Melhores Filmes de 2023, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 27.12.23

Plataformas há muitas! Cada vez mais chorou-se pelas salas vazias e as telas projetadas sem companhia, mas é no encontro de 2023 que testemunhamos uma mudança neste paradigma da sala de cinema, anteriormente dominado pelo cinema “disneysco” e “super-heroesco”. As notícias de fracassos de box-office, à primeira vista, fariam qualquer adepto do cinema em sala arrancar cabelos e a gritar desalmadamente pela vida - ”se os super-heróis fracassam, o que mais poderia funcionar para conquistar espectadores?” - porém, a resposta fez-se pelo ciclo natural, Disney e os seus afilhados falham, dando a vez a outros fenómenos e a outros cinemas a dominar. 2023 foi o ano de “Barbenheimer”, a conjunção de memes de internet que rendeu milhões na estreia simultânea - “Barbie” e “Oppenheimer” - Greta Gerwig e Christopher Nolan a dupla esboçar sorrisos aos investidores, e a partir daqui, pequenos “milagres”, um cinema, talvez, mais adulto a fazer as delícias de “moviegoers”. 

Mas quanto ao Cinema? Digamos que se 2023 fosse resumida a vinicultura, seria uma boa colheita, a ser degustada e servir à temperatura ambiente como acompanhamento de um prato refinado. Sim, foi o ano em que o cinema estruturalmente e essencialmente se pensou e nele desviou-se a atenção do slogan “Cinema Morreu”, e substituiu-se pelo “Cinema está Vivo”. Victor Erice acreditou na sua “segunda vinda”, Nanni Moretti cedeu aos novos tempos (mesmo com um ar derrotado), Damien Chazelle codificou a fórmula da energia cinematográfica (o caos que gera harmonia), Bradley Cooper releu o classicismo e atribui-lhe roupagem a condizer, Wes Anderson castigou o realismo simulado e a imperatividade da continuidade (essa praga dos novos tempos) e Wim Wenders sugeriu que parássemos e contemplássemos o nosso redor. Por outras, o Cinema permanece à nossa volta, basta procurar, olhar e deliciar, os “velhinhos” da casa que teimam em vender o contrário fecharam há muito nos seus respectivos sótãos. 

Segue, sem mais demoras, os 10 filmes que o Cinematograficamente Falando … selecciona como os melhores do ano, respeitando o calendário de estreias nacionais (sala ou plataforma de streaming):

 

#10) Falcon Lake

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“Porém, a viagem é ela mesma corrompida, “Falcon Lake” deseja a sugestão como ninguém e nisso quebra a narrativa numa encruzilhada quase shyamaliana, depois disso o filme ganha um outro significado, uma outra visão, um outro efeito, o que nos leva ao grande dilema da nossa modernidade enquanto espectador - continuidade? Fortalecer ou enfraquecer?” Ler Crítica

 

#09) Killers of the Flower Moon

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“A tempestade, o Scorsese “velho” porém estilizado e fora de horas, é exorcizada nestas recentes estâncias, possivelmente na busca de um derradeiro título, em “Killers of the Flower Moon”, se tudo correr bem não deterá esse papel, mas é o ritual de afirmação para com essas memórias que se contrapõe a um Scorsese “novo”, mais próximo para com o súbito desvanecer.“ Ler Crítica

 

#08) EO

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Conta-se que Noomi Rapace, integrante do júri da edição de 2022 do Festival de Cannes, julgou em “EO” encontrar um realizador jovem no hino das suas vidas promissoras. Nada disso, Jerzy Skolimowski vai nos seus 85 anos, e com esta peregrinação exemplar, cita e recita o esperado filme de Bresson [“Au Hasard Balthazar”], remexe num cinema animalesco, de uma animalidade em contraposição da suposta e vendida Humanidade. Trata-se dessa refilmagem espiritual que cede à sua perspectiva e nos evidencia um filme fora do registo antropocentrista, e para resultar nele um Cinema puro que há um par de anos o russo Viktor Kossakovsky parece ter tecido - “Gunda”. O Cinema na pureza do seu lar, a Natureza como seu berço narrativo. “EO” não se equipara nessa pretensão, faz uso dessas iguais ferramentas. 

 

#07) Asteroid City

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“Terminou! A música anuncia o final, de costas voltadas para o proto-vilarejo que empresta o nome à película, os créditos finais começam a rolar, um papa-léguas, curioso pássaro testemunhante das peripécias ali fabricadas, balança no ecrã, fazendo ”pirraças” a quem vai gradualmente saindo da sala. Aos que ficam, a sua dança vitoriosa vira recompensa. Não quero abandonar este filme, não consigo de todo abandoná-lo. Rastaparta ao realismo!” Ler Crítica

 

#06) Perfect Days

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Wim Wenders também está, como é claro e sucinto, a envelhecer, não é o realizador de antes (e quem poderá ser na verdade?), pegando nesta curta de encomenda - uma aclamação pelos banheiros públicos da capital japonesa - transformou-a numa longa em perseguição à sua própria sombra, a metáfora de reconhecer o inalcançável. A vida é de curta estadia, aproveitar o que dela contêm, os “pequenos prazeres” de dia a dia, ou simplesmente devagar e devagarinho, receber cada raio de Sol uma benção, um “perfect day” cantarolando pelo esperado single de Lou Reed. Soa-nos conversa motivacional, pois soa, mas garanto-vos que a obra nada tem de desbaratamento inspiracional, porque não passa de uma filosofia quotidiana constatada, o yang ao lufa-lufa e do sucesso enquanto objetivo vivente, pregado vezes sem conta pelos falsos-ídolos do Ocidente.” Ler Crítica

 

#05) Afire

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O protagonista (Thomas Schubert) não é de fácil empatia, mas banha-se dela porque nos sentimos identificados com a sua negada emancipação, das troças do destino ou do bloqueio que o atingem enquanto maldição vindo de Deuses embusteiros. O novo filme de Christian Petzold é um magnetismo a fantasmas, seja Paula Beer em evocação da musa petzoldiana perdida (Nina Hoss, saudades tuas), seja a aura malapata deste scrooge escritor que parte para o litoral na tentativa de completar o seu romance. Soa-nos remédio-santo para assumir uma mediocridade, personagens que fazem isso merecem a ala mais elevada do Além celestial, contudo, mais do que a inteira consciência desse feito (que nunca se materializa), “Afire” é um jogo cruel, castigador deste narcisismo autodestrutivo, chegado por vias de apólices, essas epifanias ardentes e misteriosamente cadavéricas. Recorro a esta obra como um “livro aberto”, a proeza de conseguir ligar-nos aos desprezíveis, logo, incompreendidos protagonistas. 

 

#04) Babylon

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“Quanto ao nosso contacto com “Babylon”, a sua reação dispar é um sintoma de como Damien Chazelle acertou na mouche, odiar o seu lado “monstruoso” é natural e fortalecedor ao seu conceito, deslumbrar com ele é de igual forma. Um risco de produção, acentuada numa indústria que atravessa a sua crise identitária (não confundir com outras identidades). Julgo que não teremos outro filme assim durante um longo período … Obrigado Chazelle, por mostrares que és o melhor dos dois mundos!” Ler Crítica

 

#03) Il sol dell'avvenire

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“Já em “Il sol dell'avvenire”, o criado filme aproxima-se do quotidiano de Nanni (Moretti sendo ele mesmo, quem mais?), envelhecido, cansado e à sua maneira reacionário, incapaz de lidar com as transformações que a sua vida experiencia uma e outra vez. Talvez é nesse intuito que aqui o filme muta, já não é mais um espelho de quem não consegue “olhar de frente” para o trajeto da sua existência; é antes uma determinação e quiçá uma superação.” Ler Crítica

 

#02) Tar

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“Contudo, este jogo de duas faces instala esse efeito de dupla interpretação, onde cada um vê consoante a sua sensibilidade, como nos fizeram crer, felizmente “Tar” é uma espécie de palimpsesto, duas melodias na mesma nota sem com isto ser necessariamente uma questão de leitura ou de perspetiva, ou diríamos melhor, numa inquisição de perguntas e não de resposta. O Cinema não tem obrigação de responder a nada, por isso quem procura decifrar a autenticidade do seu simbolismo perde instantaneamente o seu efeito aqui.” Ler Ato I, II, III

 

#01) Cerrar los Ojos

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“Um despertar com contrariedade, porque é no encerrar os olhos que o Cinema vive. É no fechá-los que voltamos a Acreditar. Victor Erice acredita, acreditou e acreditará, a sua persuasão leva-nos a acreditar também.” Ler Crítica

 

Menções honrosas: Knock at the Cabin, Nação Valente, Nayola, Maestro, World War III, Sur L’Adamant