Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Vossa Excelência, a "Rainha de Espanha" ...

Hugo Gomes, 06.10.17

401252.jpg

Dezoito anos depois das peripécias tragicómicas de “La niña de tus ojos”, Fernando Trueba regressa a essas familiares personagens, a essas caras que cresceram com ele e na indústria espanhola. Penélope Cruz, por exemplo, transformou-se neste período de tempo numa estrela global. Em “La reina de España” (“A Rainha de Espanha”) seguimos a chegada de Hollywood a terras de Franco, a criação dos grandes épicos históricos espanhóis e a formação de grandes estrelas castelhanas; de Espanha para o resto do Mundo.

Sim, Trueba (do oscarizado “Belle Époque" e “Chico & Rita”) consegue neste filme recuperar um certo tom de júbilo, enquanto olha satiricamente para o cinema norte-americano e os seus acréscimos. A obra é fustigada pela sua crítica política, multifacetada, polivalente, mas completamente insaciável. Infelizmente, é essa característica que transforma a 'Rainha' num filme demasiado trocista e sem a devida credibilidade no seu discurso. É possível verificar as diferenças estéticas entre a sequela e o original. “A Rainha de Espanha” funciona como uma representação da atual indústria espanhola (sem querer generalizar), a perda da sua identidade técnica e cinematograficamente linguística e o abraçar para dos códigos rotineiros do cinema mainstream ocidentalizado, ou simplesmente,  o mero telefilme.

É um filme que aposta sobretudo no seu conteúdo, acima da sua forma e, nesse aspeto, Trueba conduz-nos a uma revisitação cansada, ilibada pela culpa do oportunismo, mas que nem sempre encontra na homenagem um trunfo cinematográfico. Penélope Cruz revela-se na estrela formada, o astro que em 18 anos conquistou meio Mundo, mas hoje, "afagada" por uma chama vencida.

Talvez num terceiro filme, se Fernando Trueba permitir, Cruz seja convertida numa espécie de Gloria Swanson, uma diva decadente iludida pelo glamour de outros tempos. Mas por enquanto, fiquemos com esta "brincadeira franquista", o mais recente pronto e esquece do cinema espanhol.

Fernando Trueba: "Nesta indústria, se um realizador tem um Óscar, ele é ouvido com mais atenção"

Hugo Gomes, 04.10.17

GettyImages-635154632-scaled.jpg

Fernando Trueba

Para o realizador espanhol Fernando Trueba, Portugal é uma terra familiar, uma espécie de segunda casa. Foi exatamente aqui que concretizou a sua obra-chave, “Belle Époque”, filmada integralmente no nosso país. Essa “Bela Época” garantiu o Óscar a Trueba, que desde então tem vindo a tentar a sua sorte nos mais diversos géneros e estilos cinematográficos, entre eles, a animação, onde novamente figurou na gala das muy cobiçadas estatuetas com “Chico & Rita”. Porém, neste caso, ficaria somente pela nomeação.

La Reina de España” (“A Rainha de Espanha”), a sua mais recente obra, é uma continuação de um dos seus grandes êxitos, “La Niña de tus Ojos”, a história de cineastas espanhóis em terras de Hitler que suscitou uma sátira sob o signo nostálgico da Sétima Arte, no seio do assombrado clima do nazismo. Nesta sequela, o alvo é Hollywood fora de Hollywood, as primeiras colaborações dos EUA com Espanha através do cinema, o regresso das personagens que escaparam às garras de Adolf Hitler, e que agora residem sob a ameaça do regime de Franco. Mas a sátira continua, da mesma maneira que o amor por Portugal subsiste em Fernando Trueba. Tive o privilégio de conversar com o realizador.

Queria começar a conversa por dizer que Fernando Trueba é um realizador bastante querido para Portugal, até porque o Óscar que recebeu com “Belle Époque” (1992) foi, em certa parte, português.

Sim, claro, porque muita da equipa era portuguesa, assim como o filme foi filmado integralmente em Portugal. No momento em que recebi o Óscar, agradeci sobretudo aos meus colegas portugueses, também franceses e espanhóis, porque tinham alguns dessa nacionalidade na nossa equipa.

E agora regressa ao país para apresentar a sua mais recente obra.

6 Anos antes de “Belle Époque” já havia concretizado um filme em Portugal, “El Año de las Luces”, que foi rodado em Ponte de Lima. Mas aí a equipa era totalmente espanhola, havia sim gente que trabalhou direta ou indiretamente no filme, mas era sobretudo gente local, que ajudava na produção, na decoração, afins, e havia um ator português.

Falando em regressos, como foi este revisitar o destino de Macarena Granada?

Não foi um regresso a Macarena Granada, mas sim ao seu universo, porque para além dela retornaram outros personagens, oito para ser mais exato. Na altura que realizei “La Niña de tus Ojos” não pensava em fazer uma segunda parte, mas depois de terminar o filme de 1998 muitos questionaram-me se a personagem do realizador [Blas Fontiveros] havia morrido, o que teria sucedido a ele. Eu inicialmente respondia: “Não sei, só sei o que está no filme”. Passado pouco tempo o meu discurso alterou para “sim mataram-no”. Percebi então que as pessoas gostavam da precisão, de factos concretos.

Certo dia, já nem me lembro se estava a pé ou no meu carro, mas sei que comecei a questionar, “porquê matá-lo? Que mal ele fez? Ele era apenas um realizador, não estava envolvido em nenhuma conspiração contra Hitler”. Então imaginei o seguinte: durante aquele período de ascensão do nazismo na Alemanha, Espanha está em guerra [guerra civil] e ninguém reclama por ele, e assim é esquecido na História e tentaria voltar a um país irreconhecível num tremendo conflito. Pensei nisto, mas não com a intenção de escrever uma continuação, foi antes uma insinuação.

O que aconteceria com Macarena? Será que ela se tornaria uma estrela de Hollywood? Sim, ganharia o Óscar e teria um tremendo sucesso mundial. E os outros? Os outros continuariam lutando pelas suas vidas e carreiras, trabalhavam e envelheciam.  Foi com esses “e se” que o filme começou a construir-se na minha cabeça. Supor o destino destas personagens, e à medida que suponha comecei também a imaginar gags, sequências cómicas e divertidas que entretanto poderiam suscitar esse regresso a Espanha e a estas velhas personagens. No intervalo destes dois filmes, falava com os atores e perguntava: “e se eu fizesse uma segunda parte de “La Niña de tus Ojos”? Vocês entrariam?” Todos aceitaram. Todos. Passados alguns anos, dei por mim a trabalhar nesta “A Rainha de Espanha”.

O primeiro obstáculo era decidir onde decorria e quando. Cheguei à conclusão que o melhor período era a época dos americanos, quando estes chegariam de Hollywood para filmar as suas grandes produções – entre 1956 a 1964. E, ainda melhor, o primeiro filme americano nas terras espanholas, nada melhor, visto que “La Niña de tus Ojos” decorria em ’1938 e eu filmei-o em 1998, este aconteceria em ’1956 e filmaria-o 18 anos depois (para corresponder exatamente a esse espaço de tempo decorrido. É uma “tontaria” mas funciona). Seria um daqueles épicos históricos que só Hollywood sabia fazer, o derradeiro filme, aquele que ligaria novamente todas as personagens. 

f.elconfidencial.com_original_456_7a0_31a_4567a031

Fernando Trueba dirige Penélope Cruz em "La Reina de España" (2016)

Uma das personagens de “A Rainha de Espanha” clama a certa altura que “Hitler era o protagonista, Franco o ator secundário”. Podemos referir este filme como uma crítica política?

Eu vou realizar uma comédia, e se esta for boa contará com elementos que condizem com a realidade, a crítica como chamamos, o comentário social, tudo isso estará imposto no filme. Acredito que todas as comédias resultam, de certa forma, em críticas, até mesmo as dos irmãos Marx. “Duck Soup”, por exemplo, na sua maneira mais absurda, era um autêntico comentário social.

Mas atenção, por mais político e crítico que o filme seja, o objetivo de realizar e escrever um filme não é a iniciativa de construir uma crítica política. No meu caso, eu não quero fazer crítica, antes disso vou contar uma história da melhor forma possível e é nela, no caso de ser bem sucedida, que se vai concentrar a referida crítica. No filme colocamos a nossa personalidade, o nosso ponto-de-vista, o amor ao cinema, muita coisa importante, mas automaticamente não assumimos a crítica política. Eu não faço críticas políticas, faço filmes.

Sempre falamos de política, e fazemos sempre críticas dessa natureza. Quando estamos com os amigos, ao jantar, no trabalho, etc., no filme apenas falo de política, mas como havia referido antes, o meu ponto-de-vista é salientado na obra. Ora aí tens a crítica política. Inicialmente eu não o faço, mas sim filmes. Contudo, e buscando a lógica desse teor político, se vou contar uma história decorrida na era franquista, como poderia não contornar a evidente crítica. Ser um testemunho da situação e invocar todos os elementos que coexistiam com a época.

Para além da crítica, há momentos puros de sátira, principalmente no seu retrato a Hollywood.

Sim, de alguma maneira é. Tentei ser realista em caracterizar as intuições de Hollywood em Espanha. Eles chegaram ao país com a ambição de concretizar aqueles épicos históricos, mas um histórico da palavra hollywoodiana, não os de coerência histórica. Também tínhamos a temática dos “black list”, argumentistas condenados pelas suas ideologias políticas e restringidos, de forma a sustentarem-se, a filmes menores. Muitos deles, por exemplo, seguiam para Itália para concretizar os peplums. Tentei condensar isso na minha personagem argumentista, lembras-te dele referir que trabalhou nesse país num filme sobre Pompeia? Pois, e que aceitou seguir para Espanha para concretizar o épico histórico representado em “A Rainha de Espanha”?

Estes “black list” eram contratados para trabalhar nas produções de Hollywood na Europa, apenas por questões financeiras. Eram mais baratos, ninguém nos EUA ousaria dar-lhes emprego, considerava-os numa ameaça. Eles tinham que trabalhar para sobreviver, aceitavam “trocos” e o nome deles nem sequer era merecedor de surgir nos créditos. Um deles, Dalton Trumbo (penso que fizeram um biopic recentemente dele), um notável escritor que fora uma das vítimas dessa condenação da lista negra, restringido a trabalhos que mais ninguém queria, ou sujeitos a pseudónimos. O mesmo fizeram com Donald Ogden Stewart, que fora o argumentista de “Philadelphia Story”, no qual venceu um Óscar, e que passou o resto da vida a trabalhar em Londres.

Isto tudo faz lembrar uma história. Quando foi reinstalada a democracia em Espanha, o partido comunista foi legalizado e assim organizada a primeira festa do partido. Eu não sou comunista, nem nunca fui, mas fiquei curioso acerca deste evento. Era o primeiro do país, um acontecimento, só por isso queria ir à festa. Cheguei lá e deparei-me com milhões de pessoas, políticos, artistas cantando, dançando, todas as artes unidas num só lugar. Aqueles artistas de esquerda, que anteriormente todos condenavam, ali a brindar a vitória da democracia e a legalização do seu partido. E no meio daquele “mar de gente” estava Melina Mercouri, a atriz que se tornou ministra da cultura da Grécia. Ela estava lá! E com ela, o seu  marido, Jules Dassin, o realizador de “Naked City” e que trabalhou com a atriz naquele filme famoso, o “Never on Sundays”, que penso ter vencido um Óscar. Um excelente realizador, sim, era excelente.

Mas bem, continuando … estava naquela festa, apertado devido à multidão, e começa a chover. Foi então que vi no horizonte aquele sujeito elegante de cabelo branco, do estilo Nicholas Ray [risos]. Ele passava pelas pessoas e ninguém o reconhecia, eu decidi então abordá-lo, “Oi, você é Jules Dassin!””Sim, sou, você conhece-me?”. “Eu conheço os seus filmes, quero um dia fazer cinema”. Lembro perfeitamente, estava a chover fortemente em Madrid, e eu ali ao lado de Dassin. Naquele momento ele disse que estava na “black list”, que teve que sair dos EUA para poder trabalhar. Imagina só, um realizador daquela categoria e não poder trabalhar por causa da sua visão política! E pior, ninguém sabia quem ele era naquela festa. Estávamos a falar de um realizador de Hollywood.   

Existe outra “farpa” lançada na Rainha de Espanha aos prémios da Academia. No seu filme, vocês apresentam a personagem de um realizador, de pala no olho, que conquistou mais de uma centena de Óscares. Visto como um grande em Hollywood, você o exibe como um calão, sem talento e desleixado. De certa maneira, encontramos aqui uma crítica aos Óscares e as escolhas destas? Por outras palavras, o que significa para si a estatueta?

Nesta indústria, se um realizador tem um Óscar, ele é ouvido com mais atenção, como se a estatueta fosse uma espécie de credibilidade, uma carta de apresentação. Em relação ao meu Óscar, curiosamente, “Belle Époque” foi o filme de língua estrangeira mais visto naquele ano nos EUA, e, não desprezando, até porque recebeu excelentes críticas. Mas não era o favorito à estatueta. Nesse período, o predileto era o candidato chinês, “Farewell My Concubine” [“Adeus, Minha Concubina”], de Chen Kaige, mas no final fomos nós os vencedores. Anos mais tarde, aconteceu o mesmo com o filme de animação, “Chico & Rita”. Éramos os favoritos, mas a estatueta foi parar ao “Rango”, que era de um gigante, a Paramount. Nós, por outro lado, tínhamos uma produtora tão pequena nos EUA.  

image.jpg

"Chico & Rita" (Fernando Truba & Javier Mariscal, 2010)

Sim, há um lado movido por “influências” nos bastidores da gala do prémio mais cobiçado da Sétima Arte.

A influência tem muito poder. Existe muita gente que trabalha através disso, influência. E no seio desses prémios existe gente disposta a votar em filmes fora dos grandes estúdios. Por vezes até mesmo os independentes ganham, mas é raro. Nesse ano, “Chico & Rita” era um acontecimento, nunca tivemos uma animação espanhola entre os nomeados, e era o meu primeiro filme do género. Só o facto de ter estado lá, foi um feito.

E haverá um terceiro registo de Macarena Granada?

Por vezes penso, mas tem que passar no mínimo, dos mínimos, 10 anos, para poder dar um salto no tempo. Não é um projeto que tenho em mente, assim como não era plano concretizar um segundo filme. Todavia, existem muitos que me perguntam exatamente isso, e eu na brincadeira respondo que o terceiro filme decorrerá em maio de ’68, em Madrid. Enquanto França estava na sua revolução, em Espanha estávamos nos westerns spaghettis

Como última questão, e a mais “tricky”. “A Rainha de Espanha” está rodeada de uma certa polémica que envolve os direitos das personagens. Os argumentistas - Manuel Angel Egea e Carlo Lopez - o processaram devido à ausência dos seus nomes nos créditos destes filmes, e visto que estiveram presentes na criação de algumas das personagens “repetentes” de “La Niña de sus Ojos". O seu irmão, David Trueba, sai em sua defesa. O que tem a dizer sobre este assunto?

A verdade é que esses argumentistas não escreveram absolutamente nada. Eles escreveram um guião, sim, que venderam a um produtor e este ofereceu-me a mim. Eu li e não gostei, o produtor disse que eu poderia alterar o que quisesse e respondi exatamente isto: “aí está o problema, eu não gosto rigorosamente de nada. A única coisa que acho interessante é a época.A época dos espanhóis na Alemanha. Isso dava para fazer uma comédia, mas de resto nada, este guião vale um zero.” Aí o produtor questionou: “mas se reescreveres, farias o projeto?” Então aceitei nessas condições, demonstrei o meu interesse se pudesse escrever o guião do zero e ainda fiz mais uma exigência, queria Rafael Azcona.

Durante vários anos eu e o Rafael trabalhamos neste argumento e, acredite, eu nunca estava satisfeito. Tivemos um ano apenas dedicado à documentação, a prova que começámos do zero. Pesquisamos Riefenstahl, Goebbels, Guerra Civil Espanhola, os espanhóis que foram para Berlim, a biografia de Franco, etc., um trabalho de estudo. Partimos completamente do zero. Mas mesmo assim, não estava satisfeito, então vim para aqui [Portugal] e fiz o “Belle Époque”. Reescrevemos depois o guião mais duas vezes e, mesmo assim, não estava contente. Então foi a vez de Miami e lá fiz o “Too Much”.

O meu produtor só me perguntava, “não queres fazer o filme?”. “Claro que sim, a história é muito boa só que não consigo acertar no guião, quer dizer, adoro os dois primeiros atos, mas o terceiro … bem, simplesmente não gosto”. Nessa altura o meu irmão estava a começar a sua carreira, tinha publicado o primeiro livro e então foi sugerido: “porque não chamamos o teu irmão para a equipa, talvez precisemos de alguém novo e fresco para compor o terceiro ato”. O meu irmão embarcou na equipa e conseguimos, não só, escrever o terceiro ato, mas  redefinir todo o filme. Por exemplo, a personagem do tradutor, que para mim era o melhor do filme, não estava originalmente no roteiro. Foi graças a David que ele integrou o enredo.

O que quero dizer ao certo é que este ano vamos estar presentes frente a um juiz, e como conservo o guião, este irá ser submetido aos mais diferentes tipos de testes forenses, filológicos, estilísticos, e não vamos apenas a avaliar personagens e enredo. 

... e entraram num bar!

Hugo Gomes, 12.09.17

e1f7a69_1686079652443-file6vnnd36lcgge5t0n6n9.jpg

Advertência: Apesar da temática invocada, "El Bar" não tem qualquer relação com o referendo sobre a independência da Catalunha e o conflito circundante. No entanto, é intrigante observar que, há alguns dias, a Guarda Civil apagou centenas de páginas de apoio ao referendo. Esta obstrução de informação, uma forma de censura dos tempos modernos, poderá refletir-se no encontro com a farsa na mais recente obra de Álex de la Iglesia. O medo como catalisador de submissão e o embuste devidamente agendado por organizações governamentais pintam um quadro perfeito dessa mesma incisão.

Em "El Bar", não testemunhamos nada relacionado com as nuances desta "Independência indesejada". Possivelmente, a alusão mais próxima será aos ataques de 11 de Março de 2004, um ato terrorista que incendiou os meios de comunicação em todo o mundo. Enquanto o resto do globo falava da autoria da Al Qaeda, os meios de comunicação estatais, assim como o governo em seus inúmeros relatórios e opiniões, apontavam o "dedo" para a ETA, apenas três dias antes das eleições espanholas.

Iglesia cria um filme sob o signo do medo e da fraude do sistema. No entanto, infelizmente, apesar da crítica tardia, nada salva "El Bar" de se tornar num mero subproduto subjugado às regras formais do seu subgénero. O realizador por detrás de alguns dos maiores êxitos do cinema catalão (como "El Día de la Bestia" e "La Comunidad") inicia com um plano sequência que serve como um catálogo vivo das personagens que nos acompanharão na restante hora e meia de duração. Depois de este leque de personagens entrarem num determinado bar e as portas se fecharem após um inesperado incidente, o espectador é imediatamente levado aos lugares-comuns. O perfil psicológico deste grupo é facilmente avaliado, e o dinamismo que poderia suscitar morre na praia quando a previsibilidade das suas caracterizações revela personalidades de cartão.

O psicótico de última hora, o sensato, a "final girl" (banhada em azeite!) e a suspeita crescente não nos surpreende. Desde os primórdios do filme de cerco, com grandes exemplos como "12 Angry Men", de Sidney Lumet, "El ángel exterminador", de Luis Buñuel, e mais recentemente "Buried", de Rodrigo Cortés, e "Mother!", de Darren Aronofsky, somos confrontados com um género preguiçoso e cada vez mais limitado. Até Álex de la Iglesia já tinha cometido tais atos. Sim, há esse elemento de medo, essa crítica tímida a um país que se revela através das suas ações, uma “ditadura disfarçada”. É uma pena que "El Bar" realmente careça de novas ideias, e de cinema, de preferência.