O que mais pode Tom Cruise fazer pela Nação?
O efeito “último capítulo” leva-o a ser inchado, mas, sobretudo, condescende com o espectador: há que insuflá-lo com flashbacks, não vá a audiência perder o eixo da “coisa”. Por outro lado, importa pensar na saga como um todo: fechar becos, incutir coerência, ou ao menos uma tentativa engenhosa de costurar tudo o que Tom Cruise, sob a pele de Ethan Hunt, sofreu ao longo destes 29 anos.
“The Final Reckoning” (renomeando a segunda parte, pois somos alérgicos a numéricos) é a promessa de desfecho e, com isso, sofre de certos males: ser tagarela ao ponto de situar, de estabelecer um propósito para aquela correria maneirista de Cruise. Chega a esses fins como quem serve aquela palha, mas vence e apenas porque, no modo star system, sendo um dos últimos da esquadria de Hollywood, faz o impossível com Tom Cruise. E o mesmo espectador, tratado como uma criança, é conduzido à promessa do seu limite: o que fará o actor a seguir? Qual será o seu novo truque?
Desde sempre, a saga foi apropriada por esse ego - e que bem - porque é Tom Cruise o verdadeiro autor de um blockbuster que deseja destacar-se dos demais, não pela negação do CGI, mas pela criação de uma adrenalina genuína. E o resto? O que fazer com ela? Ser-se normativo enquanto espectáculo ou espectacular enquanto proeza técnica? Ficamos com a segunda: o de ver Cruise em modo cruzeiro, saltar de avionetas para avionetas, submergir, enfrentar claustrofobia e talassofobia num só plano, desafiar a morte, fazer-se à vida em subenredos apocalípticos, e tornar o MacGuffin novamente grande - aquele que Hitchcock se orgulharia (ou envergonharia) pela sua simplicidade e pelo risco da sua inserção.
“Mission: Impossible” chega com notas celebrativas e fúnebres, para, depois da acção (e do circense dessa mesma acção) pregar sermões, lançar toques melosos, enquanto, talvez sem querer, tropeça em alguns zeitgeists acidentais. Prova de que o mundo mudou, aproximando-se cada vez mais daquilo que definimos (e garantimos) como ficção.
Contudo, mesmo cedendo nos calcanhares (peças todas encaixadas na sua oleosidade e personagens cuja única utilidade é avançar a gincana do protagonista) é na questão do que Tom Cruise ainda nos é capaz de oferecer que ficamos rendidos ao malabarismo hollywoodesco, no seu jeito mais ingénuo e hegemónico.