"Chiara mia, come possiamo affrontare un mondo senza Marcello?"
Christophe Honoré deve, como muitos de nós, ter olhado para a face da sua colaboradora Chiara Mastroianni e notado, naquele seu rosto, as semelhanças ditadas pela sua genética — nomeadamente a do pai, Marcello Mastroianni — a fazer-se sentir e confluir naqueles traços de mulher. Supondo isto, terá-lhe proposto um dispositivo carnavalesco: biografar o actor numa panóplia metamorfósica, quase metalinguística, sem nunca esconder o lado farsola. Chiara é Chiara, esmagada pelas constantes comparações da sua árvore genealógica, “e que tal seres mais Mastroianni do que Deneuve?”, deixando-se engolir por esse parentesco como um confortável distúrbio identitário.
Portanto, veste-se como o pai numa incursão (ou digressão) de Fellini, vive as “Le Notti Bianche” de Visconti (esse magnífico e, por vezes, esquecido filme em que uma estranha partiu o coração ao nosso galã… imperdoável), e regressa à Roma de “La Dolce Vita”, faltando apenas levitar sob o vento balnear. “Marcello Mio” faz questão de nos pontuar com essa vaidade da máscara, da imitação como forma de homenagem, não no processo ou na via de, mas na protagonista sujeita a esse propósito. Talvez se sinta aqui uma constante inversão: a da veneração e, igualmente, a do privilégio. Porque, no fundo, há uma camada que anseia sobressair face às revestidas e encarapaçadas diretrizes do tributo: o de Chiara. E onde está Chiara nisto tudo? A resposta, óbvia, está em todo o lado. Ela é o centro da jornada, mais do que o fantasma que incorpora como num ritual de candomblé. Fala-se de Marcello para se falar de Chiara, mas Honoré confunde o espectador com as suas constantes piscadelas: “olha aqui Scola, olha aqui Visconti, olha aqui Fellini … e sempre haverá Fellini entre nós”.
Talvez seja o ímpeto de desejar algo mais furtivo nesse campo da persona, em vez de se perder nas memórias retiradas do bolso da frente em prol do pai. Mas, se o caminho era esse, “Marcello Mio” funciona como esse passeio pelas assombrações e pelos romances fora-de-tempo (invocando a passagem de Melvil Poupaud, ao referir que “os actores vivem para interpretar os amantes dos outros e os fantasmas”). Contudo, não existe nada de verdadeiramente felliniano aqui! Dizer que sim é recorrer à via fácil do adjetivo, apenas porque Marcello e Federico eram (e são) duas dimensões indissociáveis. Presta-se, sim, à vontade de o ser, mas nunca à verdadeira catarse do estilo. Fellini é Fellini, Marcello é Marcello, e Chiara… bem, Chiara ainda se está a descobrir. Se é mesmo Mastroianni ou Deneuve, ou algo novo, gerado dessas duas “forças". Mas ainda tem muito por onde caminhar…