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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Falsos Gémeos

Hugo Gomes, 24.05.24

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Freddie Highmore em "The Spiderwick Chronicles" (Mark Waters, 2008)

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Bette Midler em "Big Business" (Jim Abrahams, 1988)

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Adam Sandler em "Jack and Jill" (Dennis Dugan, 2011)

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Leonardo DiCaprio em "The Man in the Iron Mask" (Randal Wallace, 1998)

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Jean-Claude Van Damme em "Double Impact" (Sheldon Lettich, 1991)

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Armie Hammer em "The Social Network" (David Fincher, 2010)

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Lindsay Lohan em "The Parent Trap" (Nancy Meyers, 1998)

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Nicolas Cage em "Adaptation." (Spike Jonze, 2002)

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Edward Norton em "Leaves of Grass" (Tim Blake Nelson, 2009)

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Tom Hardy em "Legend" (Brian Helgeland, 2015)

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Carloto Cotta em "A Semente do Mal" (Gabriel Abrante, 2023)

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Jeremy Irons em "Dead Ringers" (David Cronenberg, 1988)

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Jackie Chan em "Twin Dragons" (Ringo Lam & Tsui Hark, 1992)

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Bette David em "Dead Ringer" (Paul Henreid, 1964)

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Christian Bale em "The Prestige" (Christopher Nolan, 2006)

O que dá em ser "bom tarefeiro"?

Hugo Gomes, 13.11.19

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Impedido de participar numa crucial corrida, Ken Milles (Christian Bale) faz horas extras nas oficinas da Ford, numa noite silenciosa se não fosse o relato transmitido na rádio. Cada palavra proferida pelo radialista é como telepatia deste mecânico com o carro, o GT40, que ajudou a construir e que estava a “emancipar-se” no mundo fora. Perto do local, um avião segue sorrateiramente na pista de aterragem, as luzes vindas do aparelho a incidir nas viaturas paradas no interior da oficina.Neste momento, Milles é recortado num falso plano americano: por detrás dele, um jogo de sombras onde os contornos dos automóveis com o clarão vindo do avião em passagem formam um pequeno teatro. Os carros passam pelos olhos e há mais aqui do que apenas uma cena imposta por uma narrativa convencional: uma alusão visual que nos remete a uma mente distante da oficina e próxima da pista onde o seu Ford corre e o corpo é deixado à automatização.

Este excerto descritivo serve para referir que ainda existe em Hollywood um sistema industrializado herdado dos tempos clássicos, onde os produtores se conjugavam com a visão dos realizadores e estes com a dos argumentistas e assim sucessivamente, compondo uma espécie de triângulo criativo que equilibrava duas visões possíveis, artista e comercial. Por cada "autor" como David Fincher, Paul Thomas Anderson ou Quentin Tarantino, há sempre um tarefeiro, um realizador sem cunho autoral ao serviço dos projetos para agradar ao paladar de milhões. Mas há os "bons” e os “maus”, aqueles que cumprem com uma exigência exemplar e os que funcionam pela automatização e se limitam a transpor as palavras do guião para freguês ver. Na cadeira dos “bons tarefeiros”, podemos mencionar Matt Reeves que tem suscitado paixões, até das mais elitistas, com as suas versões do “Planet of the Apes” (prepara agora "The Batman" com Robert Pattinson) ou James Mangold, o realizador deste "Ford V Ferrari", que volta a trazer um cinema muito masculino assente nas tradições narrativas do classicismo.

A cena descrita é um exemplo de como um realizador, além de cumprir o que lhe pedem, aprofunda as suas imagens mesmo sem nunca conseguir atingir uma aura autoral. Poderei estar equivocado acerca da sua figura (esperemos que sim), mas James Mangold já tinha mostrado esse esforço com resultados mais que favoráveis em “Walk the Line”, “Logan” e porque não, o remake de “3:10 to Yuma”. Sentimos uma proximidade do realizador ao material, ao trabalho hercúleo de fazer um filme para lá do palco para atores se candidatarem aos Óscares, e apresentar uma obra convencional mas igualmente alusiva, onde cada cena parece dialogar com a outra, mas nunca ceder a um universo próprio. Isto é, por um lado, o espírito de uma Hollywood clássica, pelo menos nas costuras narrativas e na forma como condensa os elos afetivos dignos de uma ilusória virilidade.

Em “Ford v Ferrari”, este trabalho de Mangold revela-se ao abordar as corridas de carros num prisma mais pessoal, possivelmente graças ao duo Matt Damon e Christian Bale (este último no limiar da ‘canastrice’ e da genialidade com aquele sotaque "overacting") como homens de morais conflituosas e em reflexões sobre as suas próprias "personas" no cinema. Digamos que é um "buddie movie” nascido de um projeto designado para Michael Mann (um autor, aliás) sobre Enzo Ferrari que se metamorfoseou em mais um estandarte ao enredo "underdog" à americana.

O resultado é um filme competente e dinâmico, na narrativa e na interação entre personagens, que revela o pulso de James Mangold para imputar seriedade a esta indústria cada vez mais “disneificada”. O que não deixa de ser uma ironia: esta é uma das últimas produções da Fox concluídas antes da fusão com... a Disney.

Política para Totós!

Hugo Gomes, 09.01.19

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Depois de uma “economia para totós”, Adam McKay providencia algumas lições da política norte-americana neste biopic costurado em severos tons de sarcasmo. E para quem viu “The Big Short”, não era de esperar outra coisa. Em “Vice” seguimos o percurso do mais notório dos vice-presidentes dos EUA, e segundos as “más-línguas” em tom de verdade, um dos mentores da “invasão do Iraque” e da grande mentira do século XXI, as armas de destruição massivas nunca encontradas em território de Saddam Hussein. Sim, esse mesmo, Dick Cheney. Vestindo essa pele de lobo sob vestes de cordeiro, Christian Bale em sacrifício físico e em plena capacidade de mimetismos é o “boneco” perfeito para esta analogia de McKay sobre os disfarces da presidência norte-americana.

Em tempos de Trump e de uma politica constantemente descredibilizada, um filme como Vice vem servir como uma bandeja de pedagogias para mundanos, realçando o sabido sobre um dos episódios mais negros da História recente dos EUA e como George W. Bush, à luz dos ideais de Oliver Stone, era um mero fantoche de um enorme palco chamado Poder. Visto como um dos seus braços direitos, e quiçá, o grande punho do Governo, Cheney orquestrou todo um jogo de guerra em jeito de Dr. Estranho Amor, e Adam McKay seguiu o seu percurso de ascensão (o mais medíocre dos homens convertido no mais brilhante dos políticos), tentando prescrever os pecados morais desse mesmo ecossistema onde a maioria não tem lugar sob as decisões de poucos.

Filme cínico que alterna a sua veia de cinebiografia de vista grossa para a award season com uma trocista crítica a esse mesmo subgénero (as difusas utilizações do “cartões”, a deslocação do “final feliz), “Vice” funciona como um “Guia Político para Totós”, enquanto espelha o evidente, usufruindo de uma ambiguidade para desaguar num dos mais ingénuos gestos de maniqueísmo (como se costuma dizer: “quem vê caras não vê corações”). Por um lado é a denúncia de carácter, as más índoles que apoiam a constituição e preenchem lugares no Parlamento, elementos caros para um filme no fundo "chico-esperto" que se orienta por sósias instrumentais (mesmo que se note o esforço de Bale em rasgar a sua figura-cópia).

"Maliquices" a saldos ...

Hugo Gomes, 17.11.15

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"You gave me peace. You gave me what the world can't give. Mercy. Love. Joy. All else is cloud. Mist. Be with me. Always."

Há quatro tipos de realizadores a exercerem a sua função como tal no Cinema: o ilustrador ou “tarefeiro” [termo mais pejorativo, é verdade], o mero profissional no ramo dedicado a cumprir as ideias dos outros e os propósitos dos produtores; o megalómano, um pouco como as convenções formadas por Griffith que tornaram a cadeira de realizador em algo absoluto, competente para os seus propósitos como também dos seus superiores hierárquicos; os autores versáteis de ideias variadas que submetem a um gosto autoral criativo e sempre emergente; e por fim os conformados, os autores formalistas, preso a uma marca e guiados em redor de uma solitária criativa.

Nesses termos, Terrence Malick é um transcendente, tendo iniciado a sua carreira no terceiro tópico e atravessando atualmente no último, um realizador condenado a olhar constantemente ao seu próprio umbigo e a utilizar o mesmo “truque de magia” vezes sem conta, a fim de causar espanto. O que não apercebe é que o seu público poderá eventualmente cansar desta sua egotrip. Na mesma demanda de cineastas barricados no seu artesanato, surge nesta discussão Yasujiro Ozu, o nipónico “parte-corações” que nos presenteou verdadeiras obras-primas como “Tokyo Story” e “Equinox Flor”, foi também acusado de apresentar-se constantemente num registo fechado e formalmente identificável à sua pessoa nas suas últimas estâncias. Contudo, ao contrário deste Malick crente, as relações entre as personagens e a afeição destas para com a intriga encontram-se presentes e para além de gradualmente desafiadas e reinventadas.

Em “Knights of Cups”, a demanda é outra. O cunho de Malick é visível - a jornada esotérica soa como um mero caso de estética - o qual o nosso senhor repete a sua forma, assim como na invocação dos seus temas intrínsecos, entre os quais a sucessão patriarcal [“Tree of Life”] e uma busca por um amor absoluto, confinado à inexistência [“To the Wonder”]. Neste ciclo "malickiano" encaramos o sonâmbulo, cuja vida é escrita como uma premonição derivada das lidas cartas de tarot, e é através dessa vidência, que Rick (Christian Bale) vagueia num prolongado e interminável sonho. Esse mesmo que arranca com a morte de um ente querido, passando pela obsessão de um pai para que os seus herdeiros sigam um legado anteriormente construído. Morte e herança de braços dados tornam o nosso protagonista numa incompleta marioneta que se aventura na boémia do dia e na luxúria da noite para compensar o seu incógnito signo (o filme é repartido em capítulos consoante as místicas).

Neste caso até poderei anexar o nosso Malick àquela expressão “que tão bem eu filmo”. “Knights of Cups”, tal como os anteriores filmes do cineasta, é recorrente a montagens rápidas e instáveis, com personagens erguidas pelas presenças físicas dos atores e pelas divagações filosóficas sussurrantes em voz off, os diálogos são uma raridade e quando acontecem alienam a sua estabelecida narrativa. Os dramas de Rick, os seus dotes enquanto mulherengo são encurtados com as, admitimos, belíssimas imagens de Natureza ou da beleza encontrada em “cenários de cartão” ou edifícios imaculados pelo tempo e pelo espaço (quase como um Andy Warhol sem expressionismo).

Mas o descaramento é a não-reinvenção de Malick, um homem preso à sua “ilha” que concebe um produto visualmente belo, mas vazio, atropelando esse suposto trabalho de construção com citações pseudo-filosóficas e uma burla ingressada num ciclo rotineiro. A certa altura, numa breve passagem, Joseph (Brian Dennehy), pai de Rick, vagueia de forma apática pelos cenários emanados por Malick até chegar a um palco de teatro, observado por uma multidão indiferente. Essa sequência transmite a verdadeira essência de “Knights of Cups”, um ensaio pouco expressivo, exposto e rasurado de forma a soar na sétima maravilha do Cinema Contemporâneo. Infelizmente, tal como é dito a determinada altura “Se o nariz de Cleópatra fosse menor, o Mundo mudaria”, neste caso, se o ego de Terrence Malick fosse menor, até poderíamos ter um grande filme. Ao invés disso … postais e maliquices!