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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Oscars 2022: o Cinema é secundário quando temos "bofetadas" em direto

Hugo Gomes, 28.03.22

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The Power of the Dog” foi o grande vitorioso e simultaneamente o grande derrotado. Se por um lado a neozelandesa Jane Campion venceu o prémio de realização (a terceira mulher na História das estatuetas),  dando a entender o favoritismo do seu western desconstrutivo (desde o western spaghetti, que não existe western que não seja desconstrutivo), mas cujo apelo emocional e a atenção da representatividade levam o Óscar máximo à apropriação yankee de “La Famille Bélier” (sim, “CODA” é um remake do êxito francês). E foi através deste filme de família, que muitos juram ser simpático e de coração meloso (até à data deste texto não o vi por várias razões, uma delas é por já ter presenciado a versão francesa), que a fronteira de legitimação dos streamings neste contexto premiável foi totalmente trespassado. O mercado e o mundo vai mudar a partir de hoje. Em Portugal (novamente frisando, até à data deste texto), o "CODA'' apenas está disponível na Apple TV, e quem sabe ainda teremos que aguardar para o ver em grande ecrã (ou se calhar não, visto já não ser mais prioridade).

Enquanto isso, “Duna”, previsível, saí-se triunfante nas categorias técnicas, os lobbies das majors fizeram novamente sentir em muitas outras categoria, para ser exato a Disney com “Encanto” (uma perversa animação que ostenta a falta de criatividade no meio) e “Summer of Soul” a lesionarem “Flee” (Animação e Documentário respectivamente), já no Filme Internacional, “Drive My Car” sai compensado. Depois de Secundários merecidos, Ariana DeBose (no mesmo papel que garantiu também a estátua a Rita Moreno em 1961) foi de facto das melhores “coisas” da revisão e declaração amorosa de Spielberg a “West Side Story”, o último ato é marcado com decisões acima de tudo estranhas e fora das habituais apostas, a começar por Belfast como Argumento Original (The Worst Person in the World ficou a ver “navios”), “CODA” torna-se no melhor guião adaptado (“Drive My Car” e “The Power of the Dog” juntaram-se ao filme do Trier no miradouro), Jessica Chastain (“The Eyes of Tammy Faye”) passa à frente de Olivia Colman (“The Lost Daughter”) e Kristen Stewart (“Spencer”) em Melhor Atriz e Will Smith (“The King Richard") triunfa sobre o favorito Benedict Cumberbatch na categoria masculina.

Cerimónia desesperada em reconquistar público, marginalizando as categorias técnicas da festa televisiva e priorizando as performances artísticas e as boas intenções, assim como a hipocrisia (ver Francis Ford Coppola em palco celebrando os 50 anos de “The Godfather” enquanto a indústria tem o desprezado nestes últimos anos). No fim de contas, os Óscares são o que são, fala-se menos de Cinema e fala-se mais de espectáculo e a tendência é cada vez mais nessa direção até a sua relevância ser totalmente desvanecida. Porém, nada importa aqui, Will Smith esbofeteou Chris Rock e é disso que se fala.

Chris Rock contra Jigsaw, sem risos e com o sangue do costume

Hugo Gomes, 13.05.21

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Com um total de seis sequelas e um "spin-off", "Saw" foi um dos impulsionadores do terror gore moderno... e também um dos seus piores inimigos.

Estreado com alguma discrição em 2004, mas motivando uma atenção de culto vindo de fãs do hardcore, o thriller sangrento dirigido pelo desconhecido (na altura) James Wan e com guião de Leigh Whannell (que mais tarde seguiria em aventuras a solo em outros cultos como “Upgrade” e The Invisible Man) reciclou a tendência dos serial-killers moralistas, das torturas de predestinação e ainda do twist final (confessamos, inesperado).

Os ingredientes fizeram o sucesso de “Saw” e deram origem a uma das sagas de terror mais lucrativas. Houve um filme por ano, esticando até à exaustão o enredo e quando a saga começou a exibir sinais de desgaste nas bilheteiras, a equipa criativa assumiu a "morte" do legado em 2010 com um capítulo sublinhado como derradeiro: "Saw 3D". Mas sete anos depois, ainda foi “ressuscitado” pelas mãos dos irmãos Spierig (“Daybreakers”, “Predestination”), mas "Jigsaw" (2017) não causou grande entusiasmo. Em 2021, chega "Spiral", uma nova vertente orquestrada por Darren Lynn Bousman, realizador dos filmes II ao IV. Distante do original, concentra-se em trazer um pouco desse mundo e colocá-lo ao serviço de supostas "reinvenções" narrativas. Só que fica pelas promessas.

Comecemos com a “surpresa”, a de ver o comediante Chris Rock num papel mais dramático, mas nem por isso menos inventivo. Num aperitivo de stand-up comedy, a personagem é introduzida a explicar a desbocada e hilariante teoria de “Forrest Gump” como “filme impossível” de ser produzido em tempos governados pelo politicamente correto, mas isto não é mais do que reciclar o modelo do universo noir: um polícia de carreira, frustrado, cínico e ferido. Este último “puro” do seu rebanho sujo é um peão central numa demanda de justiça social, que sabemos de caras vir de um "copycat" [imitador] do mítico Jigsaw. Só que a nova figura promete uma reforma drástica na estrutura policial, sentenciando cada agente à imagem dos seus “pecados”.

Ou seja, mesmo entrando por outras vias que, de certa forma, trazem frescura a uma saga que estava em estado "rigor mortis", este “Spiral” continua a presentear-nos com a pseudo-filosofia condescendente e um vigilantismo abusivo. Mudam-se cenários e tramas, mas é só “fogo de vista”, porque regressa praticamente aos mesmos lugares-comuns e tiques manientos, como a montagem frenética digna de videoclipe nos momentos mais mórbidos e a já conformada dependência do twist final.

Apesar de tudo, “Spiral” é, de longe, a derivação de "Saw" mais interessante e estruturada. Só que a concorrência era fraca...

Bruxedos, bruxarias e Anne Hathaway

Hugo Gomes, 28.10.20

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O livro infanto-juvenil de Roald Dahl [publicado em 1983] sobre uma convenção de bruxas que dá para o torto obteve uma “célebre” adaptação em 1990 pelas mãos de Nicolas Roeg (“The Witches”), que, habituado a um peculiar cinema de género, foi responsável por traumatizar uma geração de crianças eludidas.

Passados 20 anos, e tendo em conta a seca de ideias em Hollywood, a história é refeita para o grande ecrã sob o pretexto de aprimoramentos tecnológicos. Não é por menos que a batuta se encontra nas mãos de Robert Zemeckis, realizador que nos últimos tempos (mesmo com um travão suscitado por um tremendo fiasco como foi "Welcome to Marwen", com Steve Carell) tem apostado numa relação orgânica entre os efeitos especiais com a narrativa ("Back to the Future", "Who Framed Roger Rabbit?", "Forrest Gump", "Polar Express", etc.). Previsivelmente, “Roald Dahl’s The Witches” é tudo aquilo que esperávamos numa revisão contemporânea, um festim de CGI mal emaranhado, uma agreste redução no tom negro da anterior versão e uma tentativa (algo questionável aqui devido à sua leveza) de tecer um contexto social.

Os ingredientes não resultam em nenhum elixir de juventude e a fermentação converte tudo numa poção requentada, monstruosamente despida de personalidade, mesmo que possamos assumir que o início é esteticamente prometedor (com uma narração própria de Chris Rock, a fazer recordar a sua bem-sucedida série “Everybody Hates Chris”). Aqui, onde nem um gato escapa ao domínio das imagens computorizadas (dificilmente os seus visuais sobreviverão num espaço curto de tempo), é Anne Hathaway que vemos como o núcleo esforçado, numa correspondência artificial ao legado deixado por Anjelica Huston, que com "The Witches" se tornou na infame bruxa-mãe de ínfimos pesadelos infanto-juvenis.