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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Dia do trabalhador!!

Hugo Gomes, 01.05.23

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La Sortie de l'usine Lumière à Lyon (Auguste Lumière & Louis Lumière, 1985)

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Modern Times (Charlie Chaplin, 1936)

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Tout va Bien ( Jean-Luc Godard & Jean-Pierre Gorin, 1972)

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La loi du marché / The Measure of a Man (Stéphane Brizé, 2015)

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Trabalhar Cansa (Juliana Rojas & Marco Dutra, 2011)

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La mano invisible / The Invisible Hand (David Macián, 2016)

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North Country (Niki Caro, 2005)

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Sorry We Missed You (Ken Loach, 2019)

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Stachka / Strike (Sergei Eisenstein, 1925)

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Ressources Humaines / Human Resources (Laurent Cantent, 1999)

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Labour of Love (Aditya Vikram Sengupta, 2014)

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A Fabrica do Nada (Pedro Pinho, 2017)

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Vida Activa (Susana Nobre, 2014)

F9: com velocidade e fúria, Hollywood não deixa os seus êxitos para trás

Hugo Gomes, 16.06.21

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Justin Lin, o homem que salvou o franchise e que nele transformou um êxito global (afastando-o do nicho do tunning), está de volta ao volante num nono filme que compete pela imaginação e do ridículo dos capítulos anteriores. Neste mundo, intitulado de “Velocidade Furiosa”, a morte é ‘coisa’ que ultrapassa, a família é escadaria divina e os mais ‘broncos’ são todos, sem exceção, convertidos a superespiões, em busca do enésimo macguffin cataclástico. É fórmula vencedora, sem dúvida, mas esta altura da “corrida” até os mais fiéis sentem-se presos à pista circular. Nada avança, curvas e contracurvas são que nos realmente espera, para que no final - à sua boa maneira - celebrar os feitos de 2h25 com um churrasco, Coronas frescas e a beatice que nos valha (são os banquetes de Asterix replicados na lente da Hollywood egocêntrica e sem meios para os gastos). É um filme de Cannes, por isso deixa ser, mas é também o memorando de que o espetáculo à lá Hollywood não morrerá tão facilmente.

PS: se é para persistir na Charlize Theron como a repetente vilã, não me importo de assinar o certificado de aprovação.

Charlize Theron ao quadrado.

Hugo Gomes, 27.07.17

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Vamos fingir por momentos que Charlize Theron não é a protagonista de Agente Especial… sim, vamos supor que ela está ausente do projeto. O que nos resta afinal? Um thriller de ação pingarelho completamente estilizado, cujo estilo, quer estético, quer técnico, engole por completo o que de bom este filme poderia culminar? Sim, exatamente isso!

Atomic Blonde” desloca-nos para os temores da Guerra Fria, mais precisamente nos dias premonitórios da Queda do Muro de Berlim, tudo embrulhado num típico filme de espionagem mais devedor aos tempos musicalizados de hoje do que ao apogeu deste mesmo subgénero na década de 70. Como é de esperar, a premissa envolve-nos um macguffin, um dispositivo que levará a nossa protagonista e as restantes personagens numa extensa corrida contra o tempo, esse que se faz não da maneira cronometrada, mas na reconstituição de época, com a História a ser escrita em paralelo (das promessas da queda do muro até à realização do histórico ato).

Contudo, o objetivo desta intriga, o motivo de desespero destas personagens, não fazem efetivamente o sangue correr no espectador, a responsabilidade encontra-se de facto na saturação do subgénero, na vulgaridade com que o macguffin se converte nos constantes plot twists, ocorridos pontualmente e sem surpresa alguma. Mas todas estas desculpas têm um propósito (calma, ainda não é aqui que entra Charlize). A desculpa é um show off técnico e estético por parte de David Leitch (um dos realizadores de “John Wick” e futura sequela Deadpool), uma bandeja requintada de sequências de ação desafiadas por uma montagem poupada em cortes e planificações desnecessárias, aliás são os constantes travellings, esses planos sequências quase espaciais que ditam a natureza desta “loira atómica”.

Que em união com a violência gráfica, os stunts sem falhas e devidamente treinados, a decadência de uma Berlim em ebulição e por fim … entramos então naquele ponto inicial … a nossa atriz com esforço e dedicação neste papel fisicamente árduo. Theron dispensa os duplos, é autodidata e essas qualidades refletem uma cumplicidade com o olhar clínico de Leitch, esse dinamismo vibrante entre a técnica pensada em prol da ação e não o oposto.

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Curiosamente, existem vestígios de um subenredo existencialista que parece ocasionalmente demarcar-se da proposta de ação. Quem é esta “Atomic Blonde''? O que procura ela numa cidade dividida sob a agenda política? “Em Berlim, todos procuram algo”, afirma uma das personagens que atravessa no seu caminho, uma estrada que a guia para uma outra sequência. Enquanto combate capangas no Cinema Kino, é projetado “Stalker”, de Andrei Tarkovsky, a ficção científica filosófica onde um grupo de personagens tentam alcançar a “Zona”, um local misterioso, perigoso e proibido que realiza os respetivos desejos íntimos de quem o atravessa. Nessa jornada cinematográfica, estas personagens defrontam as suas dúvidas e medos antes de se instalarem na “Zona”, que resulta igualmente no espaço de uma Humanidade cada vez mais guiada pelo seu “umbiguismo”. Cena seguinte temos: “Everything you want is on the other side of fear”, lê-se num dos letreiros visíveis de um clube noturno de Berlim, essa cidade conflituosa em prol dos seus mais íntimos desejos, um desejo coletivo que não reflete a dúvida individual da personagem de Theron.

Infelizmente, ficou a sugestão, “Atomic Blonde” perde esse rasto no trilho, e o que sobra é só mesmo uma dedicada atriz de corpo-e-alma. E sim, é ao adicionarmos Charlize Theron a esta equação que o resultado se torna satisfatório. A atriz torna-se a rainha da ação, a estrela deste palco em ruínas e o resto… bem, o resto, a intriga, os secundários e a direção, são somente elementos subjugados a uma realeza apenas. 

Adrenalina para lá da Cúpula do Trovão

Hugo Gomes, 15.05.15

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Uma das maiores e alucinadas surpresas do cinema da última década chegou em 2015: um "reboot" de "Mad Max" que transcendia o mero entretenimento e a lógica comercial do "blockbuster" para alimentar um franchise. Foi através da sua inicial trilogia pós-apocalíptica, entre 1979 e 1985, que lançou Mel Gibson como o derradeiro anti-herói de um mundo sem amanhã, que o realizador George Miller criou a sua imagem de marca.

Tratava-se de uma fantasia "steam punk" que, gradualmente, evoluiu para uma parábola à volta do consumismo desenfreado e auto-destruidor, assim como a nossa dependência dos combustíveis fósseis, que à sua maneira criavam transvestidos psicopatas. Cada vez mais desencantada, a despedida (provisória, sabemos agora) de “Max, o Louco” foi com "Mad Max Beyond the Thunderdome" (1985), o terceiro e mais rendido às fórmulas "hollywoodescas", com a curiosidade de possuir a estrela Tina Turner como co-protagonista e assinante da música de saída (“We Don’t Need Another Hero”).

Enquanto a indústria não decidia se continuava ou não a jornada, George Miller avançava e inovava a carreira, já em Hollywood, com "The Witches of Eastwick", "Lorenzo's Oil”, "Babe: Pig in the City" e até as animações "Happy Feet", com alguns projetos pelo meio que acabaram por não avançar (como a sua versão de “The Justice League”). Até que se deu o regresso ao território sem lei com "Road Fury", 30 anos depois de termos deixado Mel Gibson e a sua "persona" deambulando por um horizonte longínquo e desértico, um reencontro não de todo (inicialmente) aplaudido pelos acérrimos fãs por causa da natureza do seu recomeço: é Tom Hardy o novo guerreiro da estrada, tendo como co-piloto Charlize Theron, que acabou por ter mais garra para o volante do que a figura central (mas já seguimos essa estrada). Para este regresso, George Miller apercebeu-se a tempo que era necessário reinventar a sua própria ideia de espetáculo, mal habituado por causa das matérias de super-heróis das já reconhecidas editoras Marvel e DC.

Mad Max é um “super-herói” nos termos naturais da palavra, mas é, acima de tudo, o nosso peregrino dos últimos redutos da humanidade, ambíguo e com a subsistência no topo das suas prioridades. E o seu mundo é feito de “armadilhas” instaladas como brindes à memória do espectador convicto desse mesmo apocalipse. Exemplo disso é o grande vilão ser interpretado por Hugh Keay-Byrne, o primeiro arqui-inimigo de “Mad Max” no filme inaugural de 1979. Contra todas as apostas, neste novo artesanal à escala industrial descobrimos um carinho pelo regresso a um cinema distante da toxicodependência do CGI (que existe, e muito, mas sem "sufocar" tudo à sua volta) e que abraçava de forma criativa os "stunts", explorando a magia da montagem para produzir uma energia explosiva.

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Depois temos a Mulher. Mais do que mero ativismo político ou social, Charlize Theron partilha o protagonismo com Hardy, e, para ser sincero, de forma desigual, já que a atriz rouba qualquer cena que surja com a sua trágica “mulher de armas”, Furiosa. Tal como sucedera em “Snow White and the Huntsman”, Theron prova mais uma vez que nenhum papel é pequeno. Neste caso, as comparações que tem suscitado com a Ellen Ripley de Sigourney Weaver, esse símbolo da mulher de ação no Cinema, não são tão descabidas assim, visto que a sua personagem é uma emancipada, subjugada aos códigos do feminismo militante e intercalada com uma extrema necessidade de apelar ao lado mais emocional. George Miller conseguiu aqui, subtilmente, um hino ao retorno da ação no feminino através de uma manobra bem perigosa, mas com resultados felizes. Mad Max não é o único “herói acidental” aqui, desta vez é uma mulher que está ao volante.

Mas não nos fiquemos por questões de igualdades, nem de profundidade por vezes imperativas nos blockbusters dos dias de hoje. “Fury Road” é, sim, uma montanha russa, imparável, pomposa, mas sempre fiel aos códigos de série B. É entretenimento para massas, eficazmente direcionado a todos os que cresceram com o herói de Gibson ou pela ausência de limites na ação. É uma reciclagem das grandes perseguições, enraizadas na narrativa com uma força motora.

O resultado é talvez um dos dos filmes mais cativantes que o cinema produziu nos últimos anos ao nível “imagem-movimento” descrito nas prosas de Gille Deleuze. Uma proeza feita com uma narrativa simples, quase minimalista, numa viagem extrema de “ida e volta”. Esteticamente é um novo Mad Max, porém, o modelo continua a ser o antigo.

Conheçam o vosso criador!

Hugo Gomes, 09.06.14

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Que segredos obscuros se escondem na vastidão do espaço? Será que a nossa origem está associada a essa imensidão estelar? Será o Darwinismo, concebido pelo naturalista Charles Darwin, a teoria mais concisa sobre o nosso surgimento? Qual é a nossa finalidade no planeta Terra? Estas são algumas das perguntas, entre muitas outras, que Ridley Scott incentiva na oculta jornada de "Prometheus", mas … “spoiler alert” … nenhuma delas será verdadeiramente respondida. 

O que poderemos encontrar na nova obra de Scott? Embora não possa responder a esta pergunta em definitivo, adianto que se trata de um filme de ficção científica que funciona como um 2 em 1. Primeiro componente, a tão ansiada prequela do universo "Alien", transportando-nos para 1979, onde nos deparamos com as primeiras imagens de Ellen Ripley e a sua tripulação no original "O Oitavo Passageiro" [o desusado título português], quando exploram uma nave espacial extraterrestre despenhada no planeta LV-426. Nessa sequência, assistimos a um cadáver alienígena com um crânio quase elefantino e um misterioso buraco no peito, sugerindo que algo “escapuliu” dali. Esta criatura cadavérica, que nunca mais surgiu na série, foi apelidada de "Space Jockey". A criação de H.R. Giger, responsável também pela decoração do seu túmulo e pela criatura estrelar da franquia, terá um papel importante em "Prometheus", visto o suposto “e tudo aconteceu” relatará o mistério daquele extraterrestre e a nave incluída.

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Ridley Scott prepara-se para nos levar 37 anos ao passado dos eventos de "Alien". Aqui, seguindo as pegadas de uma dupla de arqueólogos (Noomi Rapace e Logan Marshall-Green), autores de uma tese de que a espécie humana teve origem espacial, concebido pelos chamados "Engenheiros". Através de pistas encontradas em inúmeras civilizações primitivas da Terra, conseguem decifrar o suposto local onde residem estas alegadas criaturas "divinas". Após despertarem o interesse de um magnata moribundo, integram uma expedição espacial com a finalidade de conhecer os nossos criadores. 

O título "Prometheus", que é também o nome da nave da nossa tripulação protagonista, é previsivelmente uma alusão ao mito do titã grego expulso do Olimpo e condenado após tentar igualar os seres humanos aos deuses. A lenda determina o sentido nesta jornada em busca do conhecimento do nosso Deus e das verdadeiras motivações destes cientistas perante tal reunião. Scott manobra-se inteligentemente ao replicar tal ideologia com o androide a bordo, David (interpretado ambiguamente por Michael Fassbender), com ambições de igualar-se aos seus criadores, os humanos, numa evocação aos replicantes de outro filme dirigido por Scott, "Blade Runner" (1982), confirmando assim a combinação destes dois universos.

A mensagem de "Prometheus" pode soar, e muito, à Cientologia, mas tem a proeza de não se vender enquanto propaganda tal como fez o “horripilante” "Battlefield Earth" (Roger Christian, 2000) ainda hoje a pedra no sapato na carreira de John Travolta, como também em operar no oposto desse beato fascínio. Ridley Scott concebe "Prometheus" como um atmosférico thriller habitado nas lides da ficção científica, sempre preservando a sua teia conspirativa e misteriosa, uma astúcia algo surpreendentemente vinda de um realizador que após “Thelma & Louise” abandonou a coragem autoral e dançou em nome do dinheiro fácil. O filme é um gesto de bravura, porém, impróprio para “mesquices” de continuidades e na ordem estrutural de um argumento funcional (de Damon Lindelof, um dos autores da série "Lost", e Jon Spaihts), por outras palavras, a narrativa ostenta inúmeros e por vezes incomodativos “buracos”.

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"Prometheus" arranca nessa expedição inicialmente entusiasmante, o fôlego esgota-se gradualmente quando tenta a todo custo corresponder à ânsia dos fãs, deixando pelo caminho uma trama que se desleixa a toda a velocidade. Dito isto, pode parecer que o trabalho de Ridley Scott é uma banhada conceptual, mas na verdade, exibe qualidades que o destacam das maiorias dos congêneres contemporâneos, e que por sua vez opera como um blockbuster de maiores desafios que o normal da indústria, porque por baixo das suas gorduras dispensadas e da lógica contestada existe uma estrutura digna dos mitos, criações ao encontro do seu criador, cujo encontro é estritamente proibido, ou os Deuses de um velho evangelho, crueis, embebidos pelo seu Poder.  

Não é perfeito, mas, assumindo a postura de Joe E. Brown perante um Jack Lemmon que se auto-desmascara para se livrar de um matrimónio forçado na célebre punchline de “Some Like it Hot” (Billy Wilder, 1960), tal não importa.