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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Arranca o 9º Close-Up, contemplando o passado com mira para o futuro da cinefilia

Hugo Gomes, 11.10.24

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Celebramos a 9ª edição do Close-Up, desta vez com “películas” apontadas para o horizonte, o futuro para sermos precisos, ao encontro de uma Memória cinematográfica. Com arranque já no próximo dia 12 de Outubro, o Observatório de Cinema apresentará a sua mostra cinematográfica, uma compilação de filmes, temas e convidados com debate no presente para referir o futuro da cinefilia, com a Casa de Artes de Famalicão e o Teatro e o Teatro Narciso Ferreira como abrigos dessa resistência cultural. 

Como tem sido tradição, o Cinematograficamente Falando … conversou com o programador Vítor Ribeiro sobre o que nos espera este novo ano sob vista atenta do Close-Up.

Com a Infância enquanto tema anterior, seguimos em direção ao Futuro, às suas Memórias propriamente ditas. Se o Close-Up tivesse uma “bola de cristal” e tendo em conta esta programação, que Futuro terá o Cinema e a sua cinefilia?

Se a tarefa de antecipar o futuro não é coisa fácil, quando se trata do cinema a bola de cristal é ainda de maior dificuldade de acesso, atendendo às convulsões debitadas ao longo da sua história de mais de 100 anos. O que continuaremos a fazer é privilegiar a construção de programas que dialoguem com o público em espaço público, na promoção do cinema e dos seus autores. E a continuar a trabalhar, junto das gerações mais jovens, para proporcionar as condições para cimentar um território para os espectadores do futuro.

O Close-Up estende a sua proposta para além de uma mostra de filmes, temos cine-concertos, exposição (“Imagens da Nova Hollywood”) e outras atividades. O que nos pode dizer sobre elas, e a riqueza que assentam na programação do Close-Up.

O Close-up integra a programação de um Teatro Municipal, a Casa das Artes de Famalicão, espaço que privilegia a criação artísticas, nas diversas disciplinas: a música, o teatro, a dança e o cinema. Desde a sua primeira edição, que o programa do Close-up procurou articular o cinema com as outras artes, especialmente com a música, muitas vezes com a apresentação de cine-concertos em estreia, resultado de um processo de criação patrocinado pelo Teatro Municipal e os seus objectivos. 

Nesta edição,  o encontro das imagens com as outras linguagens terá: a apresentação em estreia do cine-concerto “O Cão Andaluz” de Luis Buñuel por Surma; a projecção de duas curtas de Charlie Chaplin, em formato lúdico, em concerto promenade, Orquestra da Costa Atlântica; o reencontro do piano de Joana Gama com as electrónicas de Luís Fernandes, fomentado pelas imagens de Eduardo Brito; e finalmente Glimmer, um espectáculo de cruzamento que extravasa a ideia de cine-concerto, ao juntar uma coreografia de Rui Horta à música dos Micro Audio Waves, com imagens a pontuar uma projecção do futuro.

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Sorcerer (William Friedkin, 1977)

Em “Histórias do Cinema”, temos um quarteto de filmes de William Friedkin, realizador incontornável que nos deixou ano passado. Poderia-me falar sobre esta seleção de filmes, da sua importância e que cenário pretende trazer sobre a memória do cineasta?

São quarto dos filmes mais importante de Friedkin e todos produzidos na década de 1970, período efervescente da Nova Hollywood, que aproveitou a crise e o consequente colapso dos estúdios de Hollywood, e as profundas transformações sociais e culturais da América, para fazer chegar ao poder de um conjunto de novos autores, que asseguraram uma notável marca autoral, que foi também um reflexo das turbulências políticas de uma época, como a guerra traumática do Vietname ou o escândalo Watergate. Estes quatro filmes – “The French Connection”, “The Exorcist”, “Sorcerer” e “Cruising” – demonstram a clara importância de Friedkin na época e na memória gerada nas décadas seguintes e serão para alguns espectadores uma porta de entrada para a obra do cineasta, enquanto outros os reencontrarão em sala, depois de talvez se terem cruzado com uma parte deles em dvd ou numa sessão televisiva.   

Gostaria que me falasse sobre os convidados, sobre a ternura de construir uma família “Close-Up” através de caras recorrentes nas várias edições, e obviamente sobre os “novos” oradores.

Os convidados do Close-up, que apresentam as sessões, são escolhidos em função da intensidade demonstrada com os filmes programados, quer seja através de um texto que escreveram sobre eles, ou com uma ligação mais evidente, se forem os seus realizadores. Mas também há outros critérios, como a afinidade entre obras artísticas produzidas por quem foi escolhido para comentar e o autor desses filmes, por exemplo. Em cada edição pretende-se uma renovação desses convidados, mas olhando para as edições anteriores já houve repetentes, nas áreas da crítica, da investigação, ou de outras áreas artísticas, que evidenciam afinidades que os vários programas aclaram. 

Na edição deste ano, temos várias novidades: o escritor Alexandre Almeida, que acompanhará a tradutora Alda Rodrigues na apresentação de “Saint Omer”; o crítico e programador João Antunes, na apresentação de “Marinheiro das Montanhas”; o programador João Palhares, que cultiva afinidades com a nossa reverência a William Friedkin; mas também escolhas menos óbvias, como a do argumentista e produtor Edgar Medina para comentar “The French Connection”.

Quanto à masterclass da dupla João Pedro Rodrigues e Guerra da Mata?

A partir da estreia do seu mais recente filme, “Onde Fica Esta Rua? Ou Sem Antes Nem Depois”, a dupla de cineastas desenhará um mapa de relações entre o seu trabalho e o movimento do cinema novo do cinema português, com o filme “Os Verdes Anos” de Paulo Rocha no centro.  Esta masterclass complementa a secção Fantasia Lusitana, que para lá de exibir “Onde Fica Esta Rua? Ou Sem Antes Nem Depois e “Os Verdes Anos”, atribuiu uma carta branca aos cineastas, que escolheram duas longas: “Dina e Django” (1981) de Solveig Nordlund e “As Ruínas no Interior” (1976) de José Sá Caetano.

Onde Fica Esta Rua? Ou Sem Antes Nem Depois (João Pedro Rodrigues & Guerra da Mata, 2022)

Voltando à pertinência do tema do Futuro, e em pergunta mais abstrata visto que o Close-Up lida com essa comunidade, questiono: podemos confiar na cinefilia para manter vivos e vitalícios eventos e propostas como estas?

Em parte, respondemos a esta questão na resposta à pergunta que abre esta entrevista. O Close-up, desde a sua génese que fez do cinema uma plataforma de diálogo com a comunidade, com as várias comunidades, desde a cinefilia devota do cinema de autor e da história do cinema, ao público escolar, mas também às famílias, e sempre atento na possibilidade de continuar a falar com públicos diversos, como o cinema sempre fez na sua história, como uma arte popular. Da nossa parte, esta possibilidade de colocar os filmes em diálogo uns com os outros, ao invés, por exemplo das competições, manter-se-á como o eixo principal das edições futuras, nesse diálogo continuado com o espectador, também privilegiado pela possibilidade de olhar para as mutações do cinema, da sua linguagem, e de o continuar a cruzar com as demais disciplinas.

Para o ano o Close-Up comemorá os seus 10 anos de existência, o que poderá “descortinar” sobre essa passagem e se está a pensar na próxima edição?

Sim, a meados de Outubro de 2025, o Close-up apresentará a sua 10.ª edição. Já temos uma ideia de mote orientador do programa, que se enreda com alguns dos anteriores, mas que será afinado pela pertinência dos autores e dos filmes que entendemos partilhar com os espectadores. Também já estão em marcha desafios para novas criações, à boleia do cinema, cruzamentos que no próximo futuro desenvolveremos e tornaremos públicos.

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Para mais informações sobre a programação, ver aqui

Cinema e Medo

Hugo Gomes, 25.10.23

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The Great Dictator (Charlie Chaplin, 1940)

Ao receber o convite do Hugo (um exemplo de resistência e perseverança na blogosfera portuguesa), dois sentimentos me tomaram. Inicialmente senti-me honrado pelo convite. De seguida... com medo!

Medo? Sim, medo da página em branco, medo de não ter o que dizer. Medo da inconsequência da escrita sobre cinema. Ou seja, estava no caminho certo. Afinal, a "Olhar o Medo" ando eu há mais de dois anos, com as voltas que a edição de um livro me tem feito dar e os filmes que me tem feito ver. Livro feito de amor ao cinema e carolice sem medo.

Ao pensar em medo e cinema, a primeira ideia que me ocorre é a reação de Massimo Gorki. Assistindo a uma projecção de filmes dos irmãos Lumière, em 1896, o escritor russo descreveu-a como assustadora, pelo novo poder das luzes e sombras. Foi, certamente, um medo mais intelectual que o sentido no ano anterior pelos espectadores que temeram o comboio de "L'arrivée du train en gare de la Ciotat". O denominador comum é que um e outros trouxeram o medo para o léxico do cinema logo à nascença. Não sabiam era o que esse medo ainda tinha para dar.

E se o cinema pode ser uma indústria do medo, com os filmes de terror a serem aposta segura para manter as salas abertas e os projectores a funcionar, e vampiros, zombies e lobisomens a tornarem-se nossos companheiros de insónias, esta espécie de contos modernos da carochinha empalidece perante outro medo.

Refiro-me, não ao medo de um filme, mas ao medo do cinema pelas vezes em que antecipou causas e lutas forçando a humanidade a olhar em frente, ou pior, a olhar para si mesma. Méliès não teve medo de brincar com o Diabo, Louise Brooks foi temerária ao dar nova expressão à feminilidade, Milestone ensinou-nos a ter medo do patriotismo, Chaplin não teve medo de desafiar o nazismo enquanto os EUA assobiavam para o lado, Sidney Poitier olhou o racismo norte-americano nos olhos, James Dean reformulou os desesperos e medos da juventude, Bergman atirou-nos à cara o silêncio de Deus, Antonioni assustou-nos com a nossa incapacidade de tocarmos os outros, Pakula, Zinnemann, Pollack ou Coppola ensinaram-nos a temer os nossos governos e até Scorsese enfrentou o terror de fanatismos religiosos. Hoje o cinema não tem medo de desafiar os nossos conceitos de género, os desafios virtuais e o papel do Homem no universo.

O cinema nunca teve medo de fazer as suas revoluções, nem de anunciar revoluções ou de documentar revoluções. A mais importante das artes, para Lenine, deu voz aos que não a tinham, deu novos horizontes aos que deles precisavam. O cinema transgrediu, ofendeu e amedrontou poderes instituídos, foi vítima de censura, foi manietado em grilhões por mentes medrosas e usado como propaganda para manipular opiniões. Mas sempre se superou e, como uma janela encantada, permitiu quebrar fronteiras, dando a ver mundos que alguns tentavam esconder do outro lado de muros e linhas artificiais.

E se o medo no cinema de hoje é o da sua irrelevância perante a mudança de paradigma no modo como as imagens em movimento nos chegam, é das mentes, vozes e rostos sem medo que ele triunfará, enquanto estas se lembrarem que o cinema veio para meter medo, não com monstros e assombrações, mas como um espelho indomável daquilo que nós somos.

Quanto a nós que aqui escrevemos, resta-nos não ter medo de o fazer nem de nos darmos um pouco também dessa forma, e de ainda conseguirmos a coragem de nos maravilharmos com o que nos chega do grande ecrã.

 

*Texto da autoria de José Carlos Maltez, cinéfilo desde que se conhece, iniciou-se em 2012 na escrita sobre cinema no seu blogue pessoal "A Janela Encantada", com mais de um milhar de análises de filmes, agrupando-as em temas e estéticas, numa viagem pela história do cinema. Seguiram-se a participação na revista online "Take Cinema Magazine" e, desde 2018, a co-autoria do podcast "Universos Paralelos". Em 2023 publicou o livro "Olhar o Medo - Visões sobre o Cinema de Terror" em parceria com António Araújo.

Dia do trabalhador!!

Hugo Gomes, 01.05.23

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La Sortie de l'usine Lumière à Lyon (Auguste Lumière & Louis Lumière, 1985)

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Modern Times (Charlie Chaplin, 1936)

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Tout va Bien ( Jean-Luc Godard & Jean-Pierre Gorin, 1972)

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La loi du marché / The Measure of a Man (Stéphane Brizé, 2015)

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Trabalhar Cansa (Juliana Rojas & Marco Dutra, 2011)

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La mano invisible / The Invisible Hand (David Macián, 2016)

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North Country (Niki Caro, 2005)

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Sorry We Missed You (Ken Loach, 2019)

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Stachka / Strike (Sergei Eisenstein, 1925)

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Ressources Humaines / Human Resources (Laurent Cantent, 1999)

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Labour of Love (Aditya Vikram Sengupta, 2014)

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A Fabrica do Nada (Pedro Pinho, 2017)

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Vida Activa (Susana Nobre, 2014)

Feliz dia do Pai!

Hugo Gomes, 19.03.23

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Big Fish (Tim Burton, 2003)

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Like Father, Like Son (Hirokazu Koreeda, 2013)

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Star Wars: Episode VI - Return of the Jedi (Richard Marquand, 1983)

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Adeus, Pai (Luís Filipe Rocha, 1996)

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The Lion King ( Roger Allers & Rob Minkoff, 1994)

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The Son (Florian Zeller, 2022)

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Life is Beautifull / La Vita è Bella (Roberto Benigni, 1997)

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Ladri di Biciclette ( Vittorio De Sica, 1948)

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The Pursuit of Happyness (Gabriele Muccino, 2006)

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The Kid (Charlie Chaplin, 1921)

O Prazer da Ignorância

Hugo Gomes, 12.07.22

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The Great Dictator (Charlie Chaplin, 1940)

Já tentei começar este texto de várias maneiras, mas não há como evitar a mesma ideia, pouco cinéfila, que me está na cabeça: não é a cena de um filme, uma história engraçada de bastidores ou uma citação imponente de um dos grandes cineastas. É, antes, um sketch do Gato Fedorento em que nos deparamos com um curso de literatura para porteiras. Depois de uma pequena introdução do professor a “Madame Bovary”, uma das alunas decide intervir:

“’Tá bem ‘tá, filho. Olha, eu é que não tenho pena nenhuma dela, ‘tás a perceber? Porque a Madame Bovary se quer ser respeitada primeiro tem que se dar ao respeito, ouvistes? (…) É ela e a outra que vamos dar pr’a semana, essa Maria Eduarda da Maia. É da Damaia… da Damaia sou eu e não sou tão badalhoca!”

Esta menção pode parecer descabida: mas por que raio é que alguém se lembraria disto para começar um texto sobre os 15 anos do blog do Hugo Gomes, que me pediu uma reflexão toda supimpa e, se possível, revolucionária, sobre a cinefilia?

Por duas razões: a primeira é porque fica muito giro. Quebra expectativas, tira-me um certo peso dos ombros, quebra o gelo entre mim e vós, leitores. A segunda, mas não menos importante, é que eu me identifico um pouco com esta personagem no que à cinefilia diz respeito. Na verdade, eu sou mesmo aquela porteira ficcional, menos o lenço na cabeça e a verruga no rosto.

Recuemos agora a 2007. Quando o blog Cinematograficamente Falando surgiu, eu estava a dar os meus primeiros passos pelo cinema adentro. Foi por essa altura, no quinto e no sexto ano, que comecei a ver os filmes de outra forma. Não estou a querer dizer que era precoce, a papar sete Bergmans por semana enquanto lia a obra completa de Dostoievski e compunha sinfonias para a orquestra da Gulbenkian. Muito pelo contrário: tal como a maioria dos miúdos da minha geração, passei demasiado tempo a ver desenhos animados - quanto aos videojogos cresci somente com um daqueles primeiros Game Boys a preto e branco (ou a preto e verde?), herdado da irmã mais velha, com o qual joguei tanta vez ao Tetris e ao Super Mario.

Mas foi por volta desse ano que me iniciei, aos poucos, a olhar os filmes com outros olhos. É em 2007 que vejo, pela primeira vez, as “20 000 Léguas Submarinas”, a versão que Richard Fleischer realizou para a Disney do livro de Júlio Verne, com um elenco fabuloso encabeçado por Kirk Douglas, Peter Lorre e James Mason. É nesse mesmo ano que vejo, e revejo, e re-revejo, “O Grande Ditador” de Chaplin, oferecido no Natal anterior em DVD, cuja magnífica selecção de conteúdos extra devorei até à exaustão.

Foi por essa altura que não me tornei um cinéfilo nem uma sumidade na matéria (que ainda hoje não sou, e que nunca serei), mas que comecei a querer ver os filmes para lá dos filmes, a querer analisar porque é que esta cena era feita com aqueles planos, o que era a montagem, etc etc etc. Não fossem esses dois encontros imediatos e hoje não teria a casa cheia de DVDs, discos de bandas sonoras e livros sobre cinema.

Aos poucos, e da forma mais irregular possível, fui aprendendo, vendo mais, lendo muito, escavando, qual arqueólogo pouco realista, em busca de uma arca perdida metafórica que mais não era o conhecimento, para ter mais informação sobre realizadores, actores, argumentistas, diretores de fotografia, montadores…

E uma das melhores fontes dessa incessante e infinita pesquisa, além das bibliotecas e da crítica especializada, estava nos fóruns e na blogosfera, que trouxeram outras maneiras de compreender os filmes, outras vozes dissonantes, um coro de escritores que também me serviram (e ainda servem) de guias por esses caminhos sinuosos e cheios de armadilhas que são os do simples acto de escolher um filme para ver depois do jantar. Também me aventurei pela escrita, ou algo parecido a isso, durante uma porção de tempo em blogs e sites, mas felizmente já me deixei dessas coisas, não sou drogado* o suficiente para acrescentar alguma coisa realmente importante nesse campo.

(* sempre ouvi dizer que é melhor gastar dinheiro em filmes, livros e discos do que na droga, mas há cinéfilos que são autênticos “junkies”. É preciso ter cuidado com eles: uma pessoa aproxima-se e depois já só quer passar todos os seus dias na Cinemateca.)

Voltamos agora ao presente (cuidado com os prováveis enjoos causados por tão repentinas viagens no tempo!). Continuo a aprender todos os dias e a testemunhar a minha crescente ignorância perante tanta coisa do cinema. Quando descubro um filme maravilhoso que ninguém conhece, partilho a informação com os meus comparsas e logo me recomendam sete ou oito títulos que eu próprio desconhecia.

Continuei, e continuo, sempre a aprender, nunca deixando de me sentir um valente ignorante perante todos os sabedores da matéria que fui conhecendo ao longo dos anos.

Mas eu gosto de ser ignorante. Ao contrário daquele núcleo de pessoas que acredita que não fomos à Lua e que a Terra é plana, esta é uma ignorância saudável que nos faz querer sair da nossa zona de conforto e, graças a uma curiosidade inesgotável, descobrir sempre mais. E nesta parte é sempre importante termos pessoas que nos fazem evoluir. Gosto de me poder rodear de gente que sabe mais do que eu e com quem posso trocar ideias. Se algum dia parar de aprender, a vida perde um pouco do seu significado.

Creio, por tudo isto, que se a minha cinefilia pudesse ganhar carne e ossos e falar, seria como aquela porteira dos Gato Fedorento. Rude, a falar de coisas sérias e canónicas com uma grande, mas acidental, falta de respeito.

Sinto-me sempre pequenino ao redor de outros cinéfilos, e o convite para participar nesta celebração de 15 anos de Cinematograficamente Falando deixou-me perplexo (o que é que uma aventesma como eu tem a acrescentar perante o painel de restantes convidados?). Daí que não consigo fazer “aquele texto que vai ficar para a História” sobre a cinefilia. A única coisa que posso acrescentar é que ela é um processo em construção, hoje com mais possibilidades do que nunca por termos todos os filmes do mundo à distância de um clique, de um torrent ou de um disco.

E que bom que é ser eu um ignorante em contínua desconstrução.

 

* Texto da autoria de Rui Alves de Sousa, grumete da Antena 1, autor do programa sobre BD “Pranchas e Balões” e do futuro programa sobre bandas sonoras “De Olhos Bem Fechados”.