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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Irmãos, projectos a meias ...

Hugo Gomes, 01.03.25

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Auguste e Louis Lumière, os pais do cinematografo

- La Sortie de l'usine Lumière à Lyon (1895)

- L'arrivée d'un train à La Ciotat (1896)

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Jean-Marie e Arnaud Larrieu, realizadores

- Tralala (2021)

- Roman de Jim (2024)

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David e Nathan Zellner, realizadores

- Damsel (2018)

- Sasquatch Sunset (2024)

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Runje, Runme e Runde Shaw, produtores de Hong Kong, fundadores do Shaw Bros

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Harry, Albert, Sam e Jack Warner, fundadores da Warner Bros

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Josh e Benny Safdie, realizadores

- Good Time (2017)

- Uncut Gems (2019)

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Jen e Sylvia Soska, realizadoras

- American Mary (2012)

- Rabid (2019)

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Ethan e Joel Coen, realizador e argumentistas

- True Grit (2010)

- Inside Llewyn Davis (2013)

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Anthony e Joe Russo, produtores e realizadores

- Avengers: Endgame (2019)

- The Gray Man (2022)

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Jean-Pierre e Luc Dardenne, realizadores, uns dos bastiões do cinema realista francês

- Rosetta (1999)

- L'enfant (2005)

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Vittorio e Paolo Taviani, realizadores

- Padre Padrone (1977)

- Cesare deve morire (2012)

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Oxide e Danny Pang, realizadores e editores

- The Eye (2002)

- Re-cycle (2006)

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Tony e Ridley Scott, realizadores e produtores

- Produtores de "The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford" (Andrew Dominik, 2007)

- Produtores de "Stoker" (Chan-wook Park, 2013)

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Mário e Pedro Patrocínio, realizadores, diretores de fotografia e fundadores da produtora Bros

- Complexo - Univeso Paralelo (2011)

- I Love Kuduro (2014)

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Lina e Maira Fridman, realizadoras e produtoras

- Calendário (2020)

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Lana e Lilly Wachowski, produtoras e realizadoras

- The Matrix (1999)

- Speed Racer (2008)

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Paul e Chris Weitz, realizadores

- Down to Earth (2001)

- About a Boy (2002)

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Bobby e Peter Farrelly, realizadores e argumentistas

- There’s Something About Mary (1998)

- Me, Myself & Irene (2000)

"Decision to Leave": Simpatia pelo Sr. Park

Hugo Gomes, 06.12.22

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Para tentar traçar uma trajetória evolutiva no cinema de Park Chan-wook, e talvez desta forma lidar com a minha desilusão para com o “Decision to Leave”, invoco um dos seus sucessos - “Sympathy for Mr. Vengeance” (2002) - primeiro tomo da sua querida trilogia de vingança, e para muitos a introdução do boom do novo cinema coreano no nosso país. 

Nesse filme, uma peripécia em torno de uma não-planeada vingança em lume brando ostenta uma postura ambiciosa ao virtuosismo que é intercalada com uma viscosa sujidade, impregnada em pontos-de-vista ou planos-detalhes, desde as unhas escarnecidas até à tinta de carimbo que salienta as impressões digitais num contrato mefistofélicos, mais tarde; o sangue, as fezes, urina e o suor pontuam como “borrões” numa pintura medida a régua-e-esquadro. Em “Mr. Vengeance” persiste-se em planos-conjuntos que transformam apartamentos minúsculos em autênticas “casinhas de bonecas”, enquanto lida com os calcanhares cortados (“libertando” litros e litros de sangue na fluidez da corrente de um riacho), trata-se de um constante choque entre o belo e o grotesco, sem nunca o fundir numa perfeita utopia, ou onanizando com inteira fascinação pela violência. 

Park Chan-wook aperfeiçoou o estilo no capítulo seguinte [“Oldboy”, em 2003], aprimorando não só a ênfase da vendetta como também na estilização da sua violência (basta relembrar da sequência do martelo, nunca prescindindo o humor negro). Diga-se, por passagem, que o zénite foi atingido pelo desfecho da “saga” [“Sympathy for Lady Vengeance”, em 2005]. Contudo, o grafismo foi-se perdendo, mas o teor agressivo permaneceu instalado nos seus becos, espreitando pelo momento que nunca viria a chegar, em “The Handmaiden” (2016) a sugestão era uma presença inevitável e em “Stoker” (2013), a sua experiência semi-fracassada nos EUA (um flop de bilheteira que merece uma revisão), a psicologia subverteu a ação das suas personagens. 

E é então que chegamos a “Decision to Leave”, e em descrições equativas somos levados a um noir inspiradamente hitchcockiano e romântico (mais “Stage Fright” do que “Vertigo” apesar da mimetizada esquadria), o qual Park deseja “fazer bonito”, rigores de estética virtuosista, sufocando tecnicamente uma intriga com o seu bem-querer de “bom cinema”. Em um momento, admiramos um corpo já sem vida esbarrado na terra húmida de uma encosta, essa massa outrora humana revela-se no foco de atenção às mais rastejantes criaturas necrófagas, larvas e moscas passeiam nas suas retinas sem brilho num espectáculo reservado aos presentes policiais que se amontoam no descampado, mais do que curiosidade, antes, com a missão a cumprir e desvendar quem matou aquele sujeito. Eis o "whodunit" instalado. 

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Esse pequeno vislumbre de grotesco, a putrefação visual, é esmagada pelo "bicho-carpinteiro" estilístico que habita em Park Chan-wook. Aquele preciso episódio (que mais tarde irá rimar com o certificado de “frescura” na morte expressa nos olhos de um peixe) que poderia ditar uma regressão à velha forma do realizador, soa-nos a um brinde afagado no artificialismo, essa, que a obra encanta, ou melhor, que deseja enfeitiçar-nos. Os pontos de fuga lá se mantêm, os detalhes no ponto-de-vista das personagens, a preocupação dos objetos nos contornos comportamentais do mesmo (a pausa dada, não apenas à intriga, mas ao filme, com sushi de luxo, saboreando e gesticulando cada pedaço sem pressas nem obrigações) e os twists narrativos que dinamizam o que poderia ser mais um conto entre detetives prodígios vencidos pelo cansaço e pelo afeto (carência que despoleta novos interesses), como “femme fatales” mais astutas que os seus igualmente problemáticos companheiros (aqui, a chinesa Tang Wei, que pensávamos estar esquecida do exuberante “Lust & Caution” de Ang Lee). 

É uma sombra da mestria narrativa no qual Park Chan-wook sempre nos presenteou, recorrendo ao minimalismo extraído da sua história, com isto cobiçando o interior das suas personagens, as vísceras não direi, ao invés disso, as emoções e sentimento reprimidos pela ditadura do dever. Não há que negar que “Decision to Leave” possui a força visual de nos conquistar numa sala de cinema, fazer-nos acreditar em estarmos perante uma obra de portento cinematográfico a suplicar a projeção, e com alguma razão, visto estarmos a vaguear por tempos de atribuída relevância ao streaming e às suas estéticas binárias. Com isto Park Chan-wook comprometeu-se a fornecer material de riqueza técnica para nos diferenciar desse mundo. 

Mas é essa sua obrigação que sufoca, os vislumbres do cinema rude, cru do sul-coreano, submetem-se ao senso-comum da beleza (o filme é belo sobre os padrões consensuais do que é, realmente, “belo”). Eis cinema gourmet, possivelmente.

Sorri, estás a ser "amaldiçoado"

Hugo Gomes, 29.09.22

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Ri, e o mundo rirá contigo. Chora, e o mundo chorará contigo”. Oldboy (Chan-wook Park, 2003)

Poderia ser motivo para sorrir, mas não o é, até porque em matéria de maldições, creepypasta e correntes, os japoneses demonstraram fazer tal com “uma perna às costas”, enquanto os americanos debatem pela credibilidade da sua sobrenaturalidade, prescrevendo a direito com a ideia, sem perceber que a linha reta leva-os a pisar nas mais variadas minas. Nem o “Minas e Armadilhas” resolveria a situação, “Smile” é terror industrial, bafiento na sua concepção (e nunca persistido), um embrulho amaldiçoada para nos apresentar os mesmos “rodriguinhos”, as mesmas personagens e obviamente as mesmas situações, que nos faz questionar se anos e anos de terror auto-referenciar conscientizou alguma coisa.

Dirigido por Parker Finn, esta sua primeira longa-metragem e grande aposta da Paramount Pictures para o competitivo mercado do cinema de terror (e 2022 tem-se revelado bem forte nessas forças), é uma consolidação aos seus anteriores e curtos trabalhos (“The Hidebehind” e “Laura Hasn’t Slept”, nesta última resgata a atriz Caitlin Stasey, o qual possui papel-chave na longa’), um sintoma de uma "tendência", estabelecendo a curta-metragem numa espécie de pitch para futuros projetos (aconteceu o mesmo com  Andy Muschietti [“Mama”] ou até David F. Sandberg [“Lights Out”], para referir dois casos neste universo de terror). 

Portanto, “Smile” prefere a extensão, confundindo isso com a densidade dramática das personagens (ou melhor, personagem, a de Sosie Bacon), acidentalmente inseridas num atormentado vórtice, onde o exercício de terror é limitado a uma só sequência (a mais próxima da dita curta), de sorrisinho amarelo prossegue para o amontoado de “jumpscares”, previstos e revistos, e acolhe o CGI como convidado de honra para o clímax (mais uma vez, o terror a pretender a artificialidade do que o textural - que saudades dos anos 80).

No fundo é toda uma experiência que não nos deixa sorridente, apesar de Parker Finn ter “olho” para transições e continuidades, sabe-nos a pouco perante o terror aqui adereçado (aviso à navegação, será tematicamente comparado a “It Follows”, de David Robert Mitchell, porém sem a sua evidente alusão a doenças venéreas).

Na balada do velho amigo

Hugo Gomes, 23.11.21

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Ri, e o mundo rirá contigo. Chora, e o mundo chorará contigo”. Foi com este provérbio que Dae-su (Choi Min-sik) sentiu-se acompanhado durante o seu misterioso enclausuramento durante 15 anos, sem nunca conhecer o local onde estava, o seu raptor e mesmo o motivo deste seu longo cativeiro. Esta frase, estampada num misterioso quadro, um dos poucos ornamentos de um apertado quarto que se transformaria, em quase mais de uma década, no seu mundo possível, tornou-se num hábito religioso e incentivo para uma vingança por concretizar.

Durante esta prisão, Dae-su treinou corpo e mente para um eventual encontro, um encontro que o próprio terá que “jogar”. Assumindo nova identidade, visto que perdera a sua mulher e filha durante a ausência, Dae-su cria uma ligação afetiva com uma jovem cozinheira de sushi que depressa vira cúmplice da sua jornada de sangue, ossos quebrados e revelações edipianas. Se existe filme que se aprontou como o apogeu do novo cinema sul-coreano que chamava atenção no Ocidente ou, pelo menos, se converteu num dos maiores representantes deste “movimento”, esse é definitivamente “Oldboy – Velho Amigo”, o segundo tomo da trilogia de vingança do realizador Park Chan-wook, a adaptação de uma manga japonesa de Garon Tsuchiya.

Eis uma obra feita por uma agressividade furtiva (e visceral, se contarmos a infame cena do polvo, onde quatro animais vivos foram sacrificados), em parelha com uma elegância virtuosa. E como aquela frase que persegue o protagonista e o espectador, a ótica faz a diferença na experiência, pois tanto vemos uma comédia negra com direito à sua trágica 'punchline', ou um 'thriller' de cadências obstinadas com gosto pelas revelações inesperadas. É com gosto que acompanhamos de forma operática este Conde de Monte Cristo sul-coreano, “martelado” (aqui no bom sentido) por uma veia radicalmente raivosa e calculadamente desenrascada.

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Não há que negar que “Oldboy” nos brinda com a sua narrativa, o seu compasso de espera e a surpresa guardada e atada num jocoso laço. É esse desafio face ao conforto da convencionalidade narrativa, e também a possibilidade de vários géneros num só, que o cinema sul-coreano conseguiu implantar modas e cultos junto de um público que, durante tantos anos, o ignorou. Porém, nem tudo é serviço prestável ao entretenimento: o filme tende a entrar num campo de existencialidade coletiva, num exercício de separar as águas de um corpo violento e de impulsos animalescos (o “monstro” como várias vezes é mencionado), e uma mente refém das memórias de um passado turbulento e inconsequente. Há quem encontre neste traço um lado metafórico para o estado de uma nação que está disposta em seguir em frente, deixando para trás os conflitos e as consequências.

Convêm também afirmar que hoje ainda lidamos com as repercussões (e em variados ecrãs) deste triunfo artístico. O cinema sul-coreano não nasceu com este filme de Park Chan-wook, nada disso, mas foi graças ao seu sucesso, assim como o Grande Prémio de Júri atribuído no festival de Cannes pela comitiva de Quentin Tarantino (reza a lenda que este seria a genuína Palma de Ouro, não o documentário “Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore), que se estabeleceu um parâmetro de comparação e, por sua vez, uma rivalidade saudável na produção sul-coreana, cuja vitalidade foi cobiçada a nível global.

Claro que os norte-americanos não entenderam isso e, dez anos depois, houve a refilmagem de Spike Lee, uma frouxa e fracassada tentativa de replicar a tal convencionalidade consistentemente abalroada pelo cinema sul-coreano.

A Criada: feita para servir, obrigada a seduzir

Hugo Gomes, 16.05.16

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Chan-Wook Park (“Oldboy: Velho Amigo”) apropria-se do romance literário da britânica Sarah Waters para incutir um conto de erotismo e de técnica luxuriosa onde, novamente, a “scissor sister” volta a ter a sua relevância enquanto ligação terna entre um casal (sim, algo que nos faz suspirar por “A Vida de Adéle”).

No centro deste jogo de enganos, traições, ciúmes e artimanhas, digno de qualquer thriller hitchcockiano, “The Handmaiden” é uma espécie de “origami”, machucado, recortado, dobrado, aspirando uma forma que não é a sua, mas que no final o resultado é de pura beleza de criação. Uma beleza presente na direção segura e estilística de Park, que prolonga os “fracassos” omitidos na sua produção norte-americana, “Stoker”, ou na sedução captada pelos corpos nus, pelas sugestões sexuais e corporais que as nossas personagens transmitem com toda a satisfação.

O humor pautado e subliminar enche os frames desta narrativa contada em três vozes, duas perspetivas que se complementam a um só olhar (terceiro ato), por entre twists e quebra-cabeças emocionais. É certo que podemos acusar de plasticidade Chan-Wook Park frente ao verdadeiro sentido da intriga. Como uma decorada “casa de bonecas”, é essa conexão com o olhar do espectador que “The Handmaiden” adquire a sua atmosférica façanha; é negro e colorido quanto basta. Sedutor e traiçoeiro como ninguém, uma clara alusão à perversão e repreensão sexual na cultura japonesa que cria, ou apenas “educa” fetichistas de imaginações infinitas.

Com belezas ditadas de Kim-Tae-ri e da estrela sul-coreana Kim Min-hee (“Right Now, Wrong Then”), Chan-Wook Park recria uma das melhores obras de teor erótico dos últimos anos; corajoso ao apresentar em plenas terras da Riviera Francesa um filme que contrai um portento fascínio pela luxúria e pelo obsessivo prazer.