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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Tribeca, um Web Summit que se fez passar por Festival

Hugo Gomes, 21.10.24

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Foto.: Ana Baião 

À porta do Doclisboa, discutia-se uma entrevista com Paula Astorga, a nova diretora do Festival de Documentário, ao site C7nema, na qual se destacava o evento como o [sublinhe-se] Festival de Cinema, em oposição ao Tribeca, a acontecer ali ao “lado”, e partilhando datas: “uma centelha, algo efémero e pouco transcendente”. Revoltado com tal afirmação, o meu “cúmplice” de "crimes" e de filmes, apelava à coexistência desses dois mundos nesta nossa conversa, coisa com a qual não pude deixar de concordar, embora não resistisse a criticar aquilo que se pretende vender como o nosso Tribeca.

Tribeca, o festival nova-iorquino, é uma "coisa", a extensão lisboeta na costa do Beato é outra bem diferente, um sintoma do que, lamentavelmente, parece ser o nosso desporto nacional: exaltar o provincianismo. Sob a bênção do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, e da SIC / OPTO, com um “vaqueiro de prata” para exibir às visitas, o Tribeca Lisboa foi tudo menos um festival dedicado ao cinema. Aliás, de Cinema tinha pouco ou nada, e o que tinha parecia querer esconder debaixo do tapete como se fosse um embaraço. Talvez seja por isso que a palavra "Cinema" surgiu em terceiro lugar no cartaz, depois de "Cultura Pop" e "Talks". Porque, na verdade, este Tribeca importado chega-nos como um empreendedorismo quais-turistico, e apertos de mão e negócios com o seu quê de solarengo alfacinha, uma condição confirmada pela atenção mediática - com Robert De Niro, Chazz Palminteri, Griffith Dune, Patty Jenkins e Whoopi Goldberg a dividir o palco com as caras conhecidas da nossa praça, mas, mais uma vez, com pouco ou nada de cinema para partilhar com os nossos.

Infelizmente, mesmo nessa troca de fluídos, fizemos "figuras tristes". Sem cinema, o festival transformou-se no modelo que os portugueses tão bem conhecem: o da Web Summit, o estilo FIL, de passes caros e promessa de estrelas de Hollywood (poucas, diga-se) a circularem pelos corredores deste negócio metropolitano. A De Niro, a sua presença foi tudo menos cinematográfica, sendo a política, Trump e a sua oposição feroz a encher manchetes e reels promocionais. Do outro lado, a nossa oferta: o "cinema português", representado por César Mourão e séries-pilotos como montra. Alguém consegue explicar aos nossos como também à estrela o que é realmente cinema português, aquela com uma linguagem universal e não citações de fórmulas ou hibridez televisiva, ao invés de o aproximar da produção mista da SIC e a “gang do audiovisual” desejam fortalecer.

Como bem apontou o crítico Vasco Câmara, do jornal Público, bastava alguém sussurrar ao ouvido de De Niro com a dica de que na "terra natal" do Tribeca, em Nova Iorque, estava a decorrer um ciclo de cinema português no MoMA - “The Ongoing Revolution of Portuguese Cinema - que celebra a universalidade e contemporaneidade da nossa produção. Pedro Costa, Miguel Gomes, João Pedro Rodrigues, Fernando Lopes, Manuel Mozos, Teresa Villaverde, entre outros, filmes tão nossos que o "grande público português" despreza, mas, em vez disso, apresentamos protótipos baratos de enésimas produções hollywoodianas, De Niro e a sua trupe produzem uns quantos “Podia Ter Esperado por Agosto” com uma perna às costas. Como bem disse João Botelho: "patetice por patetice preferem os americanos, que são patetas grandes".

No final, é oferecido um galo de Barcelos, anuncia-se a edição de 2025, e pronto, fica arrumada esta Comic-Con dos CEOs do audiovisual [aqui um fica de um testemunho deste "festa cinematográfica" no site Tribuna do Cinema]. E o triste é saber que temos as condições e as estruturas para acolher um festival internacional à escala de Cannes, Veneza ou até Locarno, o que nos falta é a mentalidade, como também a vontade, para o concretizar.

Entretanto, o Doclisboa prossegue, e é, quer se goste, quer não, um festival de cinema. O outro... nem carne nem peixe. Uma terra de unicórnios …

Nos braços da Palha deitado ...

Hugo Gomes, 15.07.24

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César Mourão desafia-se na realização, num projeto que ele próprio pretende apelidar de cinema. No entanto, apontamos o caminho esburacado que o ator parece seguir. Acenamos com isso tentando interceptá-lo, interromper a sua vontade, iludido pelo “bem” que ele pensa praticar, mas em vão. Ele cedeu ao “audiovisual”, essa comunidade que encontra na tela, sem diferenciações, onde tudo é programado para ser adaptado às plataformas. O resultado da sua primeira longa-metragem - “Podia ter Esperado por Agosto” - uma comédia romântica como a publicidade nos engana, é televisão quanto aos seus frutos e procedimentos.

Em alguns momentos, Mourão parece enganar-nos – se não fosse isto uma comédia de enganos, mas já lá vamos. Somos confrontados com o facilismo e a banalização que a cultura audiovisual, muito portuguesa, contaminou nos desejos de fazer cinema. Por exemplo, um pouco de contexto: a nossa história decorre numa aldeia em Arcos de Valdevez, em contraste com cenas avulsas da cidade de Lisboa - nada de fascinante em relação à metrópole porque a narrativa não se mostra interessada num embate à la Dickens - contudo, existe uma sequência que nos soa a um virtuosismo vaidoso, em que a praça dessa mesma aldeia é “palmilhada” por diferentes habitantes, personagens e até gado. A câmara acompanha circularmente essa multidão gota-a-gota, manifestando calculismo e meticulosidade em criar cada movimento como um simbolismo à rica vida deste meio rural, até que o protagonista, também ele César Mourão, invade a tela e percorre a praça em direção a uma ruela.

A lente segue-o até que, a certo momento, esta parece levitar. Mais um pouco até ser humanamente impossível a sua altura e aí damos de caras com um drone, artifício exaustivamente confundido com os interlúdios de telenovelas, banalizando-se nessa linguagem publi-televisiva, e, por sua vez, auferindo um conceito de imagens emancipadas do homem. Há um perigo nesta massificação, o faz-se pela artificialidade e pelas baixas orçamentais (mais barato que uma grua, por exemplo, hoje cinematograficamente obsoleto). Portanto, o drone está vulgarmente presente. É uma praga e deve ser declarada como tal! Chamem o exterminador, por favor!

Porém, não poderia deixar de abordar um outro “elefante na sala”, este também muito impregnado nos conceitos mercantis do “cinema popular português”, que é o argumento e a ingenuidade com que se resolvem todos os conflitos. Neste caso, como havia mencionado, é uma comédia de enganos. Nada contra, burlas e charlatanices fazem paródia e carimbam o absurdismo que merecem, mas o lado romântico e como um mero “Amo-te” justifica as maiores barbaridades cometidas é assunto urgente para debate. Os espectadores contemporâneos são outros daquilo o qual estes filmes são pensados, queremos acreditar que sim, demasiado cínicos para acreditar em “contos de fadas” e, pior ainda, o cinema, por vezes romantizado e escapista, deixou de estabelecer esse delírio há muito.

Nem pela Júlia Palha, ‘coisas’ destas se fazem…

César Mourão em "A Canção de Lisboa": "Atenção, eu sou um ator e não um comediante"

Hugo Gomes, 15.07.16

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O Cinematograficamente Falando … falou com o ator César Mourão sobre mais um capítulo da chamada “Trilogia dos Clássicos“, desta vez, e novamente como Vasco Santana, em “A Canção de Lisboa” (Pedro Varela, 2016). Nesta conversa descontraída, Mourão falou sobre o legado do ator que tem “incorporado” no grande ecrã em dois filmes e a sua experiência na comédia e nesta nova versão do clássico dos clássicos portugueses. 

É a segunda vez que desempenha um papel anteriormente interpretado por Vasco Santana. Sente que de certa forma tem sido responsável por carregar o legado do ator?

É impossível ser Vasco Santana, porque simplesmente Vasco Santana é Vasco Santana e ponto final. Apenas faço o trabalho que me pedem da melhor forma possível, é um orgulho interpretar uma personagem já fora desempenhada por Vasco Santana, mas não pode haver comparação. Até porque são duas “coisas” completamente distintas. Se me perguntarem se adorava ter o reconhecimento que o Vasco Santana teve, claro que adorava, mas isso requer muito trabalho, empatia com o público e também sorte.

Então quer dizer que evitou ao máximo “imitar” Vasco Santana?

Sim, a ideia, aliás, era exatamente essa. O objetivo não era fazer uma comparação, não o de imitar Vasco Santana, portanto, foi completamente fugir a esse conceito. 

Os filmes como o clássico “A Canção de Lisboa” são ainda hoje vistos como exemplares respeitados da comédia portuguesa. É difícil fazer comédia em Portugal?

Penso que a comédia em Portugal é bem aceite pelo público. O público gosta da comédia, não só em Portugal, mas como também no resto do Mundo. Atenção, eu sou um ator e não um comediante, trabalho, sim, com  a comédia e felizmente tenho conseguido viver com ela. O que é fantástico, porque é sinal de que o público compra bilhete para ir ver-nos no teatro ou no cinema, ou seja, o público quer realmente ver-nos.

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O facto de se declarar como um ator e não um comediante, significa que aceitaria fazer, por exemplo, um papel dramático, ou algo fora daquilo a que o público está habituado a vê-lo?

Claro, adorava. Como já havia referido sou um ator, não um comediante. A minha formação é de ator, por isso apreciaria interpretar qualquer papel em qualquer registo. Por exemplo, em “A Canção de Lisboa”, existem leves toques de algo mais romântico, mais sério, principalmente nas minhas cenas com a Alice [personagem de Luana Martau]. Mas em Portugal, por vezes, ficamos rotulados com uma determinada característica ou interpretação. Mas como ator, cá estou eu para aceitar os desafios. 

Para si, qual é a fórmula de sucesso desta trilogia? Sabendo que o sucesso em "A Canção de Lisboa" ainda é uma incógnita?

Modéstia à parte, acho que este também vai ser um sucesso. Agora, quanto ao êxito, este é resultado de um verdadeiro trabalho por detrás, da dedicação, e tal pode ser verificado neste filme. “A Canção de Lisboa” é um filme sério, digno, que respeita sobretudo o público-alvo, o público que realmente pretendemos atingir. Não é um filme pretensioso, nada disso. É apenas um filme bem escrito, com dedicação e empenho, esse é sim, o segredo do sucesso. O resto é o público gostar ou não.

Se a trilogia se prolongasse para mais um ou outro filme e se esse filme contasse uma personagem anteriormente interpretada por Vasco Santana, aceitaria participar?

Adoraria, desde que o roteiro ou guião fosse do meu agrado, e tudo o que estivesse à volta também for do meu agrado. Obviamente, que fosse também bem tratado. Portanto, desde que eu gosto, porque não …

Quanto a novos projetos?

Não tenho. Mas atenção, é por opção. Tenho a “Commedia a La Carte”, o qual será para o resto da vida, ainda tenho esperanças de começar um espetáculo no Teatro da Trindade. Os meus projetos são feitos no imediato, é aqui que eu estou, é aqui que eu vou, fazendo sempre “coisas” novas. Convites? É esperar por eles e ver o que daí sai. 

"Ó Evaristo, fora com isto!"

Hugo Gomes, 04.08.15

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Não é que “O Pátio das Cantigas" seja um clássico absoluto do cinema mundial. Foi, sim, um objeto do regime salazarista que caiu atualmente nas boas graças do povo português e ainda hoje integra parte do nosso diálogo e tradições. Quando se fala de “O Pátio das Cantigas”, se menciona, obviamente, filmes como “A Canção de Lisboa”, “O Leão da Estrela”, “O Costa do Castelo”, entre outros e, com exceção de O Pai Tirano, todas elas comédias ditas populistas que tiveram o favor de transladar um humor de revista e de rádio para o grande ecrã. Foi como o cinema português deu os primeiros passos “corretos” no sentido do que julgava ser cinema comercial.

Por outro lado, eram filmes moralistas, adeptos dos bons costumes e de conteúdos limitados em consequência do regime político que se vivia. Nota-se, por exemplo, a célebre sequência do tumulto no arraial do “Pátio das Cantigas”, em que a personagem de Vasco Santana leva um grupo de crianças para um recanto obscuro e aclama: “aqui não lhes acontece mal nenhum“, no mesmo local onde se vê uma tabuleta com a inscrição SALAZAR. Sim, sempre existiram mensagens subliminares nestes filmes que respeitavam os chamados “três Fs” de Salazar. Porém, a ideia de um remake ou “homenagem”, como cobardemente se quer auto-intitular este filme, é uma manobra arriscada e que dificilmente nos diz algo sobre a época em que vivemos. Leonel Vieira conduz um grupo de atores, todos formados na escola da televisão, imagem adversa do elenco original, “extraído” da rádio e do teatro, que suportam personagens por vias de meras caricaturas e confronto entres egos ou, como no caso de Miguel Guilherme, uma descarada imitação do Evaristo de António Silva. Até a melhor atriz do elenco, Anabela Moreira, encontra-se num desperdício herege.

Como referência à digna “caixa-maravilha”, este “O Pátio das Cantigas” tresanda a todo um registo televisivo, especialmente com o seu humor descartável, pouco imaginativo e, por vezes, de mau gosto. Existem mesmo sitcoms nacionais mais sofisticadas que toda esta lavagem “pseudomoderna”, já que o modernismo fica-se pelo “pastiche” e pelo product placement que controla o quotidiano das suas personagens e não o contrário. É um pátio míope, sem textura nem dimensão e, pior, sem vida, para além daquela incutida artificialmente para “português ver”.

Da mesma forma, enquanto produtos mais originais e ousados da nossa cinematografia são desprezados pelo seu público, são “coisas” como estas que auferem o seu título de filmes “populistas”. Por fim, se eu tiver que nomear algo de bom neste exercício travestido de comédia, é que Leonel Vieira consegue ser mais sóbrio a nível técnico e de planificação em comparação com Nicolau Breyner e o seu “híbrido “7 Pecados Rurais”. Cinema? Não, autocolante televisivo. Homenagem? Não, simplesmente oportunismo.