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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Meter-se com a família é meter-se com o Cinema. Um ciclo à portuguesa no Cineclube de Alvalade

Hugo Gomes, 13.06.23

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Gipsofila (Margarida Leitão, 2015)

Foi com o muy celebrado “A Metamorfose dos Pássaros” de Catarina Vasconcelos que o Alvalade Cineclube abriu o seu mais recente ciclo, uma mostra de filmes que nos soam familiar até porque Família é Família, como diz o título da iniciativa, e família, por bem ou mal, toda a gente a tem. Serão no total cinco obras que exploram os laços, sejam sanguíneos, sejam fabricados, que compõem esta íntima comunidade, por um lado são um espelho da nossa identidade, por outro são matéria para a criação. O cinema português celebrando “lugares-comuns”, salvo seja, com a intenção de ir mais além do mero álbum de fotografias. 

Em conversa com o programador Bruno Castro, desvendamos pouco a pouco a viagem pelos filmes e as suas respectivas famílias. A não perder no Cinema Fernando Lopes, este ciclo iniciado em 8 de junho e com desfecho (e que desfecho!), ao som de Trio de Odemira, com “Desterro” de Maria Clara Escobar no dia 29 desse mesmo mês. 

Curiosamente, alguém me afirmou numa daquelas tertúlias cinematográficas de que o cinema português “anda eternamente atrás da avó e do avô”, uma clara referência às enésimas temáticas familiares que deparamos neste panorama. O cinema português é no seu maior sumo um cinema que procura encontrar a sua identidade nas suas raízes familiares?

Temos muitas dúvidas sobre o conceito de “cinema português” hoje em dia…. Mas para além disso, o que queremos neste caso é dar espaço a realizadoras e realizadores que andam à procura de si mesmos. A Catarina Vasconcelos fê-lo na "Metamorfose dos Pássaros" ao partir de uma morte e ficcionar uma vida. O António Aleixo vai atrás sim, mas para perceber-se a si mesmo. A família enquanto tema do cinema feito em Portugal não nos pareceu mais do que uma desculpa para estes olhares, que estão longe de outras abordagens sobre os “avós”. Ainda assim, se entrar no espaço de intimidade da família for uma forma de encontrar identidade, então somos portugueses. Estes são cinco filmes para questionar inclusive o conceito de família. Parece-nos que o traço de identidade deste cinema português é a curiosidade e a vontade de fazer perguntas, seja ao avô ou ao bebé.

Tendo em conta esta seleção de filmes, que noção podemos ter de Família? Ou se no seu todo deparamos com uma tese?

Nada de tese! Não queremos ter noções, queremos ter diálogos. Nunca programamos com uma proposta de tese, mas sempre com um móbil de questionamento. E ainda por cima acreditamos piamente que família é o que se quiser. Só não está o Hirokazu Kore-eda neste ciclo porque não nasceu na maternidade Alfredo da Costa.

Um dos filmes selecionados é o “Desterro” de Maria Clara Escobar, que entra neste ciclo em oposição aos demais, é uma obra que deseja destruir laços familiares e não criá-los, e coincidentemente (ou não) é o desfecho da mostra.

É curioso como habitualmente se olha a ideia de família sobre o prisma da construção ou destruição. Como se fosse um edifício, que decidimos erigir ou demolir. “Desterro” surge pela diferença e pela coragem mais do que por oposição. A Maria Clara teve a vontade em assumir que "os dias que correm” podem ser fugas ou desagregações, e que a vida pode ser sair de casa, porque pode existir outra casa lá fora, ao ar livre. É um filme formalmente maravilhoso e de uma coragem surpreendente, pelo contexto de produção (filmado em plena era-Bolsonaro) e porque existe, apesar desta Humanidade. É também um filme que nos permite afirmar de forma bastante clara que família não é um conceito binário, boa vs má, sólida vs frágil, protegida vs exposta. É bastante mais dúbia que isso, e é por isso que fecha o programa. Adoramos zonas cinzentas.

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Desterro (Maria Clara Escobar, 2019)

De alguma maneira, todos nós identificamos com estes filmes de uma forma emocional, diremos mesmo que a Família é uma palavra universal e até que ponto não é um caminho fácil para cinema, principalmente enquanto “primeiros passos” de um(a) realizador(a)?

Boa pergunta para realizadores! E porém, com os que falámos e falamos, dizem-nos que é dos caminhos mais difíceis. É mais próximo, sim, mas comporta maior risco, porque se a ligação emocional do filme não se dá com o espectador, é um “falhanço”. E depois há aquela vontade dos realizadores de ajustarem contas com a sua própria vida. Alguns fazem-nos com zombies. Outros preferem ir almoçar com a avó. São todos humanos (menos os zombies).

Havia algum critério para o ciclo ser uma demonstração do universo português (mesmo “Desterro” ser ambientado e possuir coprodução brasileira)?

Boa pergunta. Na verdade, inicialmente a ideia era existir diversidade de cinematografias, e de famílias. Mas depois os astros alinharam-se de uma forma específica e surgiram oportunidades para ter as realizadoras e realizadores em sala, para discurso directo, e não quisemos perder esse comboio. “Gipsofila", por exemplo, é uma raridade em sala e isso permitirá ter a Margarida Leitão de novo connosco. O mesmo com o António Aleixo, a Catarina, o Jorge Vaz Gomes. Não trocamos uma boa conversa em carne e osso por um taco gordurento da cidade do México, sem chicha ao vivo.

Novas familiaridades … quer dizer, novos projetos para o Alvalade Cineclube?

Podíamos fazer trocadilhos e dizer que o scoop agora vai ser de gelado de limão durante o Verão. Em vez disso, damos mesmo um scoop sumarento: em setembro os olhares têm título bem grosso: “Da Glória das Mulheres em Portugal”, com três documentários sobre senhoras desta terra. Em outubro, o primeiro ciclo participativo, em que os filmes a ver serão votados pelo público a partir das sessões mais marcantes dos últimos anos. Em novembro, o regresso da América 70 com mais cinco colarinhos azuis. Em dezembro, Noites Portuguesas serão três saraus cinéfilos especiais. Pelo meio o arranque do projecto educativo Cinedojo, com paragem pelo Cinema São Jorge. Chega para conversa de Natal no jantar de família? Nós levamos a compota para trocar no quintal.


Todas as sessões iniciam às 21h00 (ver programação aqui)

Um pássaro sem asas não voa

Hugo Gomes, 18.10.21

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Há uns tempos um debate lançado por uma distribuidora (a ex-maior do país) tentou culpabilizar os filmes portugueses pela sua falta de adesão pública. A questão foi "O que os portugueses desejam ver no seu cinema?". Mas antes que haja respostas à pergunta de "milhões", há que entender que os filmes não caem do céu. Muitos necessitam de outros fatores, entre os quais a dita distribuidora falhou ou indiferentemente negligenciou, ou seja, não se faz "omelete sem ovos". O crítico João Lopes utilizou o Diário de Notícias para incentivar esse pensamento ou simplesmente facto.

Catarina Vasconcelos: "o que de extraordinário tem o cinema é a sua capacidade de repensar o mundo"

Hugo Gomes, 04.09.20

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Com "A Metamorfose dos Pássaros", premiado no Festival de Berlim, a artista Catarina Vasconcelos vai ao encontro das mulheres do seu passado que nunca conheceu: a mãe e a avó, Beatriz, carinhosamente apelidada de Triz.

A realizadora aborda a sua família como uma galeria de quadros animados e de natureza morta, um gesto de criação poeticamente visual que desenha um legado enriquecedor para contagiar emocionalmente os espectadores.

Conversei com a artista que encontrou no cinema o seu possível vínculo com memórias e afetos. A Metamorfose dos Pássaros” chegou finalmente a terras lusas através da 17ª edição do Indielisboa.

O seu filme foi uma intenção de “resgate” ou de criação de memórias, sendo que a Catarina as resolve num terno poema visual. Foi uma forma de criar um certo refúgio para que o espectador não possa “infiltrar-se” esse intimismo?

Há dois aspetos importantes que devo mencionar. Primeiro, não estudei cinema, sou de Belas Artes, e isso é crucial na forma como me aproximo do cinema. Venho desta estrada, portanto todo o universo que trago para o cinema é de arte, um tratamento algo plástico, como de "tableau vivant", de quadro, de pintura. Ao mesmo tempo, quando comecei a fazer o filme, que foi há cerca de seis anos — e tem toda a razão em usar a “palavra” resgate — foi porque o meu avô teve a necessidade de queimar a correspondência entre ele e a minha avó Beatriz.

Na altura, esse seu ato chocou-me e muito, até porque nunca cheguei a conhecer a minha avó e estava crente que iria conhecê-la melhor através dessas mesmas cartas. Portanto, tive essa ideia de resgatar alguém que nunca conheci, e durante esse processo, comecei a ir mais fundo. Seja através de entrevistas aos meus familiares, como ao meu pai. Embora tenham sido muitos generosos, tive sempre a singular sensação de que não estavam a contar-me tudo. Escondiam-me algo. Foi algo de que me fui apercebendo e apelidando de ‘mistério das famílias’, os “não ditos”, o que não é contado. Não por mal, mas que são uma espécie de regra de ouro entre famílias.

Como tal, acabei por ter muito espaço em branco. Tinha que preencher esses espaços! Por um lado, senti alguma frustração, por outro foi uma espécie de carta-branca para criar, inventar o que não sei. Com isso, o filme foi adquirindo esses contornos, entre o documental e a ficção, e de um momento para o outro existiam ‘coisas’ que eram fabuladas, repensadas, até porque não se sabia como eram verdadeiramente. Como eram os meus pais e tios quando eram novos, apesar de ter relatos do que eram famílias e mulheres a viver nos tempos da ditadura. O que mudava na essência dessas famílias. Esse carácter do filme entre as memórias resgatadas e de uma poesia que gira à volta disso tem a ver com o processo de construção do filme. Um não vive sem o outro. Hoje penso "que bom que não disseram-me tudo". Para que fosse possível criar esta linguagem, toda esta não só poesia, não seria só sobre esta família, mas partindo dela mesmo para abordar elementos ainda maiores.

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No preenchimento dos espaços em branco, existe também toda uma criação de um panorama sociopolítico da juventude dos seus avós, pais e tios, como o retrato do Portugal pré-25 de Abril. Queria que me falasse sobre essa reconstituição.

Esta família cresceu entre os anos 50, 60 e 70 [Estado Novo]. Para mim era importante abordar, primeiro, a família e o seu desenvolvimento, mas também do que se passava à volta deles. Reconstruir um panorama político. Por isso utilizei a coleção de selos do meu avô Henrique e percebi que, olhando através deles, conseguiria traçar, de modo geral, a história de um país e das suas ditas colónias ultramarinas. Como se pode constatar no filme, quase todos os selos oriundos de Angola ou Moçambique tinham uma alusão a António Oliveira de Salazar, seja através de barragens, pontes ou outras construções, o que dá uma ideia do sufoco vivido na época. Tudo que este homem tocava, automaticamente ganhava o seu nome.

Tentei implementar essa ideia no filme para transmitir a juventude asfixiante de Jacinto e dos seus irmãos. Outro elemento que tento abordar é o dito choque geracional. O meu avô nasceu em 1926, no início do Estado Novo, enquanto o meu pai nasceu em 1950. E como tal, desencadeará um desajuste geracional e político, não com isto afirmando que os meus avós eram pró-Salazar, mas a verdade é que nunca conheceram outra realidade sem ser aquela. E os meus pais e tios já estavam atentos ao que se estava a passar em França, Bruxelas [Bélgica], entre outros [países], tendo um termo de comparação que suscitou consciências políticas. Em “A Metamorfose dos Pássaros” tentei, com pormenores, criar um conjunto de apontamentos do cenário político-social desta família, uma espécie de pano de fundo para o enredo.

Gostaria que me explicasse o porquê da escolha da realizadora Cláudia Varejão (“Amor Fati”, “Ama-San”) como incorporação da sua avó.

Primeiro que tudo, tem uma voz extraordinária. Depois, porque é uma pessoa muito próxima e este é um filme feito com relações emocionais. Todas as pessoas que foram trazidas possuem uma proximidade. Certo dia estava a ouvir a Cláudia na rádio e nunca tinha ouvido assim a voz dela, dessa maneira, e fiquei impressionada. E admiro o trabalho da Cláudia, aliás, admiro a Cláudia. Portanto, ter ela no meu filme a interpretar a avó que não conhecia, mas pela qual era fascinada, marcou-me enquanto realizador, mulher e portuguesa.

Existe um momento curioso: quando o seu pai, Henrique, confronta-a com o porquê da sua mudança de nome no filme para Jacinto. Este diálogo tem como finalidade romper o lado “verídico” da obra, dando a ideia que aqui há espaço para a criação ficcional.

O que de extraordinário tem o cinema é a sua capacidade de repensar o mundo. “E se isto fosse assim” ou “se o meu pai se chamasse assim”. Todas estas possibilidades são-nos dadas com enorme generosidade pelo cinema. Ao mesmo tempo, essa mesma generosidade e capacidade de construção são notórias se as desfizermos. A única forma que tinha para mostrar essa mesma construção no filme era se se desconstruísse um "bocadinho" … e esse confronto com o meu pai foi real [risos].

Por um lado, percebo o lado dele, estou a fazer um projeto sobre a família e altero o nome dele! Achei interessante incorporar essa sua reação e de certa forma vai ao encontro com a natureza de "A Metamorfose dos Pássaros", a diluição do que é verdade ou ficcionado. Esta sequência é crucial para entender que existe essa vertente. Creio que toda essa construção/desconstrução, o de mostrar e esconder, percorre em todo o filme.

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E porquê Jacinto como nome fictício?

Uma coisa que percebi da minha avó Triz é que existia um amor à Natureza, às plantas, uma capacidade extraordinária de fazer nascer e crescer "coisas". Senti-o em várias fotografias, nas plantas que plantou. Era algo que sabia dela, não foi preciso contarem-me. Às tantas, certamente queria usar esta metáfora para batizar o primogénito de Jacinto, um filho com raízes em terra enquanto o marido está constantemente no mar. Essa explicação acontece no início para que no fim ocorra a desconstrução. E o mais, já bastava a confusão que era ter dois Henriques [avô e pai] na história. Era o fim da picada!

A situação pandémica alterou por completo o calendário de estreias. Veremos “A Metamorfose dos Pássaros” nos cinemas portugueses?

Gostaríamos muito que o filme estivesse estreia comercial. Aguardamos pelas datas para verificar qual a mais apropriada. Seja este ano ou no próximo, mas como referiu, com esta situação muitos filmes ficaram com as suas estreias atrasadas, o que causou uma espécie de linha de espera. Anteriormente, as pessoas já iam pouco aos cinemas, atualmente têm que trabalhar ainda mais e pensar em novas estratégias para novamente levá-las às salas.

O que pensa do streaming como solução de estreia?

“Ninguém” gosta que os seus filmes sejam vistos em streaming porque são feitos para serem vistos no cinema. As salas são as casas para os filmes. Mas neste caso especial, se o filme está selecionado num festival, mais vale acontecer, porque imaginamos que, para o ano, estas obras de 2020 não terão o devido espaço e outras mais recentes. Não se deve matar a carreira a estes filmes, apesar de não terem as estreias dignas projetadas pelos seus autores, produtores e todos os envolvidos. Sei que é um tema que tem dado discussão de certa forma fraturante na nossa comunidade, mas creio que isto foi tentar dar uma resposta rápida a uma situação que ninguém previa. Este cenário do streaming garantiu o destaque a filmes de 2020 que, de certa forma, não entrariam nos festivais do ano que vem.

E quanto a novos projetos?

O que tenho é mais uma ideia de filme, ou seja, está em fase de escrita. Foi um processo intenso a da produção de “A Metamorfose dos Pássaros”. De certa forma, esta quarentena serviu para me obrigar a parar um bocadinho e repensar. A ideia já está formada, o filme vai acontecer, só que, aviso, vai demorar um tempo.

"A Metamorfose dos Pássaros": a primavera silenciosa da nossa saudade

Hugo Gomes, 29.02.20

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A particularidade de “A Metamorfose dos Pássaros” encontra-se na sua incessante busca pela memória, um processo que executa através dos objetos afetivos que se indiciam como atalhos para essas réplicas emocionais. Da mesma forma que existe genuinidade e ternura neste gesto proustiano de perpetuar o passado (mais do que experienciar o presente), há também uma farsa cometida que instala-se como uma readaptação ao seu cerco cinematográfico. As recordações, essas, são verídicas, mas a realizadora Catarina Vasconcelos recorre à encenação, aos pseudónimos, aos embelezamentos que a própria revela para tornar todo esta genealogia de alma numa belíssima galeria de quadros pintados, muitos deles remetendo à natureza morta, pelo qual delineia a fronteira deste microcosmo.

Começamos então no primeiro ato, no isolamento que atormenta mentes que navegam por mares de saudade e de exaustão emocional, aqui, o “ancião” Henrique (avô de Catarina) assume-se como o voluntário dessa condição de eremita, falando e mencionando fantasmas, o amor que nunca esqueceu e que igualmente nunca verdadeiramente possuiu. Na sua sala de estar, o náufrago memorial pendura um quadro, diríamos mais uma cópia, um Joaquín Sorolla (“Madre”, 1895), como o próprio informa, remetendo automaticamente a essa ausência afetiva – Beatriz, ou como gostava de ser chamada Triz – a “assombração” que nos levará para o passado das coisas, para à ante-existência da autora.

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"Madre", Joaquín Sorolla (1895)

“A Metamorfose dos Pássaros” é um filme verdadeiramente pessoal e falsamente desencadeado na sua estética, é íntimo como igualmente exibicionista e incômodo como confortável. Catarina Vasconcelos demonstra constantemente a sua posição de “contadora de histórias”, seja pela narração omnipresente e coletiva, seja pelo visual que vai acompanhando a “ditadura das palavras”, prevalecendo a sua estética quase eclética e sobretudo trabalhada para original metáforas visuais (“observamos o mundo como fosse um quadro“).

Esta sua primeira longa-metragem (Vasconcelos concretizou um curta em 2014, “Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso”) paraleliza com “Elena, da brasileira Petra Costa (filme que não canso de referenciar, não vá cair no esquecimento ou no desprezo dos “privilegiados”), devido à sua recriação de revivescências e sentimentos vividos, pela carta pessoal aberta que acolhe o espectador e o familiariza como “seu”. Existe sim, um fabricado poema, proclamado com todas as suas estrofes. Em “A Metamorfose dos Pássaros” é a beleza desse encontro que suscitará a mãe de todas as alegorias, aliás, é essa mesma, Mãe, a palavra-chave desta jornada de diário escancarado e subitamente “violado” por curiosos.

O mistério nascia nos detalhes“, ouve-se a certo ponto, conferindo nesses pormenores a riqueza escondida pelas “fachadas” de beleza nos planos confinados à confidência de Vasconcelos. “A Metamorfose dos Pássaros”, ao contrário do seu título, não contrai nenhuma transformação no seu processo de criação; é acima de tudo um filme que merece encanto mas de um universo demasiado fechado, e talvez por isso, um adquirido e requerido tom privado.