Na balada dos brancos cabelos de Maria Adelaide
O filme abre com uma ode de admiração aos escondidos cabelos brancos de Maria Adelaide Coelho da Cunha, herdeira e dona do Diário de Notícias em 1918, que se depara no espelho estes sinais evidentes de envelhecimento, para mais tarde, tal cena ser replicada como uma determinação perante um ataque orquestrado por homens de poder ou simplesmente de influências insufladas.
Estes assuntos capilares não são mais que uma prolongada analogia de um sufoco feminino num país reinado por um patriarcado profundo, onde os romances são só apenas escândalos de alta sociedade no lado delas e que o desejo da mulher é automaticamente encarado como sintoma para uma eventual patologia mental. É assim, que a vida da não consinta Maria Adelaide é ditada por um universo médico e científico enraizada em esquemas de conservadorismo e ideologias machistas, o qual tenta perpetuar a sua luta através de peças teatrais com blasfémias fontes de prosa e poema qualificado.
O regresso da dupla criativa, o realizador Mário Barroso (“O Milagre Segundo Salomé”) e o argumentista Carlos Saboga, resulta numa biopic à portuguesa de nome “Ordem Moral”, que retalha as inspirações de Agustina Bessa-Luís no seu romance “Doidos e Amantes”. A história já havia originado uma obra de Monique Rutler em 1992, “Solo de Violino”, hoje de paradeiro desconhecido, e é sob o cunho da produção de Paulo Branco que assenta num efeito de produto de luxo, composto por elencos de estrelas do circuito e um retorno esperado ao nosso cinema – Maria de Medeiros.
Aliás, é através da veterana e celebrada atriz (“Adão e Eva”, “Capitães de Abril”) no qual concentra a grande força, e quiçá resistência, desta produção. A sua condução a leva a uma voluntária miopia quanto ao seu mundo, para reforçar a sua causa, quer pessoal que se via transmitir em algo universal e de efeitos revitalizadores à sociedade portuguesa da época. Por outras palavras, “Ordem Moral” é um dos poucos filmes que vem colmatar um enorme vazio de grandes protagonistas-femininas na nossa “indústria” (sob aspas porque ainda debatemos se realmente temos ou não), e o faz sobre a classe irreconhecível de Medeiros, que parece secar tudo à sua volta, até mesmo com João Pedro Mamede, que por vias da sua própria resistência, tenta aguentar a partilha de palco com a atriz.
Em destaque, ainda, está a atriz Júlia Palha (outro regresso à grande tela depois da revelação em “John From”, de João Nicolau) que funciona como uma espectadora dentro do próprio filme, assim como uma objetora de consciência. Porque no final, a consciência nasce, cresce e morre (esperemos que não) do próprio espectador, não cabe às personagens (essas figuras históricas) decidir o rumo ou a prescrição da nossa “moralidade”.