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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Curte a Curta: 2ª edição dos Prémios Curtas

Hugo Gomes, 10.04.24

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Fotografia.: Ricardo Fangueiro

Após o seu nascimento e os primeiros passos, chegou a tão aguardada segunda edição dos Prémios Curtas, que teve lugar no Cine-Turim no passado dia 6 de abril, num sábado à noite em Lisboa, cidade com "400 e tal coisas para fazer", como citou o anfitrião da cerimónia, Rui Alves de Sousa. Apesar disso, a sala estava praticamente cheia. Sentia-se no ar o ambiente de premiação, mas acima de tudo um espírito de camaradagem cinematográfica entre produtores, realizadores, atores e outros técnicos, todos ansiosos pelos títulos conquistados e pela promessa de uma terceira edição (provável, mas quem sabe). Aceitei o convite de André Marques (o "outro", não o realizador) em integrar uma equipa de jurados* ainda na sua génese, sempre com o intuito de contribuir e opinar para a formação de um júri de excelência e referência. Já no final da primeira edição e perante uma segunda edição à vista, voltei a aceitar o convite, quanto à terceira, ainda espero por um pedido oficializado. Contudo, saindo do parênteses e voltando ao que “aconteceu”, poderemos encarar a adesão e o falatório (principalmente o gerado na comunicação social) como sinais de estarmos no caminho certo.

Quanto à premiação propriamente dita, apesar de “Monte Clérigo” de Luís Campos ter sido o vencedor da categoria de Melhor Curta de Ficção, foi a animação de Maria Hespanha, “A Rapariga de Olhos Grandes e o Rapaz de Pernas Compridas" que se autointitula de grande vencedor da noite. Foram quatro os prémios atribuídos; Animação, Argumento, Direção Artística e Banda Sonora [Pedro Marques]. Seguido pela também animação “Ana Morphose” de João Rodrigues (Som / Efeitos sonoros e Efeitos Visuais), “Maria José Maria” de Chico Noras (Montagem e Caracterização), “Natureza Humana” de Mónica Lima (Realização e Direção de Fotografia [Faraz Fesharaki]) e “Febre de Maria João” de Afonso e Bernardo Rapazote (Ator Secundário para António Mortágua e Guarda Roupa). Já os restantes, foram para a atriz Teresa Sobral pela sua interpretação em “Sagrada Família” de Diogo S. Figueira, Isac Graça como Ator em “Heitor Sem Nome” de Vasco Saltão, Maria Leite como Atriz Secundária por “Abafador” de Silvana Torricella, Gabriel Pêra vence Interpretação Infantil por “Capa de Honras, La Cuonta de L Garotico I L Bielho” de Rui Falcão, e “Défilement” de Francisca Miranda como Curta Documental.

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Os premiados e os jurados / Fotografia.: Ricardo Fangueiro

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Fotografia.: Ricardo Fangueiro

*Bruno Gascon (realizador), Inês Sá Frias (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Bernardo Freire (crítico), André Pereira (videografo e editor de vídeo), Filipa Amaro (realizadora), Carolina Serranito (programadora), Hugo Azevedo (diretor de fotografia), Bruno Bizarro (compositor).

Prémios Curtas - 2ª Edição

Hugo Gomes, 05.04.24

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É já amanhã (05 de abril) que decorrerá a 2ª Cerimónia de entrega dos Prémios Curtas, Cine-Teatro Turim em Benfica (Lisboa), apresentado por Rui Alves de Sousa (jornalista e radialista da Antena 1) e com exibição de três curtas-metragens (“Azul” de Ágata de Pinho [o grande vencedor da edição passada]), “O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto”, de Bruno Caetano, “Fora de Jogo”, de José Freitas, “Comezainas”, de Mafalda Salgueiro e “As Feras”, de Paulo André Ferreira [vencedor do Prémio Curta de Melhor Atriz Secundária da 1ª edição]). Integrei o júri em conjunto com Bruno Gascon (realizador de “Carga”, “Sombra” e “Pátria”), Inês Sá Frias (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Bernardo Freire (crítico), André Pereira (videografo e editor de vídeo), Filipa Amaro (realizadora), Carolina Serranito (programadora), Hugo Azevedo (diretor de fotografia), Bruno Bizarro (compositor).

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Os nomeados poderão ser conferidos aqui.

Falando com Tomás Alves, de Salgueiro a Expatriado em "Pátria"

Hugo Gomes, 20.10.23

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Pátria (Bruno Gascon, 2023)

Vimo-lo pela primeira vez na grande tela, na releitura moderna do clássico literário de Camilo Castelo Branco - "Um Amor de Perdição" - hoje, ele pode ser considerado um protagonista em ascensão no cinema português, mas não foi há muito tempo que vestiu a farda e seguiu em direção à Liberdade ("25 de Abril Sempre!"), encarnando Salgueiro Maia em "O Implicado", um dos rostos da Revolução dos Cravos. Agora, como mártir revolucionário de uma distopia ditatorial nesta terceira longa-metragem de Bruno Gascon - "Pátria" - questionamo-nos se estamos perante um símbolo da rebelião.

Falamos de Tomás Alves, o ator que não se considera um agente político, mas que eventualmente tem dedicado esforços no seu percurso para tal. Conversamos sobre o seu novo projeto, aquele que, perante a ira contra uma milícia ao serviço do regime, assume-se como guerrilheiro de uma guerra de causas dignas, mas de vitórias lentas, e sobre a chegada de um eventual cinema que reage à espuma dos dias.

Com Salgueiro Maia ainda "fresco" na nossa mente, agora com "Pátria" em que se revolta contra uma distopia ditatorial, podemos dizer que Tomás Alves é um ator para revoluções e revoluções?

Podemos dizer que sim. O que poderá ter a ver com o facto de, na minha personalidade, não haver propriamente características de um revolucionário. Desde cedo ouvi dizer que o mais difícil é fazermos de nós próprios. Considero-me alguém muito pacífico e pouco dado a confrontos. Evito o conflito, sendo-me mais natural à procura do que leva às injustiças para as amenizar… embora sinta que algo, ultimamente, está a mudar um pouco. Influenciado pelas personagens ou simplesmente pelo meu crescimento pessoal, talvez esteja a sentir a necessidade de me envolver, talvez por estar mais atento, inquieto e sensível à injustiça.

Voltando a "O Implicado", em termos performativos, como foi o salto do filme de Sérgio Graciano para o de Bruno Gascon? Trouxe algo de Salgueiro Maia para esta sua nova personagem?

São personagens bastante diferentes, apesar de terem como denominador comum um grande sentido de justiça e a luta pelos direitos humanos. O Salgueiro’ foi sustentado pelas fontes históricas de onde bebi muita informação, que me guiaram e delinearam as linhas do meu trabalho. Algo mais minucioso e de construção. O Rocky foi mais baseado na imaginação, intuição e das referências, ainda que não o tenhamos vivido, que todos acabamos por ter, do que seria esta realidade distópica, tendo, por isso, mais liberdade para o construir. 

Devido a esta experiência, considera-se um ator político? Na sua opinião, o que faz um filme ser político? 

Não me considero nada uma pessoa atenta ou interventiva na política, no que se refere à forma como os partidos se movimentam, mas se considerarmos a política como o exercício de pensar e viver em sociedade, acredito que sou alguém sensível ao que se passa ao meu redor. E por isso acho que qualquer filme que nos ponha a pensar em direitos humanos, na forma como vivemos em comunidade e o espaço que nele ocupamos, pode ser encarado como um filme político. 

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Pátria (Bruno Gascon, 2023)

"Pátria" leva-nos de volta a um tipo de cinema que surgiu no pós-25 de Abril, um cinema militante e ativista da década de 70 (de repente, lembro-me de "Confederação" de Galvão-Teles ou "Os Demónios de Alcácer Quibir" de Fonseca e Costa). O facto de Gascon trazer até nós este cinema com um discurso e estética mais politizados é também um sinal de que estamos precisando dele (novamente)? Ou, de forma mais concisa e abrangente, "a História tende a repetir-se"?

Infelizmente a história é cíclica, e temos a tendência para apagar da memória o que já se viveu. Por isto, e estando quase a completar-se os 50 anos da conquista da democracia em Portugal, democracia esta que tem muitos aspectos delicados e que se tem afastado dos ideais originais, nunca é demais falar e refletir sobre o valor da liberdade, os direitos humanos, não só para avivar a memória, como para alertar para o perigo que representa a perda destes valores fundamentais.

Numa entrevista, considerou que a sua transição para o cinema foi determinada em parte pela sorte, visto que um dos seus primeiros papéis (se não o primeiro, se não estou enganado), foi como protagonista na obra de Mário Barroso - "Um Amor de Perdição" (2008). Quinze anos depois, mantém a mesma postura em relação à sua carreira?

Apesar do Simão Botelho ter sido a minha segunda experiência em cinema (a primeira foi o “Do outro lado do mundo”, de Leandro Ferreira, só estreado anos mais tarde) tive alguma sorte, no sentido em que foi por acaso, num encontro social, que soube, pela Catarina Wallenstein, do casting para o Mário Barroso, que já estava numa fase final e praticamente fechado. Essa casualidade, deu-me a oportunidade de ainda fazer o casting e ficar com o papel! Sempre me senti bafejado pela sorte, pela carreira que fui construindo e pelas oportunidades que me têm sido dadas. Mas, obviamente, manter uma carreira não depende só da sorte. Desde a minha primeira experiência em cinema, tendo vindo do teatro, ganhei plena consciência do meu lugar, enquanto pequena peça de uma engrenagem maior: o fazer parte de uma equipa, da máquina de fazer cinema.  Acredito que essa consciência e preocupação têm constituído um fator importante quando me escolhem para trabalhar. 

O que procura nos papéis que seleciona no seu percurso no cinema, o que difere deste universo em relação ao teatro enquanto ator?

Um ator em Portugal nem sempre tem grande espaço para ser muito seletivo na escolha dos papéis. Ou porque não há a quantidade desejável de projetos (o que considero estar a melhorar ultimamente), ou porque os valores do mercado não estão ao nível de outros países e há contas para pagar. Mas tendo em conta este pressuposto, procuro ir variando ao máximo o tipo de papéis, seja no cinema ou no teatro. Gosto muito de ir conhecendo vários universos e de aprender com as personagens. 

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Tomás Alves e Benedita Pereira na peça "Pulmão" de Duncan Macmillan

Quanto a novos projetos?

Estou neste momento a acabar a rodagem de um filme sobre outra personalidade da nossa história. Desta vez, alguém ligado ao futebol, ao jornalismo desportivo, aos correios e à espionagem, durante a segunda guerra mundial. Uma figura muito interessante que me obrigou, entre outras coisas, a engordar 12 quilos. Desafio pouco habitual por cá, devido aos timings das produções portuguesas.

Vou começar o próximo ano com alguns projetos de teatro, de que destaco, a partir de janeiro, a reposição do espectáculo “Pulmão" de Duncan Macmillan, com a Benedita Pereira, encenado pela Ana Nave, no Teatro Maria Matos.

Curtas, curtinhas, a origem: 1ª edição dos Prémios Curtas

Hugo Gomes, 13.03.23

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Os premiados e os jurados / Fotografia.: Ricardo Fangueiro

Foi através de uma curta que Portugal desbravou caminho em direção à Kodak Theater, a nomeação à tão cobiçada estatueta norte-americana automaticamente entrou para a História audiovisual do nosso país, e então porquê de estarmos constantemente a reduzi-los a "protótipos" de futuras longas-metragens?

André Marques teve um sonho, criar uma cerimónia de festividades, premiações e de comunhão a esse universo bem português, a resistência do Cinema na sua mais natural essência, a simples e de rápida dicção, a curta. Para isso juntou oito magníficos* e fundou um júri, aliciou e arrecadou apoios, e “convidou” a todos os participantes a inscrever o seu trabalho. A sua vontade fez com que o seu desejo se materializasse. No passado dia 10 de março, sexta-feira nervosa devido à nomeação de “Ice Merchants”, cujos Óscares seriam revelados no domingo seguinte (“será desta?” pensavam todos os que presentes), o Auditório Fernando Pessa em Lisboa encheu-se (deve-se sublinhar), para receber a primeira edição, modesta, ainda com o seu quê de improviso, muitas vezes ocultado graças ao malabarismo e carisma de Rui Alves de Sousa, radialista da Antena 1, que assumia o papel de anfitrião. Intercalado pela dita premiação e pela projeção de três curtas referentes aos três géneros-base (ficção, documentário e animação), a cerimónia ficou marcada pelas promessas do seu fundador, ambicionando seguintes edições em maior escala e a ambição de um “microfestival” em celebração daquilo que a curta-metragem tão bem representa - o Cinema, aqui e agora.   

Quanto à premiação, a noite consagrou “Azul” de Ágata de Pinho com cinco prémios, no qual incluem as categorias de Curta de Ficção, Realização, Argumento, Atriz (também Pinho) e Fotografia (assinado por Leonor Teles). “O Homem do Lixo” de Laura Gonçalves arrecada três distinções (Curta de Animação, Curta Documental, Banda-Sonora), igualando com “Punkada” de Gonçalo Barata Ferreira (Montagem, Caracterização, Guarda-Roupa). Os outros prémios; Vítor Norte recebe o de Melhor Ator (“O Caso Coutinho” de Luís Alves), Nuno Nolasco como Ator Secundário (“Tornar-se um Homem na Idade Média” de Pedro Neves Marques), Rita Tristão na categoria de Atriz Secundária (“As Feras” de Paulo André Ferreira), Rodrigo Manaia em Interpretação Infantil (“By Flavio” de Pedro Cabeleira), e ainda a animação “Garrano” de David Doutel e Vasco Sá no campo dos Som / Efeitos Sonoros juntamente com a ‘dobradinha’ de “2020: Odisseia no 3.º Esquerdo” de Ricardo Leite (Direção Artística, Efeitos Visuais).

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Rui Alves Sousa e eu / Foto.: Ricardo Fangueiro

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Vítor Norte brama ao Cinema após vencer o Prémio de Ator / Foto.: Ricardo Fangueiro

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André Marques, fundador do evento, discursa / Foto.: Ricardo Fangueiro

*Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger do Hoje Vi(Vi) um Filme), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico e fundador do Fio Condutor) e André Pereira (videografo e editor de vídeo da Renascença).

Prémios Curtas - 1ª Edição

Hugo Gomes, 07.03.23

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Na próxima sexta-feira (10 de março) irá decorrer a 1ª Cerimónia de entrega dos Prémios Curtas, Auditório Fernando Pessa (Lisboa), apresentado por Rui Alves de Sousa (jornalista e radialista da Antena 1) e com exibição de três curtas-metragens (“Glória de Fazer Cinema em Portugal” de Manuel Mozos, “Arena” de João Salaviza e a animação “Nestor” de João Gonzalez [o mesmo de “Ice Merchants”, nomeado ao Óscar]). Integrei o júri em conjunto com Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico) e André Pereira (videografo e editor de vídeo). 

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Os nomeados poderão ser conferidos aqui.

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Ana Moreira: "o ICA está construído como um sistema bastante patriarcal"

Hugo Gomes, 13.10.21

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Sombra (Bruno Gascon, 2021)

Em tempos de paz, os filhos enterram os pais. Em tempos de guerra, os pais enterram os filhos”: conhecemos Isabel desta forma desconcertante. Uma mulher presa ao vazio gerado pela sua vida, mas acima de tudo, uma mãe desesperada, aguardando que o seu filho chegue um dia a casa, nem que seja a sua sombra ou que resta dela.

Ana Moreira é essa figura depenada, de luto adiado, num filme chamado "Sombra" que se aproxima de uma história real, o do desaparecimento sem deixar rasto de Rui Pedro, com 11 anos, em 1998, e de uma mãe inquieta, Filomena Teixeira, condenada a viver entre manchetes e suposições. Bruno Gascon, realizador habituado às causas, presta homenagem a estas mães com a sua segunda longa-metragem, que é tanto um drama como um "thriller" e um ensaio psicanalista da dor das dores.

Numa conversa que mostra que não é de interpretações que é feito o seu cinema, falei com a atriz que prestou corpo a um martírio e se tornou uma figura incontornável da nossa cinematografia desde que nos conquistou há 23 anos com “Os Mutantes”, de Teresa Villaverde.

Começo a conversa por lhe perguntar como entrou para este projeto.

Aconteceu por convite do próprio Bruno Gascon e da produtora Joana Domingues. Estavam interessados numa possibilidade de convocar-me para este papel, o da Isabel. Li o guião e automaticamente achei o projeto interessante. É uma história ligada à nossa memória coletiva, que ainda recordamos e a que estamos intimamente ligados. Encontrei-me com o Gascon, que explicou... bem devagarinho para não me assustar [risos]... do porquê de querer contar esta história e agora, e sobre a minha personagem, que me foi apresentada aos poucos, assim como o guião. Rapidamente percebi que iria ser uma viagem complexa, emocionalmente difícil e exigente. Ao ler o guião - tendo a perceção do quão bem escrito estava - fiquei, de alguma maneira, atraída por esta história.

Considera-se uma atriz de método?

Não me considero, até porque não estudei artes dramáticas, por isso, nunca passei... como dizer... por uma escola de teatro ou de atores. Tenho 20 anos de carreira, interpretei diversos papéis e, inclusive, fui protagonista diversas vezes. O meu método é singular, foi construído através da experiência, da prática, extraindo conhecimento do simples ato de fazer.

Perguntei isso porque gostaria de saber como trabalhou psicologicamente e emocionalmente uma personagem como esta, que lida constantemente com o vazio da sua perda e que, ao mesmo tempo, resiste a esse abalo.

São vários elementos que se vão reunindo durante o processo. Alguns deles através do guião, através de ideias, como também houve encontros com mães de crianças desaparecidas, em que tive oportunidade de ouvir as suas histórias, de uma maneira mais íntima, partilhando as suas “viagens” e aquilo que elas sentiam. E isso foi muito importante para a construção da minha personagem. Saliento que tive um encontro com a Filomena Teixeira, mãe do Rui Pedro, que talvez seja a inspiração maior para este filme, e esse contacto foi muito especial, o de conhecer verdadeiramente esta mulher com uma história de vida tão incrível, cruel e brutal. Ela serviu como elemento crucial para a minha personagem. O resto foi interpretação.

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Sombra (Bruno Gascon, 2021)

Será inevitável não pensar no caso do Rui Pedro ao ver “Sombra”.

Sim, mas ao mesmo tempo não deixa de ser uma ficção. Apesar de existir aqui uma grande responsabilidade, não senti a necessidade de me “colar” à pessoa que é a Filomena ou outra que passou por igual experiência. Por isso também damos muito aquilo que nós somos, aquilo que podemos entregar à personagem. É um processo de imaginação e criação que fazemos à mesma.

A Ana Moreira é uma das atriz mais reconhecíveis do cinema português, tendo colaborações com realizadores distintos e bastantes expressivos como, obviamente, Teresa Villaverde, Miguel Gomes, Eugéne Green, Jorge Cramez e Margarida Gil. O que leva a escolher com quem trabalhar? Quais são os seus parâmetros de seleção?

O projeto tem que reunir várias condições para provocar interesse e vontade de querer colaborar com certos realizadores em determinados filmes. Não têm que ser todos [papéis] protagonistas, mas passa pela pertinência da história, da personagem, pelo elenco que nos vai rodear, pela equipa, são vários fatores que se conjugam e nos ajudam a selecionar certos projetos. Por vezes, atiramo-nos sem saber, no caso do Bruno [Gascon], nós não nos conhecíamos. Ele estava ciente do meu trabalho e eu só tinha visto o “Carga”, que é, no fundo, a sua primeira longa-metragem. Nesse sentido são importantes os primeiros encontros para criar empatias, perceber se as pessoas encaixam e entender se os projetos são desafiantes ou não.

Já aconteceu não sentir empatia com um realizador ao ponto de não aceitar o papel?

Já. Várias vezes. Mas não é o de sentir desagrado, mas perceber que aquela personagem não era para mim ou de não ser a pessoa certa para interpretá-la, mesmo que o realizador esteja interessado. Por vezes, sentimos que não há conexão de alguma maneira, e entendemos que se aceitarmos ou tentarmos forçar o trabalho de alguma maneira, não irá correr bem. Aí sinto que estou a fazer perder tempo, ao realizador, ao projeto e a mim. Por isso, não é benéfico para todos.

Deixando um pouco a Ana Moreira, a atriz, gostaria que me falasse da Ana Moreira, a realizadora. Neste momento, com duas curtas [“Aquaparque”, “Cassandra Bitter Tongue”] e uma colaboração no coletivo “Contágio”, também aproveitou experiências alheias?

Após vários anos de trabalho com diversos e diferentes realizadores, todos com maneiras de filmar e de escrita para cinema, é inevitável que a experiência adquirida ao ler tantas propostas diferentes de fazer e escrever cinema tenha sido apropriada de alguma maneira. Mas tal não impede de construir a minha própria linguagem. Essa formação motivada pela experiência (e muito especial, aquela adquirida em rodagem, não restringindo-se somente à teoria, e sim, para entendermos a prática de cinema - a teoria de cinema é tão diferente da sua prática) é muito importante, e como tal levo isso para os meus próprios projetos.

Quando poderemos ver a Ana Moreira como autora de uma longa-metragem?

Estou a trabalhar nesse sentido. Tive o apoio do ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual] para escrita e concretização de longas e vou começar para o ano a desenvolver esse projeto.

Mas de onde e em que momento surgiu essa vontade de se aventurar na realização?

Acho que esta vontade, de alguma maneira, esteve sempre em mim. Como havia dito, não estudei artes dramáticas, mas estudei arte e estive alguns anos no Ar.Co. O cinema e o teatro surgiram em paralelo, levando-me a parar os estudos, que foram retomados algum tempo depois. Por fim, fiz um mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas na Faculdade de Belas Artes no Porto. Por isso, de certa maneira, a minha vontade sempre esteve mais ligada à criação, suscitada e motivada após anos de trabalho como intérprete, tendo reunido as condições apropriadas para realmente avançar.

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Os Mutantes (Teresa Villaverde, 1998)

No papel de realizadora, o que acredita faltar ao cinema português, ou caindo no cliché - “o que é que o público deseja encontrar no seu cinema?"

Em especial agora, depois da pandemia, tive contacto em vários festivais de cinema com trabalhos de alguns realizadores emergentes que estão simplesmente a fazer o trabalho deles. Ou seja, a fazer cinema. Aí noto uma necessidade de [contar] histórias novas, mais contemporâneas, atuais, desviando-se do nosso cinema ainda agarrado “ao antigamente”. Estão a aparecer realizadores bastante interessantes que estão a contar histórias que, de alguma maneira, estão mais próximas de nós.

Pode nomear alguns desses “realizadores emergentes”?

David Vicente Pinheiro, João Salaviza, Diogo Baldaia, Leonor Noivo, Salomé Lamas. Ou seja, está a fervilhar um novo cinema português.

Mas em Portugal continuamos a ter realizadores que estão anos e anos no formato da curta-metragem, enquanto outros, como Leonor Teles [“A Balada dos Batráquios”] regressam ao ponto de origem após fazerem uma longa [“Terra Franca”].

Pois, podemos falar de outra coisa, que é a questão das mulheres no documentário. Houve aí uma fase em que se “admirou” que as mulheres ocupassem "um grande espaço no documentário português”, mas creio que isso se prende com um aspeto mais depreciativo. É muito difícil uma realizadora conseguir apoio para primeiras longas-metragens porque o ICA está construído como um sistema bastante patriarcal, os júris são maioritariamente constituído por homens. Ou seja, isso faz com que, de alguma maneira, outras narrativas, principalmente as construídas por mulheres, dificilmente sejam validadas por estes júris. Por isso é que para uma mulher é muito mais fácil concretizar uma curta ou uma longa documental do que uma longa-metragem ficcional.

Nesse caso, visto que trabalhou com Teresa Villaverde em três filmes, como é que ela conseguiu vingar-se num mundo dominado por homens?

A Teresa conseguiu através de muito esforço e trabalho. Aliás, não foi só ela, mas também muitas outras mulheres da sua geração, como é o caso da Margarida Gil ou de Margarida Cardoso, que ocuparam uma lacuna, um espaço, e acima de tudo mantiveram-no até aos dias de hoje. A vinda do digital permitiu que muitas realizadoras, como também realizadores, pudessem iniciar os seus caminhos sem estar verdadeiramente dependentes do financiamento do ICA. O resultado é esta nova colheita de realizadoras, e posso dar-lhe um exemplo, Marta Sousa Ribeiro, do “Simão Chama”, que foi premiado no último IndieLisboa. Apesar de tudo, está-se a abrir um espaço, mas ainda há muito caminho a percorrer.

Carga fora!

Hugo Gomes, 08.11.18

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Esperamos ouvir falar futuramente mais do estreante Bruno Gascon, até porque em “Carga” existe uma garra, um amor à técnica visual e sonora e sobretudo a aptidão para construir um espetáculo de cinema, sublinhando, em recurso português. Porém, é neste mesmo primeiro trabalho que é revelada a sua grande fraqueza, a dependência para com o tema, e não só, pelo “suco” extraído do mesmo, sob um tom pedagógico e meramente descritivo.

Da mente deste vosso escriba surge automaticamente “Traffic” (2000), de forma a especificar como uma temática (no caso da obra de Steven Soderbergh a “patologia humana” era o narcotráfico) é encarada como combustão para um desfragmentado filme-mosaico (pelo menos a proposta é tentada). Gascon entra nas redes de tráfico humano para se lançar na deriva do “choque” atmosférico, em prol de uma fotografia esgalhada por parte de Jp Caldeano, ou de uma técnica por vezes subtil e com rasgos de primor (a destacar o plano-sequência do suicídio).

Mas é nesse mesmo “cast away” que o jovem realizador se perde, as personagens são esquemáticas servindo como protótipos de “exemplos dados às criancinhas”, a banda sonora marca uma omnipresença alarmante e todo o enredo remexe em habituais cantos do senso comum do espectador referente à abordagem. Por cada prova de ambição, Carga se escurece nos modelos mainstream e na demasiada sobreliterarização do panfleto, enquanto que o elenco ou cai na mouche (Michalina Olszanska, Duarte Grilo e Miguel Borges) ou persistes nos personagens-tipos do nosso universo cinematográfico (Vítor Norte, Rita Blanco, Dmitry Bogomolov).

Assim, direto e a frio, escusamos de torturar-nos com experiências - Portugal não tem uma indústria cinematográfica – mas se futuramente existir qualquer indício do mesmo, possivelmente encontraremos mais dessa tendência em maçaricos como Justin Amorim (“Leviano”) ou em Bruno Gascon, do que em “veteranos” deste jogo como Leonel Vieira. Esperemos que sim, não cedendo às “palmadinhas nas costas” e às aclamações de um “bom trabalho”, mas o de “vamos estar atentos”. “Carga” falha, porém, que venham mais falhas como estas no nosso panorama.