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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Nora Aunor (1953 - 2025)

Hugo Gomes, 14.05.25

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Thy Womb (2012), filme de Brillante Ma Mendoza, o último antes de cair por aí abaixo no miserabilismo ou nos dutertenismos, praticamente inédito em Portugal, salvo uma apresentação no IndieLisboa de 2013. Obra sobre fertilidades que respira como poucas; a vida, abundante, mesmo que apenas no vasto mar filipino, e Nora Aunor, parteira de ocasião, mulher de ventre seco, é a Gaia dessa harmonicidade.

Da sua expressividade à imponência da figura, nega o trágico da própria tragédia, altruísta, com o dever cravado em trazer vida a este mundo. Para além da naturalidade revelada nesse filme, voltaria a trabalhar com Mendoza no cataclismo porno-miséria de “Taklub” (2015).

Diz-se que era uma superestrela nas Filipinas, mas, pelo que vi em “Thy Womb”, foi uma deusa por instantes. Deixo a última minha vénia!

Há Tempo para degustar o Cinema! Arranca o 4º Close-Up, Observatório de Cinema de Famalicão

Hugo Gomes, 10.10.19

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Les Yeux sans Visage (George Franju, 1960)

O Tempo destrói tudo, isso é mais que sabido, mas ele também constrói. Constrói uma perspetiva, uma noção e acima de tudo a História. Neste caso a História do Cinema, que é novamente revisitada no CLOSE-UP – Observatório de Cinema, neste seu quarto episódio, como é habitual, a ter lugar na Casa das Artes de Famalicão, entre os dias 12 a 19 de outubro.

Novamente, uma programação recheada de filmes, concertos, temáticas, round tables e muitos convidados naquela que já é a mais respeitada comunhão de cinefilia do país. E voltando ao Tempo, a História do Cinema que é constante revista, CLOSE-UP contará como prato principal dois acompanhamentos musicais a dois dos grandes clássicos do cinema russo; o sempre incontornável “Battleship Potemkin” / “O Couraçado Potemkin”, de Sergei Eisenstein, com a Orquestra de Jazz de Matosinhos a condizer, e o aclamado filme de Boris Barnet, “The House on Trubnaya Square” / “A Casa na Praça Trubnaya”, onde os Mão Morta assumem uma original banda-sonora. Já nas sessões especiais, a História do Cinema pelos olhos delirantes de Quentin Tarantino, “Once Upon a Time... in Hollywood”, e a antestreia da mais recente obra do filipino Brillante Mendoza, que volta a debruçar-se pela teias criminosas e marginais de Manila em “Alpha: The Right to Kill”.

A fortalecer a temática do Tempo, ainda temos o historial condensado num folhetim imagético em “Le livre d'image”, do sempre intemporal Jean-Luc Godard, ou do tempo enquanto dispositivo manipulável em “John McEnroe: O Domínio da Perfeição” / “L'empire de la perfection”, de Julien Faraut. A Lenda e o Contemporâneo do atual Cinema Francês, dois pontos de partida para uma das secções fundamentais desta anual mostra cinematográfica – Histórias de Cinema – que nos brinda com um Passeio pelo Cinema Francês com dois protagonistas: Agnès Varda e Jean-Luc Godard.

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Halito Azul (Rodrigo Areias, 2018)

Aí, para além dos filmes da cineasta que apaixonou gerações pela sua criatividade e dinamismo e o realizador que continua a fomentar cinefilias, passearemos por alguns dos clássicos ante-Nouvelle Vague de uma das cinematografias mais fortes a nível internacional. Será o brilhante “Les Yeux sans Visage”, de George Franju, ou a viagem pela metrópole americana em “Deux hommes dans Manhattan”, de Melville, ainda as histórias trágicas e tragicómicas de “Le Plaisir”, de Max Ophuls, e até mesmo um dos mais belos casamentos de imagem e música de “Ascenseur pour l'échafaud”, de Louis Malle, a fazer as delícias dos amantes de cinema? A resposta é sim.

Na também habitual Fantasia Lusitana, espaço dedicado aos ascendentes protagonistas do cinema português, conheceremos (ou revisitarmos) o trabalho de Eduardo Brito, realizador, argumentista e fotógrafo, descrito pelo seu olhar perfeccionista e dedicado aos enquadramentos. Aqui deparamos com uma seleção de curtas da sua autoria, incluindo a estreia de Úrsula, como também vídeos experimentais, videoclipes e ainda uma longa-metragem escrita pelo próprio com a realização de Rodrigo AreiasHálito Azul”.

O cinema terror também terá o seu tempo de antena, ao integrar o espaço de Cinema do Mundo, este ano centrado no género profundo (“Mandy”, “The Love Witch” e “It Comes at Night”, compõem o trio de sessões que explicita o terror e o medo na América). Além disso, o CLOSE-UP contará ainda com sessões dedicadas às escolas e de família, com as exibições de “Toy Story 4” e “The Lion King”, como ainda tempo exclusivo para o legado de João César Monteiro, onde serão mostradas algumas das suas curtas como ainda lidas os seus poemas. Para a cadência das suas palavras, Isaque Ferreira será o responsável pela leitura.

Brillante Mendoza “pariu” um belo e naturalista filme

Hugo Gomes, 01.05.14

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“Thy Womb” (“Sinapupunan”) apresenta uma narrativa simples e carregada de significados, onde a realidade se funde com a ficção através de um cinema de eventualidades. O filme, de Brillante Mendoza (“Lola”, “Kinatay”), centra-se na história de Shaleha – interpretada pela expressiva Nora Aunor –, uma mulher infértil que, paradoxalmente, exerce o trabalho de parteira numa povoação pesqueira da província muçulmana de Tawi-Tawi, Filipinas. Num contexto onde o seu marido, Bangas-Na (Bembol Roco), anseia por ser pai, a procura de uma nova esposa constitui a única solução, revelando as contradições entre os papeis sociais e as tradições culturais.

A obra caracteriza-se pela união orgânica entre a ficção e o documentário. Mendoza aposta num cinema de improvisos, onde a câmara – por vezes intrusiva, mas sempre expressiva – capta momentos autênticos e imprevisíveis que emergem do acaso durante a rodagem. Esta abordagem natural transforma o enredo, que funciona quase como um ensaio para a captura das sequências, numa celebração da espontaneidade e da realidade, afastando-se dos artifícios narrativos convencionais.

Um dos elementos mais marcantes é o círculo narrativo que estrutura o filme, iniciando e terminando com duas surpreendentes cenas de partos reais. Estas imagens, que exaltam a dádiva da vida, criam uma ironia subjacente à figura de Shaleha – parteira infértil – e realçam os dilemas sociais e culturais da comunidade filipina. As cenas, longe de terem sido programadas, revelam uma estética que celebra a interligação entre Homem, Natureza e Fé, convidando o espectador a uma reflexão profunda sobre os papeis e propósitos das suas personagens.

Em suma, “Thy Womb" é um filme harmonioso, instintivo e anti-Hollywood, que se desvela através de uma estética de imprevistos e autenticidade. Mendoza transforma o simples em extraordinário, aproveitando as oportunidades que surgem naturalmente para criar um quadro vivo da cultura filipina, onde a realidade se converte na própria ficção e o inesperado enriquece a experiência cinematográfica.