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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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A Espuma dos (outros) Dias

Hugo Gomes, 06.01.14

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Um dos “fundamentalistas” do movimento surrealista, como também na anarquia como manifestação política, Boris Vian (1920 – 1959) sempre apresentou nas suas inúmeras obras um mundo próprio algures entre a desordem social, o puro onírico e a metáfora no seu estado mais cristalino e poético. Entre os seus escritos encontramos a aclamada obra-prima denominada de “L’Écume des Jours” (“A Espuma dos Dias”), que aqui, nas mãos de Michel Gondry é um autêntico “pernas para o ar” da comédia romântica modelar.

O realizador não é um completo estranho nestas incursões alternativas ao romance, basta apenas referenciar o seu singular “Eternal Sunshine of the Spotless Mind” (2004) escrito pelo criativo Charlie Kaufman, para entender e distinguir a sua hábil excentricidade visual, associado pelo gosto pelo bizarro e a iniciativa da diferença. Agora, Gondry cita Boris Vian como um incomparável substituto ao génio de Kaufman, dois universos que possuíam todas as características e mais algumas para que quimicamente se tornassem numa só, mas, infelizmente, este “A Espuma dos Dias” não proporciona o sonho realizado, existindo algo que os impede de realmente conjugar. Que problemas são esses realmente?

A obra “A Espuma dos Dias” [o livro] é uma inserção de ideais, filosofias e até vivências do próprio Boris Vian, matéria profunda e de reflexão que é adaptada por Gondry da forma mais visualmente possível. Ele é, sim, um autor que trabalha com o estético, com a manipulação das imagens, transformando o peso das ideias de Vian em meras fantasias da suposta influência da vanguarda francesa, que contraria, sem com isso reverter narrativas, a fórmula dos romances mainstream. É por essas e por outras que “A Espuma dos Dias” de Gondry soa-nos a plástico, demasiado forçado ao seu propósito, seguir na fidelidade daquela materialização e concretizá-la de maneira perceptível, de forma a integrar uma produção para todos os paladares. A imaginação “borisviana” dificilmente flui nesta sua narrativa.

Não que com isso afirme que a obra seja nula no seu esforço. Existem alguns pormenores dignificantes na relação do realizador com o autor surrealista. A fotografia e a transformação dos cenários em prol dos sentimentos das personagens, uma espécie de expressionismo em condimento com o impressionismo, parece resultar ocasionalmente nessa tradução algo “leiga”. Para além disso, Gondry convida os seus atores a integrar um burlesco quadro pintado, ideias emprestadas, mas demonstradas pelos seus “pincéis”.