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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Qual é a sensação de morrer?"

Hugo Gomes, 28.02.25

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Num vaivém pelos cantos prazerosos de Hollywood, Bong Joon-ho, após ser condecorado com o Óscar, regressa a uma estância há muito apetecida: a ficção científica, a distopia e aos seus “monstros” – sejam eles de feições grotescas ou de “faces” humanas, e determina esses elementos em cadência na adaptação do livro de Edward Ashton. Por isso, não vamos mentir: havia alguma expectativa em torno deste novo gesto do realizador de “Parasite”, até porque a sua contribuição sociológica surge com uma coincidência diabólica para o mundo em transformação que presenciamos.

Também palco para Robert Pattinson, já habituado às andanças espaciais [“High Life”], mostrar a sua versatilidade, tendo no papel do “descartável" Mickey Barnes o seu exercício performativo tragicómico e por vezes com queda para contido slapstick. Perseguido por um implacável agiota, candidata-se a uma expedição de colonialismo espacial - liderada por um político falhado, populista e desprovido de qualquer noção de estadismo (um cruzamento bizarro entre Trump, Musk e Oprah) vivido por um dentudo Mark Ruffalo - como passaporte de fuga à sua eventual destino. Para tal, Mickey inscreve-se para esse tal cargo - descartáveis. Ou melhor, sacrifícios humanos, literalmente “carne para canhão" nos primeiros passos da humanidade em territórios interespaciais desconhecidos. Para isso, cedem corpo e mente a uma impressora humana que, após cada morte, os recria, perpetuando um ciclo mórbido e absurdo. 

Devido a essa sua voluntária condição, Mickey é encarado como um sub-humano a bordo da nave, um pedaço de carne reciclada, constantemente questionado pelos curiosos – "Qual é a sensação de morrer?". Sem nenhum desígnio de vida para além de manter-se longe do cobrador e vivo pós-morte, algo em Mickey encontra na relação com Nasha (Naomi Ackie), uma das responsáveis pela segurança da missão, num apoio, quem sabe, a um futuro alcançável. O filme arranca sob a perspectiva da cópia 17, a tal que dá título, só que a sua morte não acontece como havia sido esperado e devido a isso, este ser recalcado adquire um estranho apreço à vida – ou o que resta dela –, e o medo da morte, numa dança epifânica para com o existencialismo.

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Dito assim, parece uma ficção científica entusiasmada, com os louros habituais que Bong Joon-ho coloca nos cabeçalhos: a eterna luta de classes, agora envolta num neo-colonialismo com um humanismo valorizadamente ingénuo. De um lado, temos um cinema político disfarçado de grande produção; do outro, um entretenimento descaradamente político, e mais: quando nos preparamos para uma Hollywood MAGA-friendly, o sul-coreano viu aqui a oportunidade de refletir uma sociedade americana vendida à política messiânica, teatralizada e belicista. Mas, para isso, torturou a narrativa, desorientou-a, trocou-lhe as voltas, violentou-a no aristotélico, até restar apenas uma sensação arrastada e tardia. O seu tom existencialista é infantilizado, simplificado, higienizado ao ponto de adequar à estratégia mercantilizada da produção - não podemos esquecer que Joon-ho está aqui a trabalhar para os norte-americano, e as majors abraçaram intensamente o algorítmico processo de “dumb down” (parafraseando James Mangold)

“Snowpiercer”, “Okja ou “The Host”: a trindade à qual “Mickey 17” se aproxima, só que de menor fôlego. Cansado do seu circuito de mortes experimentais, recita letra gasta sem o primor de outrora. Porém, mesmo fracassando, talvez tenhamos à nossa frente um último dos supra-dispensiosos filmes politizados de uma Hollywood pré-Trump 2.0 (a produção de Brad Pitt também tem os seus feitos).

Com isto resta apenas a pergunta: "Qual é a sensação de morrer?" Fica para a audiência …

Ciclo Bong Joon-ho, um território à parte

Hugo Gomes, 28.07.21

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Em Portugal, os cinéfilos atentos que viram “Memories of Murder” (2003) durante a expansão do cinema sul-coreano no ocidente nos início da década de 2000, puderam constatar nesse filme um dos grandes trunfos dessa mesma indústria e da sua, na altura, nova vaga – “a surpresa é a arte do argumento”.

Curiosamente, tal agilidade seguiu de um argumentista convicto - Bong Joon-ho - que nesse mesmo espaço era visto como mais um nome, possivelmente à sombra de outros mais sonantes como Chan Wook Park, Kim Ki Duk ou Kim Jee-Woon. Mas com o tempo, o filme ganharia o seu espaço e a sua legião de adeptos fora da Coreia do Sul, incluindo Quentin Tarantino.

Hoje, com quatro Óscares conquistados e uma Palma de Ouro, Bong Joon-ho é uma figura-chave da atual indústria cinematográfica, erradamente encarado como fruto do sucesso global de “Parasites” (2019). Porém, a sua escalada não surgiu “ontem”, desde o seu trabalho como guionista emprestado até à revelação da sua primeira longa-metragem, “Barking Dogs Never Bites” (2000), que ostentava os elementos que o acompanhariam neste seu percurso à ribalta.

Após o sucesso conquistado pelas “Memoirs of a Murder”, Bong Joon-ho emprestou-se às bestialidades em contextos político-sociais com “The Host: A Criatura” (sucesso ainda maior - 2006), novamente maravilhando Tarantino, que não teve mãos a medir e o divulgou incansavelmente.

Conquistada a posição, o realizador operou com outros cineastas bem característicos - Michel Gondry e Leos Carax - na antologia “Tokyo!” (2008), antes de se aventurar por emancipações como “Mother: Uma Força Única” (2009) e as suas experiências em inglês com o distópico “Snowpiercer” (2013) e “Okja” (2017), este último da Netflix e controversamente integrado na Competição Oficial do Festival de Cannes desse ano.

Sociólogo graduado, é comum o realizador enfeitiçar-se por “monstros”, seja pela real denominação, seja por serial-killers, megalomaníacos ou simplesmente aristocratas, para depois os utilizar como iscos para os seus derradeiros confrontos entre classes. De forma a manter Bong Joon-ho como um território à parte e particular, a Alambique, em conjunto com a Films4You, arrancam com um ciclo que melhor reúne os gestos autorais de um dos grandes da Coreia do Sul (e não só).

 

“Barking Dog Never Bites” (2000)

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Exibido em festivais como San Sebastian, Slamdance ou Varsóvia, esta história de uma jovem mal amparada que procura um assassino de cães revela alguns dos elementos-chave do cinema de Bong Joon-Ho, principalmente na questão da diferença entre classes, aqui representada pelo tratamento “humano” de alguns cães e a “desumanidade” vinculada em alguns humanos. O realizador esperava com este cruzamento entre thriller e comédia de enganos um sucesso global, mas infelizmente o filme obteve um lançamento limitado, levando-o ao fracasso. Porém, isso não impediu que fosse resgatado e venerado.

 

“Memories of Murder” (2003)

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Baseado no primeiro serial-killer sul-coreano [nos anos 1980], “Memories of Murder” (“Memórias de um Assassino”) tornou-se a consagração do realizador e o filme que aperfeiçoou o tom dicotómico do seu cinema. É um policial “à moda antiga”, de investigações, interrogatórios, suspeitas, ciências forenses, onde os detetives são seres desesperados e ambíguos que anseiam o alívio de um caso encerrado, custe que custar, e o assassino nunca é a derradeira resolução do dispositivo “whodunit”. Bong Joon-ho admitiu ter efetuado um duro trabalho de pesquisa que se prolongou por mais de seis meses - nesse tempo não conseguiu escrever nem uma frase no guião. Um dos seus obstáculos criativos era o de não encontrar um tom e abordagem certos, e para tal inspirou-se na peça de teatro de Kim Kwang-rimCome to See me”, que também remexe nas memórias deste mediático caso. Tornou-se o filme que marcou o início da sua cumplicidade com o ator Song Kang-ho.

 

“Mother” (2009)

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Possivelmente o seu trabalho mais coerente em termos de tom. Thriller negro de uma progenitora que tudo faz para provar a inocência do seu filho, após este ser acusado de assassinar uma jovem. Bong Joon-ho apimenta a narrativa com sugestões edipianas e desafia as convenções da moralidade na pele de uma formidável Kim Hye-ja. Estreou-se na secção Un Certain Regard de Cannes e recolheu tímidos elogios, visto que esta foi a obra que sucedeu o êxito de “The Host”, que ao contrário de “Mother” exibia o seu habitual cocktail de géneros.

 

“Snowpiercer” (2013)

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Através da novela gráfica “Le Transperceneige" de Jean-Marc Rochette e Jacques Loeb, Bong Joon-ho incute o seu tema recorrente – a luta entre classes – num futuro distópico com veias de Aldous Huxley e de George Orwell. Trata-se da sua primeira produção falada em inglês (o realizador interessou-se na sua adaptação desde a pré-produção de “The Host”), contando com um elenco internacional que vai desde Chris Evans, Tilda Swinton, John Hurt, Ed Harris e como não poderia faltar, o seu ator-fetiche Song Kang-ho. É sabido que Bong Joon-ho teve alguns conflitos com o produtor Harvey Weinstein, que, segundo consta, pretendia uma versão mais frenética para o público americano. “Snowpiercer” é ficção científica delirante, violenta e reflexiva para com o valor do estatuto social e do individualismo versus o futuro da Humanidade, onde o realizador dispõe de todas as ferramentas necessárias para a salvar e mesmo assim prefere não o fazer. Culto garantido!

 

“Parasite” (Versão P&B, 2019)

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Muita tinta correu para abordar “Parasitas”, obra multi-galardoada que se tornou o primeiro filme de língua não-inglesa a conquistar o Óscar de Melhor Filme. A partir daqui adivinha-se portas abertas a toda uma diversidade de cinema e culturas para estes prémios tão americanizados. Todavia, voltando ao filme, este é possivelmente dos seus trabalhos mais complexos em termos de escrita, em que camadas sob camadas parece alterar consoante a perspetiva do espectador. Há quem encontre nesta intriga de uma família fura-vidas que se infiltram no seio de aristocratas como um drama intenso e social e outros uma comédia negra e ácida. Para além de ser o filme que converteu Bong Joon-ho numa estrela mundial, foi também a obra que posicionou o seu parceiro e ator Song Kang-ho em pé de igualdade.

Os Melhores Filmes de 2019, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 02.01.20

O ano 2019 foi marcado por uma disputa mais renhida entre a distribuição tradicional e os lançamentos de streaming. Nesse último ponto, dando o exemplo da megalómana plataforma Netflix, houve uma forte aposta nos autores que se encontravam (devido a questões criativas, orçamentais e até logísticas) ausentes nas majors hollywoodescas como é o caso de Martin Scorsese e o seu épico gangster The Irishman ou o intimismo de Marriage Story, um dos melhores trabalhos do nova-iorquino Noah Baumbach. Enquanto isso, o cinema fora EUA continua a dar as suas cartas em relação a histórias universais e motivadoras para estas gerações de sofá. E mais uma vez … o cinema português lidera o pódio deste estaminé.

 

#10) Leto

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Sem romances escandalosos, as biografias de cantores de rock seriam inúteis", ouve-se a certa altura nesta não convencional cinebiografia sobre a criação da banda de rock soviético Kino. Do dissidente russo Kiril Serebrennikov, eis um filme intrinsecamente poético (são bandas de Leninegrado que tocam rock que não é rock, mas que pretende ser rock) e expostamente revoltado sobre a resistência jovial e punk perante uma ideologia em queda no gradual contacto com o acidente. Ler crítica

 

#09) Marriage Story

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Embora ele o negue, há quem diga que Noah Baumbach se baseou no seu processo de divórcio para este filme emocionalmente cortante sobre o desgaste amoroso e as eternas batalhas judiciais e sentimentais de uma separação. Desempenhos impactantes e cuidadosamente explosivos fazem deste drama (e produção Netflix) um dos mais certeiros filmes sobre o tema do divórcio no panorama norte-americano, onde a distância é, por si, um alvo de foco. Ler crítica

 

#08) Joker

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Uma génesis anti-canónica embrulhada em maneirismos e referências do cinema de Scorsese. Um fenomenal Joaquin Phoenix e Todd Phillips compõem uma obra cruel que dialoga com a atualidade, dos movimentos populistas até à marginalização das minorias e dos incapacitados numa sociedade que cada vez mais os despreza. Um filme ambíguo que nos faz temer pela sua capacidade e recusa de empatia. Uma das mais interessantes e sólidas incursões do cinema de super-heróis. Ler crítica

 

#07) L'Empire de la Perfection

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Julien Faraut arranca com um texto do crítico Serge Daney em que comparava o Cinema com o desporto, nomeadamente o ténis, para partir numa busca pela perfeição nas posturas e gestos destes jogadores. Nesta sua investigação, esbarra no improvável, em John McEnroe e os seus movimentos desengonçados, na postura imprópria e no seu feitio que motivavam constantes paragens da partida. Através da imperfeição, tenta-se decifrar a perfeição. Ler crítica

 

#06) Once Upon Time in Hollywood

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Deambulamos pelas avenidas solarengas de Los Angeles, ou passeamos por um rancho cercado pelo culto Manson, trilhos e esperas que nos levam a um cinema dotado de paciência, mas percorrido com o amor à Sétima Arte, esse, oriundo de um dos seus entusiastas. Absolutamente "tarantinesco" e longe dos quadrantes do politicamente correto, um filme que é um espelho da nossa realidade e condição social, refletidas numa permanente fábula. Ler crítica

 

#05) Dolor y Gloria

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Após algumas revisitações falhadas, Almodóvar regressa ao passado, fonte de inspiração de algumas das suas melhores obras, para exorcizar as suas memórias num retrato de vitórias e derrotas. O “Pedrito” tem aqui o seu grande pseudónimo na pele de António Banderas, aquele que é possivelmente a seu papel mais rigoroso. Certamente sereno, consciente do seu percurso e sabiamente maduro, o filme é o melhor de dois mundos, a sensibilidade e a maturidade. Ler crítica

 

#04) Mektoub, My Love: Canto Uno

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Para as acusações de misoginia e de voyeurismo, respondemos com uma espécie de efeito proustiano no preciso momento em que Abdellatif Kechiche revisita as suas memórias de juventude numa distorção ficcional. A câmara assume diversa vezes o olhar de um jovem propício à descoberta sexual e emocional, e o filme acompanha essa libertação como um mero turista por entre praias, ruralidade e noites enfrascadas em álcool.

 

#03) Glass

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Nesta secretamente trabalhada trilogia do realizador de “O Sexto Sentido” e “O Protegido”, eis uma analogia ao nosso mundo, dominado pelo universo dos "comics" e super-heróis, desafiando a formatação cinematográfica a partir de uma impingida desconstrução. Mesmo sendo disperso na mensagem, M. Night Shyamalan nunca pretendeu fazer o mesmo que outros com materiais familiares, mas sim olhar à volta e repensar essa mesma paisagem. Será fruto de reavaliações no futuro. Ler Crítica

 

#02) Parasite

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O sul-coreano Bong Joon-ho sempre requisitou a luta entre classes, seja de forma evidente ou subliminar, durante a sua carreira. Aqui segue uma família que sobrevive à conta de esquemas e subsídios e tenta infiltrar-se num seio mais avantajado. A sua obra narrativamente e tematicamente mais convencional, mas nem por isso inferior, pelo contrário: é a sua acessibilidade comunicacional que o torna universal e igualmente pontuado de pormenores deliciosos e fraturantes sobre as pirâmides hierarquizadas das nossas sociedades (ocidental ou oriental). Ler crítica

 

#01) Vitalina Varela

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Premiado com a distinção máxima no Festival de Locarno, mais o prémio de atriz, eis mais um feito do cineasta português Pedro Costa no seu percurso de constante reinvenção artística. Uma jornada por entre fantasmas e viúvas numa Lisboa soturna e condenada à marginalização onde, pelo meio, há todo um investimento estético que proclama o filme como um livro de ilustrações aberto para cada um de nós apreciar (nota ao diretor de fotografia Leonardo Simões). Uma experiência sensorial. Ler crítica

 

Menção honrosa: Ash is the Purest White, If Beale Street Could Talk, Los Pájaros de Verano, Alice et le Maire, 3 Faces

Conhece o teu Cavalo de Tróia

Hugo Gomes, 25.09.19

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Se vamos encarar este “Parasite” como a enésima lengalenga da guerra entre classes, então, segundo a sagrada sabedoria popular, mais vale tirar o “cavalinho da chuva”. Esta menção de aguaceiro não é de todo fruto do acaso: com esta obra de Bong Joon-Ho é a "água vai e água vem" a encarregar-se de “limpar” da vista dos mais afortunados os “insetos humanos” que se empoleiram para “parasitar” as suas tão cobiçadas vidas. Uma "higienização" que leva a um isolamento das classes de topo.

Em "Parasite, somos encaminhados para uma família subsídio-dependente, os Kim, que sobrevivem através de esquemas e de puro oportunismo. Como todos os indivíduos deste grupo social, fantasiam com uma vida de luxos necessários e de segurança financeira futura. E é então que, quando a oportunidade lhes bate à porta, os Kim se infiltram no seio da família dos abonados Park e o que seria uma operação de subsistência com prazo incerto converte-se num manual de reviravoltas num mundo onde vale tudo.

Voltando ao ponto inicial do texto - o do confronto entre as diferentes classes - não é nada que Joon-Ho não tivesse já feito de forma quase "orwelliana" no distópico “Snowpiercer”. Só que, em “Parasite”, tudo é corrido a símbolos. O título é, isso mesmo, simbólico e quase analógico para com este embate social e os maneirismos e a ostentação da cultura ocidental por parte dos “ricos” aqui inseridos espelham uma ideia de uma classe alta formatada pelos parâmetros euro-americanos (quase como o desejo da burguesia pelo exotismo). O realizador desconstroi e reconstroi vezes sem conta, sem nunca seguir tratados de sociologia.

Parasite” é cinema astuto pontuado pelos códigos do mais entusiástico “storytelling” (a capacidade de contar uma história e por sua vez torná-la perceptível a todo os olhares) que o cinema sul-coreano nos ofereceu desde o início deste século, como resposta à deterioração narrativa do sistema de Hollywood. Bong Joon-Ho fez parte dessa vaga, ao lado de nomes como Chan-wook Park (“Oldboy”, 2003) e Kim Jee-woon (“A Tale of the Two Sisters”, 2003), que colocaram a Coreia do Sul no mapa do espectáculo cinematográfico (e obviamente encheram Hollywood com “novas ideias”). Contudo, tentou separar-se da vaga, instalando-se como um homem de mil ofícios e de mil produções (a colaboração com a Netflix que gerou o conto moral vegetariano “Okja”, é um dos exemplos dessa versatilidade).

De regresso ao seu território natural, o realizador demonstra a sua determinação em dissecar o seu tema-base – a classe social do ponto de vista de um eterno contador de histórias. Nada de novo, é certo, mas “Parasite” remexe em diferentes tons, apresentando-se como uma salada russa fresca. A sensação de novidade é aquela que obtemos perante esta mistela de ritmos e sabores. "Parasite" é o poder da arte de contar uma história de Joon-ho e por isso estamos mais do que agradecidos.

O meu amigo “Okja” no mundo do amanhã

Hugo Gomes, 26.06.17

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Balde de água fria! “Okja” não é mais que um produto que se joga sobre competências industriais para captar um cinema apto para todos, e não o oposto (nada contra o acessível, mas filmes que forçam para isso é outra história). É o modelo de filme familiar acasalado com um negro panfleto da PETA, a alternativa dispendiosa de uns “cowspiracy”. Contra o consumo excessivo de carne, subsequente os questionáveis processos de criação em massa, uma campanha “green” servida de propósito para a Netflix.

A plataforma, agora virada em produtora, ambiciona um tom de cinismo a toda esta obra de gado mutante e de civilização “selvagem”, e para isso contratam Bong Joon Ho, que à imagem do seu anterior “Snowpiercer” consegue invocar tamanha sensação de “máscara” logo nos créditos iniciais. Mas visto que falamos de um realizador habituado a criaturas digitais (basta relembrar a sua variação kaiju em "The Host"), “Okja” aposta forte e feio no seu animal computorizado, cuja intenção não é mais que construir um vínculo emocional entre este suíno-hipopótamo com a jovem Seo-Hyun Ahn, e assim, sucessivamente com o espectador (numa grotesca réplica da matriz Disney). Ligação essa que se remeterá como o objetivo priorizado de uma aventura em modo veloz e furioso.

Uma produção a cumprir agenda, com toques de clara minimização de um ambiente pesado que, porventura, irá surgir num terceiro ato, aqui o fantástico culminado pelos avanços tecnológicos a servir de protótipos do nosso quotidiano e parabolizá-lo em contornos apocalípticos. Contudo, "Okja" é um filme maniqueísta, aborda questões, mas não possui a tamanha coragem para contrair uma ambiguidade, o resultado é iminente, mesmo com uma simulação de PETA em jeito caricatural, é a sua miopia que nos leva a lugares sem saída possível.

Diríamos antes, que "Okja" é a Maria Antonieta dos filmes, confrontada com a fome mundial e a sobrepopulação (uma situação que parece ninguém querer arranjar uma solução), manda-nos literalmente comer “ervinhas”. Falta o outro lado, e para este filme de Bong Joon Ho falta a convicção da sua palavra! Sobra com isso Tilda Swinton, a nossa pitoresca sem medo de se humilhar.

Adeus John Hurt ...

Hugo Gomes, 28.01.17

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The first thing I am going to do when I get back is get some decent food.Alien (Ridley Scott, 1979)

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April the 4th, 1984. To the past, or to the future. To an age when thought is free. From the Age of Big Brother, from the Age of the Thought Police, from a dead man... greetings.1984 (Michael Radford, 1984)

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“Catch the midnight express.” Midnight Express (Alan Parker, 1978)

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“This is the sad tale of the township of Dogville.” Dogville (Lars Von Trier, 2003)

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“I am not an elephant! I am not an animal! I am a human being! I am a man!The Elephant Man (David Lynch, 1980)

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“In the absence of light, darkness prevails. There are things that go bump in the night, Agent Myers. Make no mistake about that. And we are the ones who bump back.Hellboy (Guillermo Del Toro, 2004)

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“I want this country to realize that we stand on the edge of oblivion. I want every man, woman and child to understand how close we are to chaos. I want everyone to remember why they need us!” V for Vendetta (James McTeigue, 2005)

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“Oh, no. Not again.Oh, no. Not again.” Spaceballs (Mel Brooks, 1987)

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“Survivors! Wash yourselves. The water supply section ... wash away the blood …” Snowpiecer (Bong Joon-ho, 2013)

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“The powers that be have been very busy lately, falling over each other to position themselves for the game of the millennium. Maybe I can help deal you back in.Contact (Robert Zemeckis, 1997)