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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Fica o convite para a viagem pelo Cinema de Tavernier

Hugo Gomes, 25.03.21

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Mais do que um somente realizador, Bertrand Tavernier (1941 - 2021) foi, acima de tudo, um pensador. Alguém que interagia e compreendia a sua relação com o cinema, e em particular o francês. Obviamente que não podemos deixar de referir “Voyage à Travers le Cinéma Français” (2016), a sua hercúlea e enciclopédica tarefa de salientar, recuperar e resgatar filmes hoje menosprezados devido à influência das vanguardas onipresentes, como também não podemos ignorar o seu percurso na atividade propriamente dita. Assim, viajando em conjunto com Tavernier, seguimos no sabor das alegorias da televisão mórbida e da sociedade obcecada pelo macabro em “Death Watch” (“La Mort en Direct”), ou em cumplicidade com Robert Parrish perseguimos o espirito musical que se instalou nos arredores dos Everglades em “Mississippi Blues”, caminhamos a favor de uma bucolismo quase renoireano em “Un Dimanche à la Campagne” ou mais recentemente perdemos no encanto de Mélanie Thierry em "La Princesse de Montpensier". Para Tavernier a viagem chegou ao fim, mas para o Cinema nem a meio percurso vai.

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La Princesse de Montpensier (2010)

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Un Dimanche à la Campagne (1984)

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Mississippi Blues (1983)

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"Death Watch" /La Mort en Direct(1980)

Necessidades no ministério

Hugo Gomes, 27.03.14

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É nos bastidores do Ministério dos Negócios Estrangeiros franceses que decorre grande parte da ação deste “Quai D’Orsay” (“O Palácio das Necessidades”, título de referências portuguesas), a adaptação de uma banda desenhada autobiográfica de Antonin Baudry (utilizando o pseudónimo de Abel Lanzac) que empregou as suas memórias como escritor de discursos do ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominique de Villepin. Porém, na BD tal como no filme, os nomes e situações são ficcionadas de modo a não coincidir com a realidade dos factos e talvez alargar as liberdades na sua própria crítica, abordando o burlesco da ação. Mas mesmo afastando-se de tal veracidade, a sátira prevalece com tamanha força, sendo esse o “vapor” que faz movimentar todo o filme.

O Palácio das Necessidades” é uma comédia de alguma astúcia, um jubilo corrosivo que transforma “politiquices” em verdadeiros alvos abater, onde o realizador Bertrand Tavernier (“’Round Midnight”, “Death Watch”) acertado no tom e ainda mais nas suas personagens, nomeadamente as figuras caricaturais de Thierry Lhermitte (como o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexandre Taillard de Worms) e de Niels Arestrup (como Claude Maupas), este último “roubado” todas as cenas que entre graças à sua calma incorruptível. Mas “O Palácio das Necessidades” é, resumidamente, um filme de gags, a sua narrativa é “cuspida” como um amontoado de sketches interligados por raccord, intercalados por citações dos Fragmentos de Heráclito. Para além disso, existe um subenredo completamente desnecessário pelo meio que forçadamente tenta levar a intriga para fora do seu habitat natural, agravando assim o seu desequilíbrio narrativo.

Longe de ser um Doutor Estranho Amor francês, “O Palácio das Necessidades" é sobretudo uma entrega satírica que reserva alguma precisão sapiente e personagens insólitas, mas que infelizmente é servido por uma fórmula desigual e facilmente consumível. Merecia muito mais esta paródia política.