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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Labirintos há muitos, seu Ben Affleck!

Hugo Gomes, 05.12.23

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A proeza do low budget man Robert Rodriguez, rapidamente "capturada" pelos grandes estúdios em tentativas de auto-reprodução do seu método - mesmo em produções mais elaboradas, passando por algumas aventuras infanto-juvenis (ou simplesmente imaturas) com a chancela de "Spy Kids" - encontra-se desvanecida numa corrida de “pagar contas”. Resultando, evidentemente na sua faceta mais anónima possível, um "refém" de uma tendenciosa estética hollywoodesca corrente nos nossos dias, a tal e maldita "nolanização". Seja pelo estilo algo cinzento, seja pelos tiques pomposos de câmara que não disfarça nem mesmo em cenários mundanos (uma fenomenologia de “cinema sério” para massas), na capa depressiva que reveste as personagens carrancudas ou, mais saliente ainda, na complicação do descomplicado e na cerebralidade do desmiolado. Tudo em prol da seriedade nada contra a seriedade.

Neste caso, "Hypnotic", um prometido labiríntico e formatado thriller ruminante de detetives frustrados (Ben Affleck na sua mais patética tragédia) e organizações governamentais de federais com capacidades hipnóticas (com William Fichtner novamente como vilão de serviço), é um sintoma dessa obsessão de capitalizar as fashions mobs produtivas. Desde cedo, há uma queda em partir do neo-noir, com o protagonista em um divã psicanalista, relatando pela enésima vez, traumas e sonhos codificados, e à vista desarmada um distintivo para preencher semioticamente o espectador. Não se espera muito até chegarmos à ameaça propriamente dita, o filme avança a passo de corrida e quando demos por ela estamos entranhados numa conspiração global e cariz messiânicas. 

Alguns twists pelo meio para pimentar a 'coisa', e eis o entretenimento supostamente adulto, mas cuja maturidade se resume apenas na fotografia descolorada (exceto nas sequências mexicanas, que para gringos é Sol "com fartura" e para Rodriguez é “regressar ao atelier” e à paleta de cores quente, porém amortecida). Por outras palavras, o realizador é reduzido a tarefeiro e Hollywood vendida a variações de argumentos chapa-cinco, ou zinco, sem carisma e sem personagens pelas quais possamos realmente preocupar. Quanto ao suspense, sem querer saudosismos, Hitchcock tinha umas quantas lições a dar mesmo que soassem abandalhadas para a 'malta' de hoje em dia, que aqui suavizaria o desastre pseudo-intelectualóide içado com um clímax Deus Ex Machina. Ai, malditas rupturas com o passado!

"Hypnotic" é apenas isso, uma parvoíce a fazer-se adulto (e de astuto); não há indícios de culto a seguir por aqui, do mesmo modo que não houve, e, tendo Ben Affleck no cartaz, na jogada de John Woo no seu último antes do hiato agora quebrado, sim, esse incoerente "Paycheck" (quem se lembra, hã?). Só que, na altura, éramos "pagos para esquecer", enquanto em "Hypnotic" desejamos ser hipnotizados para esquecer.

#Metoo à moda medieval

Hugo Gomes, 28.10.21

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Basta a entrada do primeiro plano, uma vista aérea sobre um arena gélida e uma Paris medieval, para percebermos que o grande épico do cinema americano se encontra falido, depenado da sua grandiosidade e rendido aos facilitismos e possibilidades da tecnologia. Em “The Last Duel” constatamos que esse género é reavivado com dificuldade, mas nunca verdadeiramente ressuscitado. Nem era isso que pretendia Ridley Scott, o homem que anda anos a fio agarrado a um dos seus últimos grandes êxitos – “Gladiator” –, que opera como o ilustrador de um filme que vai mais além do que a reconstituição histórica.

O relato real de um dos últimos duelos judiciais em França, em 1386, entre o Cavaleiro Jean de Carrouges e o respeitado escudeiro Jacques de Gris, momento histórico que serviu de inspiração a trovadores e a relatórios minuciosos que fecundaram estudos contemporâneos, foi a matéria para as penas de Matt Damon e Ben Affleck, a dupla de atores e argumentistas consagrada por “Good Will Hunting” há quase 25 anos, fazerem um estudo sobre o papel da mulher nesta autêntica era das Trevas.

Em jeito formal, "The Last Duel" descortina-se em três atos paralelos, três perspetivas. Se preferirmos, “verdades” sobre algo que aconteceu, como uma espécie parcial de “Rashomon” (a obra-prima de Akira Kurosawa de 1950). Mas ao contrário da evidente inspiração nipónica, este filme não tende a refletir a essência da verdade propriamente dita, mas sim a denunciar o entranhado e impune patriarquismo que dominava aquela época sangrenta. Aqui, Jean e Jacques (Damon e Adam Driver) combatem pelas suas honras, mas no centro do seu confronto de feira está uma alegada violação, que, como se pode ouvir a certo momento, não é um “crime contra a mulher”, mas "contra o património do seu tutor legal”.

Portanto, “The Last Duel” lava-se nas águas modernas de um revisionismo histórico #MeToo, desafiando-nos a olhar para estes tempos de peste e cruzadas com uma consciência contemporânea, evitando com isto ceder abruptamente ao básico panfletarismo e elevando dramaticamente a visada Madame Marguerite interpretada por Jodie Comer como a recompensa do embate entre homens viris.

Por outras palavras, “The Last Duel” (um título deveras denunciados se pensarmos que Ridley Scott atingiu a sua primeira notoriedade em 1977 com um filme chamado “The Duellist”) é uma tentativa de desmistificação não só do evento histórico, mas de um género que, anos a fio, esteve profundamente centrado no imaginário masculino. Só que, voltando ao início, a contradição é que a espetacularidade cinematográfica deste género está moribunda, tendo perdido o seu poder produtivo para se encostar ao mero artifício tecnológico. Resta o intimismo que se encontra nas personagens e há uma aproximação a isso neste filme, mas, mais uma vez, sublinhe-se, fica-se pela aproximação...

O autor em Zack Snyder ou apenas blasfémia?

Hugo Gomes, 27.03.21

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Por entre os textos, grande parte deles funcionando como reunião de tags e palavras-chaves, existiu um que captou de imediato a minha atenção. Pertencente a Matt Zoller Seitz do site Roger Ebert, a crítica menciona “Sátántangó” (“O Tango de Satanás”, 1994), do cineasta húngaro Béla Tarr, em consolidação com “Zack Snyder’s Justice League”. À primeira vista soa-nos como uma comparação ridícula, ou de um arrojo quase alucinado, mas, ao refletir, apercebemo-nos que existe uma razão para esse paralelismo. Aliás duas!

O ponto fulcral é a perpetuação e extensão de uma estética, no caso do filme de Tarr, sete horas maioritariamente divididas entre as maleabilidades temporais e os longos travellings sob esse mesmo serviço, e no cinema heróico e pipoqueiro de Snyder, uma liberdade na invocação da sua reconhecida personalidade, que vai desde o slow-motion interveniente na ação ou a câmara (por vezes falta dela para um trabalho tecnológico) que balança em pequenos e variados planos-sequências, exercidas como artifícios de exibição e não ao serviço da narrativa. Chegando ao segundo ponto, a referência do autor e a imposição desse mesmo estatuto. Sendo inegável o cariz autoral de Béla Tarr, é no caso de Zack Snyder que a situação se torna num “pau de dois bicos”.

O que significa ser autor nos dias de hoje? Há (mais) duas definições claras nesse aspecto; um cinema que se opõe às convenções da indústria ou mimetização de territórios autorais já citados, ou a plena consciência de uma assinatura reconhecível numa obra que se revê em relação ao resto da filmografia. Zack Snyder é evidentemente um autor no segundo caso, da mesma forma que Hitchcock fora reconhecido pelo Cahiers du Cinéma como tal, e como bem sabemos, o “mestre do suspense” sempre andou de mão dada com a indústria hollywoodesca.

Quanto ao realizador de “Justice League”, produção de milhões e com base numa igualmente milionária linha de banda-desenhada, esta demanda para entregar aos seus “fãs” o filme que 2017 poderíamos ter vislumbrado (se não fosse a tragédia a bater à sua porta, mais os conflitos de um estúdio de “mãos atadas” e dois realizadores contrastados) resultou num incentivo à sua própria liberdade criativa. A Snyder foi-lhe dado esse espaço, mais 70 milhões de dólares para completar e aprimorar o seu trabalho que a Warner bem interessava, quer para alimentar os ávidos adeptos dessa “bobine ocultada” ou para preencher o catálogo do seu serviço de streaming. O que o estúdio, involuntariamente, não se apercebeu é que essa mesma atitude garantiu a Snyder o seu estatuto de autor, mais do que se poderia imaginar (equiparando-o a outros “autores” por direito a operar nessa mesma major, como Clint Eastwood ou Christopher Nolan).

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A esta altura, o leitor deverá estar a abanar a cabeça com ar de reprovação em relação a este “escriba”. Zack Snyder um autor? Está doido! Mas vejamos, quem ama e quem odeia Zack Snyder o manifesta pelas iguais razões, o que muda é a conotação dessa relação. A estética, algo empestado do universo do consumo (videojogos, comics e videoclipes), que vem desde o achado plastificado de “300”, em 2007, conectando-o em quase tudo o que Snyder “toca” (até mesmo a sua animação “Legend of the Guardians: The Owls of Ga'Hoole”, em 2010, partilhava esses tiques e maneirismos). Acrescentar ainda o seu próprio fascínio pela teologia diluída nestas “cavalgadas heróicas” (há um simbolismo cristão nesta sua trilogia ao serviço da DC, principalmente no percurso do seu Super-Homem tão carregado em paralelismos com Cristo) ou a martirológia correspondente no tratamento destes assumidos heróis (Snyder aborda estas personagens como eles fizessem duma atípica bíblia).

São “dedadas”, e muitas, aquelas que assentamos, nestes ditos blockbusters. E agora, seguimos para o outro “bico” deste “pau”. O facto de reconhecermos Snyder como um autor, não valida um atestado de imaculabilidade crítica, aliás, como defendia o crítico André Bazin no engessamento da sua teoria da Política dos Autores – “Claro que podemos aceitar a permanência do talento sem a confundirmos com uma espécie de infalibilidade artística ou imunidade ao erro, que só podem ser atributos divinos“. Faço destas palavras o meu pensamento, Snyder está longe do “toque de Midas”, mas é ao reconhecer essa sua marca autoral que encaramos este seu “Justice League” como uma peça aparte do dito cinema de super-heróis.

Injustiça à Liga

Hugo Gomes, 15.11.17

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Não se consegue salvar o Mundo sozinho”, nem sequer levar um franchise às costas. “Justice League” adivinhava-se a léguas como um ser atribulado, desde a perda do seu realizador Zack Snyder, que abandonou por motivos de tragédia familiar, mas encontrava-se igualmente pressionado pelos estúdios, o que obrigou a diversos reshoots.

O resultado está aqui: a reunião da equipa mais desejada é um blockbuster automatizado, sem estilo e colado a cuspo de forma a cumprir os requisitos mercantis. E é pena meus amigos, visto que, tal como acontecera com “Suicide Squad”, andam por estas bandas personagens que realmente nos cativam o interesse. É uma barafunda, mas um caos virtuoso. Ou pelo menos aparenta ser, escondendo as suas mazelas e o orgulho ferido, isto após o “tira tapete” a Snyder com o seu Batman V Superman” (um filme que continuamos a defender). A anarquia mesclada com a genica de alguém que tinha algo para mostrar é hoje abalada pela passividade deste ser escorregadio, com escassos vislumbres de reanimação – nem sequer de sofisticação.

Veremos as coisas por este prisma, antes que se condene o trovador ao invés da cantiga, “Justice League” irá fazer dinheiro … muito mesmo … não é o horror, a ofensa declarada ao cinema de entretenimento atual, nada disso. Estamos somente perante uma perda, estilística e progressiva, a um trilho que o poderia afastar da concorrente Marvel (que para ser sincero não tem ficado melhor com tempo, apesar da exceção do bravo “Thor: Ragnarok”). Tudo soa oleado, do mesmo óleo que o estúdio da Disney tem contaminado os seus produtos, um líquido espesso que branqueia aos poucos a sua negritude que tão bem serviria de contraste à rivalidade.

Assim, temos um Jason Momoa a servir barbaramente como Aquaman, um Ezra Miller a entender-se como um antídoto à seriedade contida na trupe, um Ben Affleck cansado do traje e um Ray Fisher com pouco palco, enquanto que Gal Gadot continua a usufruir graciosamente a sua limitação interpretativa. São os “misfits” honrosos que nos convidam a duas horas de ritmos inconstantes, consolidados a um terceiro ato desesperadamente estapafúrdio (contudo, há que relembrar que a DC tem-se preocupado cada vez mais com o elemento civil) e um vilão em CGI que manifesta preocupações quanto ao rigor do produto.

Cai bem dentro da saga, cai mal no panorama do Cinema enquanto entretenimento em evolução.  

Live by Night: Ben Affleck floresce enquanto realizador

Hugo Gomes, 05.01.17

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Será Ben Affleck capaz de ressuscitar o apelidado cinema de gangsters na sua quarta longa-metragem, a segunda tendo como base um livro de Dennis Lehane? Definitivamente não. Nada de novo ou rejuvenescente parece querer germinar aqui. Eis um décor prolongado da Lei Seca e arredores que nos remete com um imaginário saudosismo. Mas este "Live By Night" ("Viver a Noite") opera como uma confirmação da destreza e, sim, vitalidade do ator convertido a realizador por detrás das câmaras.

A História de um homem “bom” (para implementar-nos em mais um confronto de consciências maniqueístas pintado sob tons cinzentos), que se vê gradualmente corrompido pela ambição ascendente no negócio ilícito (misturando por aqui uns certos toques de vingança), é a esperada rasteira na carreira de Affleck enquanto homem polivalente. Não pretendo com isto afirmar que este conto do vigário é um total desastre artístico. Para além do narcisismo do ator que ousa em protagonizar e adaptar-se a um ambiente envolto (fica o aviso: papéis de gangster não nasceram para Ben), é a câmara que ousa em “cuspir” no academismo-fantasma que nos faz prezar por este fracasso acima dos anonimatos que têm sido feitos para award seasons.

Affleck parece determinado em recalcar as imagens perante uma narrativa que respira, ora vintage, ora uma dinâmica articulada. Veja-se, por exemplo, na condução de travellings e panorâmicas em espaços limitados, dando a noção de “ação” mesmo que o ato seja o simples abanão de gelo num copo de whiskey. No feito da direção, e sem insinuar inovação, "Viver na Noite" aposta num registo dotado em reconstituições e em marcos coadjuvantes deste subgénero.

O grande senão é o argumento, uma facada sem objetividade no livro de Dennis Lehane que resultou no mesmo modelo pastelão do qual são feitos as cinebiografias galardoadas, com as mesmas personagens esquemáticas e aprisionadas em estereótipos que, facilmente, habitam neste Universo. Uma ambição de curto rastilho, porém motivado no interesse de assistir a um dos mais bem-sucedidos atores-realizadores a operar na Hollywood atual.

“The red capes are coming, the red capes are coming”

Hugo Gomes, 23.03.16

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Tudo indica que o signo do ano 2016 são os super-heróis, contando num total de 6 produções correspondentes a três estúdios (sendo dois os prováveis campeões nestas “andanças”) no sector. Este é um período para citar a tão popular expressão: “ou vai, ou racha”. Mas o início desta corrida pelos comics já se demonstrou produtiva, até porque “Deadpool” é um êxito garantido de bilheteira, cuja fórmula promete abalar o próprio método de produção deste subgénero.

Enquanto isso seguimos para o crucial “Batman V Superman: Dawn of Justice”, o filme que colocará a junção DC Comics / Warner Bros na primeira fila, tendo como grande concorrente a Marvel / Disney, que infelizmente tem demonstrado através dos últimos filmes que as ideias estão a escassear e que a homogeneidade poderá vir a ser um “cancro” nesta linha de montagem. Quanto à DC / Warner, o percurso não começou da melhor maneira. Christopher Nolan recusou prolongar o seu Cavaleiro da Trevas, tendo encerrado a trilogia por completo, mas acabou por aceitar o cargo de produtor deste reiniciado franchise. Por sua vez, o primeiro capítulo deste universo partilhado, Homem de Aço (Man of Steel), contrariando os números obtidos no box-office, não agradou totalmente os fãs (chegando até criar ódios dentro da legião).

Em causa estava certamente a negra e trágica atmosfera, a seriedade que este Super-Homem adquiriu, deixando de lado o estilo mais “camp” e descontraído de Christopher Reeve, o humor que tem predominado este tipo de produções tornou-se numa ausência. Para além das debatidas decisões no argumento que explicitaram um herói mórbido, desequilibrado, e dotado por uma conduta duvidosa à mercê das questões. Em todo o caso, o filme foi um fracasso artístico; a dupla Zack Snyder / Christopher Nolan falharam o teste dos fãs, mas nada que impedisse o regresso para um segundo round.

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Assim chegamos a “Batman V. Superman”, onde o Cavaleiro das Trevas entra em cena com Ben Affleck como a nova cara deste tão admirado herói. Como havia sido divulgado durante a campanha de marketing, este “épico” de quase três horas seria uma arriscada ofensiva de trazer para o grande ecrã o tão cobiçado “joint”: A Liga da Justiça (visto que George Miller não o conseguiu). Por isso, era mais que provável que esta sequela direta de Homem de Aço fosse uma exaustiva inserção do espectador neste mesmo universo, “disparando” easter eggs em tudo o que é lado.

Curiosamente, este BVS (vamos chamar assim) é superior ao seu antecessor, mesmo sendo deveras trapalhão na sua narrativa. Em causa está sobretudo o esforço dos envolvidos em trazer alguma credibilidade e verosimilhança a um mundo alternativo, fantasioso e fértil, mais fiel aos comics e contrariando a insípida e replicada Gotham da trilogia de Nolan. Existem também surpresas neste novo catálogo de “bons e maus da fita”, entre as quais Ben Affleck a revelar-se num Batman / Bruce Wayne mais maduro e emocional. Arriscado será afirmar, mesmo soando em heresia, que o infame ator (que deu vida a um dos super-heróis martirológicos do grande ecrã que fora Daredevil) consiga vestir o fato com mais dinamismo do que o próprio Christian Bale e Michael Keaton juntos.

O outro “brinde” é a genialidade com que Jesse Eisenberg entrega-se na pele de Lex Luthor, o tão conhecido arqui-inimigo do nosso Homem de Aço. Dois elementos que compensarão uma produção que visa repetir os erros do costume, ou seja o fascínio pela destruição inconsequente (que toma principalmente o terceiro e último acto como refém), as personagens secundárias descartáveis, algumas entradas diretas para futuros capítulos sem propósito para o enredo atual e a enfurecedora banda-sonora de Hans Zimmer, mais omnipresente que o próprio filme.

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Pois bem, não vamos mentir, BVS é um filme com verdadeiros problemas na sua execução, mas que sim, vai conquistar “multidões”, nem que seja pelo seu inegável visual ou pela facilidade com que Zack Snyder tem em arranjar taglines como “Tell me do you bleed? You will“. Contudo, esta é uma obra que temos a tendência, ou a tentação, de gostar, até porque é um blockbuster que esconde mais do que aquilo que mostra, e essa ocultação deriva da prolongação da sua mensagem altamente teológica. Enquanto que em Homem de Aço as comparações deste Super-Homem com o nascimento e percurso de Jesus Cristo fossem evidentes, as Estações da Cruz, a Procissão e o Caminho do Calvário são reproduzidos sob o seu contexto nesse ambicioso capítulo, acrescentando-se ainda o seu Pilatos, neste caso Lex Luthor, que constantemente patenteia um discurso ateu de contornos profanos.

Curiosamente, existe outra metáfora escondida que é visualizada no primeiro encontro de Bruce Wayne / Batman e Clark Kent / Super-Homem. Durante a festa organizada pelo vilão de serviço, é possível deparar-nos com o quadro “O Balanço do Terror”, de Cleon Peterson. O artista contemporâneo de Los Angeles considerou o seu referido trabalho, numa simbolizada luta entre poder e submissão, cuja violência é um ciclo interminável. São dois lados que se confrontam intrinsecamente (e socialmente) no nosso herói de capa vermelha, que se esboça na ideologia formatada deste “episódio-piloto”.

Entre a barafunda total (o previsível abuso de CGI) e o “bem esgalhado”, “Batman V Superman: Dawn of Justice” suscitará paixões, ódios e até mesmo alguma indiferença entre o público. Porém, a experiência não é totalmente nula. Há sim pequenas surpresas que fazem adivinhar o pretensiosismo da DC / Warner em não ficar a “comer poeira” do seu concorrente. Veremos como se sairá neste batalha campal de milhões de dólares investidos.